MORADOR: “ILHA DO GOVERNADOR FAZ 447 ANOS SEM NADA A COMEMORAR”

Sérgio Ricardo, ambientalista, ativista social e morador da Ilha do Governador dá entrevista ao Favela 247 sobre as condições atuais do bairro na Zona Norte do Rio de Janeiro. Sérios problemas de mobilidade urbana, falta de investimentos em moradia e saneamento básico, desmantelamento do cenário cultural, poluição da Baia da Guanabara, morte da pesca artesanal e ameaças de remoção de moradores são alguns dos motivos que não o levam a comemorar hoje, dia 5, o aniversário de 447 anos da Ilha
Por Artur Voltolini, para o Favela 247
A Ilha do Governador, bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro, faz hoje 447 anos. O Favela 247 procurou o morador, ambientalista e ativista Sérgio Ricardo, para contar o que há para se comemorar nessa efeméride. Sérgio Ricardo tem 46 anos. Nascido em Canguaretama, Rio Grande do Norte, foi levado pelo pai, aos dois anos de idade, a um assentamento da Reforma Agrária em Altamira, no Pará, onde morou por 11 anos. De lá sua família se mudou em 1986 para o Rio de Janeiro, mais especificamente para a Ilha do Governador. Sérgio Ricardo é graduado em Gestão e Planejamento Ambiental pela Estácio, fez pós-graduação em Gestão de Recursos Hídricos no Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (COPPE), da UFRJ e faz o Curso de Especialização em Políticas Públicas e Gestão Governamental no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ).
Localizada no lado ocidental da Baía da Guanabara, a Ilha do Governador é composta por 14 bairros, dispersos em mais de 36 km², e habitada por aproximadamente 211 mil pessoas. É nela que fica o Aeroporto Internacional Tom Jobim, grandes estaleiros como o Eisa e o Transnave, e os complexos industriais que produzem aditivos e óleos lubrificantes da Shell e da Exxon. Na Ilha, já chamada de Princesinha da Zona Norte, há bairros de classe media-alta com o Jardim Guanabara, favelas como o Morro do Dendê e vilas de pescadores como Tubiacanga.
Sérgio Ricardo conta que aos 19 anos, quando era um dos diretores da associação de moradores do bairro Cocotá, havia um calendário intenso de atividades para a comemoração do aniversário da Ilha, que reforçavam a sensação de identidade dos moradores, e que hoje há apenas um pequeno evento organizado pela sub-prefeitura da região. Segundo Sérgio, não há muito o que se comemorar: “A Ilha do Governador, assim como o resto da Zona Norte, vive um abandono de políticas públicas. O principal exemplo é a questão do saneamento básico. Aqui era o balneário do Rio de Janeiro. As famílias do Centro e da Zona Sul tinham casas e chácaras na Ilha. Hoje com a poluição da Baia todas as praias estão impróprias ao banho. E note que em 19 anos já foram gastos mais de R$ 3 bilhões em obras que, ou não foram concluídas, ou não resolveram a questão. 19 anos de ineficiência, que começou com Marcelo Alencar, do PSDB, mas a roubalheira vem até os governos de hoje.
Outro ponto que incomoda Sérgio Ricardo é o da “imobilidade urbana”. Há poucas barcas que fazem o trajeto da Praça XV, no Centro do Rio, até o bairro de Cocotá, viagem que leva cerca de 50 minutos. Quando ele perde a barca, chega a ficar duas horas no trânsito. “A comprovação desse abandono é a falta de políticas públicas. Não há nenhuma obra estruturante sendo feita no bairro” reclama o morador.
Há também, segundo Sérgio, um grave problema de habitação popular, com acelerado processo de favelização, como na região dos bancários: “Em nenhuma das favelas foi feito um projeto de urbanização. Falta água, há esgoto a céu aberto. São problema graves de ausência de moradia digna para a população, que não existiam 20 anos atrás. Eram pequenas favela, não tinha esse adensamento todo”, afirma o ambientalista.
