Por Carlos Eduardo de Rezende*
Em uma instituição de ensino superior, onde o livre pensamento é um de seus pilares fundamentais, há quem defenda que divergências, de qualquer nível, devam ser tratadas internamente. A princípio, isso pode parecer razoável dentro da liturgia acadêmica, que valoriza o debate estruturado e a deliberação criteriosa. No entanto, quando princípios essenciais, de uma instituição, são impactados, torna-se imprescindível ampliar o debate, garantindo que as decisões sejam tomadas com reflexão e responsabilidade.
A adoção de ações imediatistas, sem uma análise aprofundada dos impactos em longo prazo, pode comprometer o futuro de uma instituição de ensino e pesquisa, enfraquecendo sua missão acadêmica e científica. Ainda assim, alguns dos pontos abordados nesta reflexão podem ser considerados inoportunos por parte da comunidade, seja por resistência à mudança ou por diferentes perspectivas sobre os rumos institucionais.
Recentemente, foi instituído o Programa de Aprimoramento e Otimização da Gestão Pública da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (ProUENF). No âmbito desse programa, os integrantes da comunidade acadêmica que se inscreveram e atenderam ao que foi estabelecido na Resolução do Conselho Universitário da Uenf passaram a receber a Bolsa Pró-UENF, que pode durar 36 meses.
A comunidade acadêmica da Uenf é composta por docentes e técnicos (laboratório e administrativos), cujos níveis de formação variam entre Fundamental, Médio e Superior, incluindo servidores com titulação de mestrado e doutorado. É importante destacar que as atividades desempenhadas por essas categorias são essencialmente distintas. Diante disso, um programa que não estabelece critérios específicos e diferenciados para cada categoria parece, no mínimo, inadequado e demanda uma reflexão criteriosa.
Nesse sentido, a criação e a implementação desse programa deveriam fomentar debates mais amplos sobre a condução das políticas institucionais e seus impactos na integridade acadêmica e profissional da comunidade universitária. Embora iniciativas que incentivem a participação dos servidores sejam, em princípio, bem-vindas, os critérios que orientam a concessão dessas bolsas têm suscitado questionamentos legítimos e deveriam considerar as especificidades inerentes aos diferentes cargos ocupados.
A fragilidade na definição de parâmetros claros e objetivos abre margem para interpretações dúbias e, em alguns casos, favorecimentos que comprometem a transparência. Como assegurar a equidade se os critérios parecem desconectados de um processo robusto de avaliação? A ausência de rigor, acadêmico vamos dizer assim, pode transformar uma ação que deveria ser estratégica em um mecanismo questionável, que alimenta desigualdades e desmotiva aqueles que esperam justiça institucional.
Outro ponto preocupante é a percepção de que algumas pessoas estejam recebendo recursos para executar atividades que já deveriam ser parte de suas atribuições e outros que recebem sem mudar minimamente seu comportamento diante da responsabilidade institucional. Isso levanta uma questão ética fundamental em relação ao dever de cada integrante da universidade e suas responsabilidades institucionais.Os estímulos adicionais deveriam ser instrumentos de fomento a novas iniciativas ou de apoio a demandas extraordinárias e deveriam refletir a qualidade do servidor no que tange a sua atividade fim.
Nesse contexto, cabe perguntar: onde está a ética profissional e institucional? O fortalecimento de uma universidade pública de excelência, como a Uenf, exige não apenas infraestrutura e financiamento, mas também um compromisso inabalável com princípios éticos. Transparência, meritocracia e responsabilidade devem ser os alicerces de qualquer ação que envolva recursos públicos.
Se queremos uma Uenf mais forte e coesa, é imprescindível rever práticas que, ainda que sob a aparência de progresso, corroem a confiança na instituição. Um processo de reflexão coletiva é urgente, pautado pela busca de critérios claros, avaliação independente e um verdadeiro compromisso com o bem coletivo. Apenas assim poderemos garantir que ações como a Bolsa Pró-UENF estejam alinhadas ao propósito maior de promover a justiça, a inclusão e a excelência acadêmica.
Concluindo, tenho consciência de que partes isoladas deste texto poderão ser utilizadas para sugerir, de forma equivocada, que sou contrário a este programa. No entanto, isso não corresponde à realidade. Minha discordância reside na ausência de critérios claros e na implementação precipitada de um programa institucional sem a devida participação de um comitê externo, essencial para garantir sua integridade. Assim, minha maior preocupação é que programas dessa natureza têm caráter temporário, enquanto o Plano de Cargos e Vencimentos (PCV) da Uenf permanece defasado. Nossa capacidade de atrair e reter jovens docentes tem sido progressivamente reduzida em comparação com outras instituições de ensino superior.
Reafirmo a necessidade urgente de uma política que viabilize a imediata recomposição do PCV, pois medidas paliativas acabam gerando confusão na comunidade ao envolver valores que podem ser revogados a qualquer momento, além de consumirem recursos que deveriam ser direcionados à recomposição salarial de maneira estrutural e definitiva, inclusive para nosso quadro de inativos que possui paridade com o quadro ativo.
Carlos Eduardo de Rezende é professor titular do Laboratório de Ciências Ambientais da Uenf e Bolsista Produtividade 1A do CNPq.
