O aquecimento global e o desmatamento poderiam impactar o transporte de umidade da floresta amazônica para a Bacia do Prata através dos chamados “rios voadores ou aéreos”. Crédito da imagem: Fábio Mitsuka Paschoal/Wikimedia Commons , licenciado sob Creative Commons CC BY-SA 4.0 Deed
Por Nicolás Bustamante Hernández para o SciDev
O transporte de umidade da floresta amazônica para o sul da América do Sul está sendo seriamente afetado pelo aquecimento global e pelo desmatamento, o que pode gerar um desequilíbrio no clima desta região, que pode até piorar num cenário em que a temperatura do planeta diminuirá e subir acima de 2°C, como previsto para o final deste século.
Isto fica claro num estudo publicado recentemente na revista Science of the Total Environment . O objetivo do grupo de especialistas internacionais que escreveu o artigo foi analisar como o aquecimento global, num cenário de 2°C acima do período pré-industrial, somado ao desmatamento da Amazônia, poderia alterar o clima nas bacias hidrográficas não só desta vital floresta para o planeta, mas de outros ecossistemas relacionados, como no caso da Bacia do Prata (sul do Brasil, Uruguai e leste da Argentina).
Especificamente, os autores avaliaram como ambos os efeitos poderiam impactar o transporte de umidade da floresta amazônica para a Bacia do Prata através dos chamados “rios voadores”.
Esse conceito refere-se às enormes colunas de água que correm sobre o continente sul-americano, transportam umidade e energia e contribuem para precipitações abundantes durante o verão austral (entre dezembro e fevereiro), como explica Murilo Ruv Lemes, membro do INPE e
“Descobrimos que o transporte de umidade é impactado tanto pelo desmatamento da Amazônia quanto pelo aquecimento global (…) No cenário de aquecimento global, os efeitos sobre a fisiologia florestal podem ser mais fortes do que o desmatamento.”
Murilo Ruv Lemes, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Brasil
Para realizar a análise, os pesquisadores realizaram modelagem climática desenvolvida no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) do Brasil.
“Descobrimos que o transporte de umidade é impactado tanto pelo desmatamento da Amazônia quanto pelo aquecimento global, que diminuiu em direção ao sudeste brasileiro e aumentou em direção ao sul da Bacia do Prata. No cenário de aquecimento global, os efeitos na fisiologia florestal podem ser mais fortes que o desmatamento”, acrescentou Ruv Lemes.
“Ou seja, uma alta concentração de CO 2 induz à diminuição da condutância estomática, mecanismo positivo para as taxas de evapotranspiração (processo de reciclagem da água na atmosfera), resultando em um ciclo hidrológico mais fraco”, acrescenta Ruv Lemes.
Segundo o cientista, a relação desses fenômenos com a Bacia do Prata reside no fato de esta depender da umidade transportada da floresta amazônica durante seu período chuvoso por meio de mecanismos aéreos fluviais (rios aéreos ou voadores).
“Basicamente, a umidade que evapora do Oceano Atlântico entra no continente sul-americano pelo norte, chegando à floresta amazônica. A floresta desempenha um papel importante em trazer mais água para a atmosfera através da evapotranspiração. Por fim, por meio de um Jato de Baixo Nível, corrente de vento e topografia elevada (Cordilheira dos Andes), esse transporte é redirecionado para o centro-sul da América do Sul, alimentando seu período chuvoso”, afirma Ruv Lemes.
Para o cientista, “as descobertas são necessárias para orientar as partes interessadas e os tomadores de decisão política a melhorar as suas práticas e planejar um futuro resiliente contra as alterações climáticas, que afetam milhões de pessoas por ano, principalmente as mais vulneráveis”.
Por sua vez, Benjamín Quesada, diretor do programa de Ciências do Sistema Terrestre da Universidad del Rosario (Bogotá, Colômbia), destaca que este estudo mostra como o desmatamento em um lugar pode ter efeitos em outro, até centenas ou milhares de quilômetros de distância.
“Essa é uma área para a qual a ciência está caminhando e teríamos que unir forças para documentar muito mais esse fenômeno. Estudos anteriores já mostraram que se ocorrer desmatamento no Brasil, o ciclo hidrológico da Colômbia ou do Chile, é afetado, mostrando que a Amazônia deve ser protegida, pois o que acontece nela pode ter efeitos em escala global”, afirma Quesada.
“Precisamos de desmatamento zero daqui para frente”, afirma Ruv Lemes.
“Além disso, uma transição energética completa ou um novo estado de matriz energética sustentável deve ser implementado o mais rápido possível. O estado climático e a saúde da Terra são críticos e dependem de uma mudança completa no comportamento humano neste momento. A conhecida estrutura econômica não resolverá esse problema”, afirma o especialista.

Este artigo escrito originalmente em espanhol foi produzido pela edição América Latina e Caribe do SciDev.Net e foi publicado [Aqui!].
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