Cultura
Sérgio diz que não faz muito tempo a Ilha tinha uma forte cena cultural, com mais de 20 casas de Shows e três salas de cinema. Lá foi construída a primeira Lona Cultural da cidade, pelo prefeito Saturnino Braga, do PSB, no fim dos anos 1980. Havia também três cinemas na Ilha. “Eu lamento muito o desmantelamento da malha cultural na Ilha. As salas de cinema fecharam nos anos 1980, ficamos 20 anos sem nenhuma até abrirem as quatro salas do Shopping. Havia centenas de bandas de rock. Imagine mm bairro como a Ilha com 20 casas funcionando? Tinha trabalho para os músicos. O Elimar Santos começou tocando nos bares da Ilha, a banda uns e outros nasceu nasceu aqui, junto com o movimento Rock Brasil. Na praia de bica se montava um palco onde se tocava rock durante todo o fim-de-semana, e de graça. Hoje todas essas casas estão fechadas”, afirma Sérgio Ricardo
“O Rio de Janeiro teve ao todo 16 anos de governo César Maia, se considerarmos também a gestão Luiz Paulo Conde. Foi um período em que a exclusão cultural da cidade se aprofundou. Criminalizaram a arte de rua, fecharam o Circo Voador, e um ano depois a Lona Cultural da Ilha. Só depois de dez anos de muita luta ela foi reconstruída, mas mesmo assim bem menor que a primeira. Essa repressão cultural aliada ao esvaziamento econômico da cidade no período do neoliberalismo dos anos 90, que gerou um alto índice de desemprego, afetando principalmente quem mora no subúrbio, empobreceu a classe trabalhadora e reduziu o consumo, todos esses fatores causaram o esvaziamento cultural que vemos hoje. Isso também aconteceu no Meier, em Madureira, e em Cascadura. Hoje 90% dos cerca de 70 equipamentos públicos de cultura estão hoje concentrados entre o Centro e a Zona Sul.”, explica Sérgio.
Pesca Artesanal
Segundo Sérgio Ricardo, a pesca artesanal na Bahia da Guanabara está passando por um processo de extinção planejada, por causa da expansão da indústria petroleira: “A Baia vai ser a principal base do Pré-Sal. Os rebocadores que você vê na paisagem hoje vão aumentar muito, chegando aos milhares, para alimentar todas as refinaria do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). Dados que constam do Estudo de Impacto Ambiental do Pré-Sal mostra e expansão das áreas de exclusão de pesca. É proibido a uma pequena embarcação se aproximar de uma plataforma, de um oleoduto. Sobrarão pouquíssimas áreas destinadas à pesca. Se já não bastasse a poluição, agora temos a exclusão. Veja Tubiacanga por exemplo, é a colônia de pesca mais antiga da Baia da Guanabara, mas está passando por um processo de descaracterização, um desmantelamento cultural. Na prática ainda existem pescadores, mas num número muito reduzido. Os filhos e os netos dos pescadores não conseguem mais viver da pesca”, lamenta.
Remoções
Um dos poucos motivos de comemoração de Sérgio Ricardo foi a vitória temporária do movimento contra as remoções de moradores das regiões próximas ao Aeroporto Internacional: “O primeiro edital da ANAC previa a remoção de 15.000 habitantes. Removeriam toda a Tubiacanga, , um pedaço da Vila Joaniza, todo o Parque Royal, e um pedaço da Portuguesa, que não é favela, é bairro. Foram feitas muitas mobilizações, protestos e audiências públicas. O Governo Federal recuou sobre as remoções durante a privatização do aeroporto, mas deixou um gatilho: quando o aeroporto atingir X números de voos, será rediscutida a construção de uma nova pista. Isso até 2016.” diz Sérgio Ricardo, aliviado, mesmo que seu único motivo para comemorar os 447 anos da Ilha do governador dure apenas até as Olimpíadas.
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