A agonia do Paraíba do Sul e a irresponsabilidade da transposição

Uma das muitas características nefastas da mídia corporativa é a sua crescente inaptidão de pautar questões que realmente interessam aos seus leitores dentro da escala de magnitude que estas merecem. Esse fato fica cristalinamente transparente no tratamento que está sendo dado à questão da transposição negociada no Supremo Tribunal Federal para permitir a transposição de águas do Rio Paraíba do Sul para o sistema Cantareira, basicamente para isentar o governo de São Paulo de mexer em outro sistema, o de distribuição dos lucros da Sabesp.

Como os termos do “acordo” não foram explicitados, alguém mais cético pode apenas desconfiar de que não vem nada de bom para quem vive dentro da faixa limítrofe que separa o Rio de Janeiro de Minas Gerais. É que dada as características da bacia do Paraíba do Sul associadas à densidade urbana no trecho paulista a jusante da transposição, fica fácil adivinhar que quaisquer prejuízos serão jogados nas costas de mineiros e fluminenses.

Mas o problema não para ai. É que segundo o que foi transpirado a transposição terá como uma das suas condicionantes a contenção de despejos urbano-industriais que hoje transformam porções significativos do Paraíba do Sul em esgoto a céu aberto. Como já conhecemos o exemplo terrível da Baía da Guanabara e suas pretensas políticas de despoluição que já sugaram bilhões de dólares do erário público, essa condicionante terá tanto valor quanto uma nota de 3 dólares americanos. 

Como especialistas já apontaram a transposição seria desnecessária se as corporações que controlam o processo de captação e distribuição de água no Brasil se dessem ao trabalho de diminuir as perdas que seus sistemas decrépitos implicam. Além disso, qualquer esforço sério de aumento dos estoques hídricos teria de atacar o problema do desperdício em unidades industriais e agrícolas que juntas consomem quase 90% da água efetivamente consumida. Mas as concessionárias, além de não cuidar da parte material que lhes compete, são preguiçosas demais para fazer isso, e ficam com suas campanhas inócuas para controlar o consumo doméstico que representa em torno de 10% do consumo total. 

Agora, lamentável mesmo foi a posição dos (des) governadores do Rio de Janeiro e de Minas Gerais que aquiesceram com essa proposta de transposição no palco do STF em vez de convocar os comitês de bacia para uma reunião emergencial sobre os usos presentes e futuros das águas do Rio Paraíba do Sul. Em relação ao (des) governador tampão de Minas Gerais, Alberto Pinto Coelho do PP,  isto de ser entendido porque ele entregará em breve o cargo a Fernando Pimentel do PT, mas quanto ao (des) governador Luiz Fernando Pezão, a complacência com São Paulo é indesculpável. Afinal de contas, se o Palácio da Guanabara pode ser abastecido com água mineral às custas do cofre estadual, o mesmo não pode se dizer de milhões de residências fluminenses e cariocas que dependem diretamente do Paraíba do Sul para suas necessidades básicas.

Alguém precisa avisar a Pezão o segredo mais conhecido do Século XXI: a água, não o petróleo, é o recurso mineral verdadeiramente estratégico. Mas uma dúvida, será que Pezão sabe o significado de “estratégico”? Sinceramente acho que não. Mas Geraldo Alckmin sabe. E esse é o grande problema!

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