
Por CÉLIO SALES
A catástrofe, Crime Ambiental e Humanitário em que se envolvem as empresas Vale do Rio Doce, SAMARCO e BHP, além da grande Mídia brasileira (por visivelmente encobrir as informações) e diversas instâncias de governo, inclusive Federal, enfim, este evento assume prejuízo de tal magnitude, que praticamente qualquer oferta de ajuda realizada até o presente terão efeitos paliativos: os R$20 bilhões de reais que a Justiça brasileira teoricamente exige da BHP e da Vale neste momento, pode impactar a opinião pública devido ao número em si (bilhões), são necessários, mas estamos falando de milhões de pessoas que dependem ou dependiam direta e indiretamente do Rio Doce num trajeto de 853 km, do leito do rio até sua foz; dezenas de cidades que deverão readequar seus sistemas de distribuição de água potável, além de preparar seus sistemas de atendimento de saúde; sem mencionar aqui as obras para contenção da lama e retirada dos dejetos do rio, que sequer começaram e neste preciso momento, pouco mais de um mês após a tragédia e crime, chegam a assorear cerca de 70cm o Rio Doce, já na divisa entre Minas Gerais e Espírito Santo.
Digamos que uma cidade como Governador Valadares (MG) receba sozinha R$20 bilhões de reais. São 300 mil habitantes, o que daria uma média de R$ 66.666,00 per capita. Destes habitantes, quantos ficaram desempregados somente porque foram forçados a buscar água em algum momento do dia e suas respectivas empresas não assumiram tais ausências? Quantas destas pessoas serão afetadas por doenças causadas por ingestão de chumbo e outros metais cancerígenos, uma vez que esta prefeitura jura que a água que está sendo distribuída é impecavelmente potável? O valor acima dará conta de qualquer tratamento? A prefeitura assumirá estes erros e omissões?
E quanto a cidade em si? Se recebeu R$20 bi, deverá dividir entre indenizações ou obras para reestruturar seus sistema de distribuição de água potável e, talvez, ampliar seu sistema de atendimento de saúde? Se desejar tratar a água de outros rios próximos, terá que obrigatoriamente recuperar milhares de nascentes, com plantações de árvores e matas ciliares, o que leva anos, pois tudo foi desmatado em prol de plantação de eucalipto e agropecuária extensiva sem critérios, a não ser o pagamento de taxas ao Estado de Minas Gerais. E como estamos num país onde a corrupção é endêmica, quanto destes 20 bilhões serão sumariamente desviados e sumirão no esgoto?
Bom lembrar que enquanto falamos, muitos fazem suas investidas de cidadania por Facebook (e nada mais…), a cada dia a mancha de lama que chega ao mar através da Foz do Rio Doce cresce a uma taxa de cerca de 250Km2 ao dia e, uma vez não sendo interrompida, pode afetar uma área que envolve a cadeia alimentar em uma área estimada em 20 milhões de Km2, ou praticamente 2,3 territórios brasileiros em pleno mar, assim nos explica o biólogo Professor André Ruschi. Quanto a parte terrestre, temos perspectivas de desertificação por contaminação, incluindo os lençóis freáticos, neste momento de importância infinita por ser um dos recursos utilizados para lidar com a seca, mas segue em importância por serem estes que abastecem nascentes de outros rios a se perder de vista…
O que o Brasil apresentou até o momento para o meio internacional, que se encontra de cabelo em pé com este desastre? Resposta: nada. O país da inexistência das catástrofes ambientais (não temos terremotos, maremotos, tufões, etc) está, neste momento, oferecendo um show internacional de incompetência generalizada em gestão em caso de emergências e catástrofes que, sim, são possíveis de acontecer em qualquer lugar do mundo, ainda mais diante de exploração predatória como a que o território brasileiro anda assistindo há décadas.
Magnitude do impacto? Trilhões de dólares… o que levaria a imediata falência da SAMARCO, Vale do Rio doce e BHP, além de prejuízos monumentais ao governo brasileiro em todos os níveis. Tempo de recuperação? Diretamente proporcional e multiplicado à enésima potência à morosidade que temos assistido até aqui, tornando o impacto cada vez mais grave à medida que o tempo passa e os prejuízos cada vez mais profundos.
Lembremos que passamos o segundo semestre inteiro falando de rombos no orçamento do governo, pacotes do Ministério da Fazenda com o objetivo de alcançar os famigerados superávits primários da dívida externa, rombo que hoje ultrapassam os R$100 bi e levaram recentemente a presidente Dilma Roussef a declarar o Shout Down nas despesas do governo (corte brusco em despesas como viagens e auxílios… sem mais). Todas as três agências de risco internacionais rebaixaram o Brasil em um ponto, tendo como base principalmente a atual crise política (que, por sinal, é desumana porque cega até ante catástrofes humanitárias!).
2016: ano de rombos, interrupções de investimentos, eleições e olimpíadas (se é que teremos…), com continuidade de uma severa crise hídrica que assola praticamente todo o território nacional, tanto no que se refere ao abastecimento de água potável quanto a geração de energia elétrica. Os jornais internacionais mencionam que o Brasil passa por uma crise só comparável à Grande Depressão de 1929… e já começo a temer que seja verdade, ao menos meia verdade, pois o evento de 1929 somente dá conta de explicações econômicas. No Brasil (e no mundo de certa maneira) estamos lidando até com questões de ordem cultural que estão em franco estado de colapso: nossos valores, quaisquer que sejam eles, não estão dando conta de explicar o que acontece, para quê estamos aqui, por quê estamos aqui e se devemos estar aqui.
Voltando para as Terras de Santa Cruz (Brazil), diante deste evento inaugurado pela Samarco, prejudicando os Estados de Minas Gerais e Espírito Santo, as perspectivas econômicas e sociais que teremos pela frente se tornam ainda mais árduas, tomando contornos de surrealismo por tamanha destruição, tamanha irresponsabilidade e incompetência generalizada, e tamanho descaso com a Vida de modo geral, tudo em tempo muito curto, e com poucas ações efetivas de solução.
Verifica-se um impasse gigantesco, uma máquina tão engessada, em franco processo de crise civilizacional, que o país, a sociedade sequer consegue oferecer atenção às suas necessidades mais básicas, quais sejam, proteger seus cidadãos de catástrofes e, uma vez ocorrido, atendê-los de forma a garantir sua dignidade.
Precisávamos chegar a este ponto? A era do “jeitinho brasileiro”, do desenvolvimento que vê o verde como atraso e rios como valetas de esgoto, tudo isto chegou ao colapso? Mais do que culpar hierarquias, será que não está na hora de cada um realizar uma profunda reflexão sobre o que queremos daqui pela frente: se um país morrendo de câncer, ou se Vida, plena e abundante, com rios, verde e animais vivendo em paz, e gerações cientes de que sem nada disto, viver não é possível neste planeta?
Célio Sales.
Taboão da Serra, 09 de dezembro de 2015.
FONTE: https://www.facebook.com/notes/c%C3%A9lio-sales/sobre-a-magnitude-do-crime-da-samarco-perspectivas/927378474010739