Retirada de gado ilegal na Amazônia gera protestos e divide moradores na Reserva Chico Mendes

A remoção de centenas de cabeças de gado criadas ilegalmente em terras públicas destinadas ao uso sustentável da floresta na Amazônia brasileira gerou protestos e dividiu moradores, com alguns buscando preservar a extração da borracha e a colheita da castanha-do-pará e outros querendo consolidar a pecuária. (Vídeo AP: Mario Lobão, Produção: Tatiana Pollastri) 

Por Fabiano Maisonnave para a Associated Press

BRASÍLIA, Brasil (AP) — A remoção de centenas de cabeças de gado criadas ilegalmente em terras públicas destinadas ao uso florestal sustentável na Amazônia brasileira gerou protestos e dividiu moradores, com alguns buscando preservar a extração de borracha e a colheita de castanha-do-pará e outros querendo consolidar a pecuária.

A operação de remoção começou na semana passada em uma das unidades de conservação mais renomadas da Amazônia, a Reserva Extrativista Chico Mendes , nomeada em homenagem ao famoso seringueiro e ambientalista morto em 1988. Agentes federais, em colaboração com policiais e militares, apreenderam cerca de 400 cabeças de gado de dois fazendeiros que descumpriram ordens judiciais de despejo. As operações devem continuar nas próximas semanas.

Mas dezenas de moradores da reserva protestaram contra a ação, buscando criar um bloqueio na cidade de Xapuri para impedir a retirada do gado. O primeiro caminhão, com 20 cabeças de gado, teve que tomar uma rota alternativa para evitar o confronto.

O protesto, que contou com o apoio de políticos locais, teve um simbolismo poderoso, já que Xapuri é a cidade onde Mendes foi morto a tiros. Também representou um contraste com a década de 1980, quando seringueiros lutaram contra pecuaristas.

Uma seringueira é preparada para a retirada da borracha na Reserva Extrativista Chico Mendes, estado do Acre, Brasil, em 6 de dezembro de 2022. (Foto AP/Eraldo Peres, Arquivo)

Uma seringueira é preparada para a retirada da borracha na Reserva Extrativista Chico Mendes, estado do Acre, Brasil, em 6 de dezembro de 2022. (Foto AP/Eraldo Peres, Arquivo)

A remoção do gado ocorreu em resposta a um aumento de 56% no desmatamento durante os primeiros cinco meses de 2025, em comparação com o mesmo período do ano passado. A área desmatada é quase cinco vezes maior que o Central Park, em Nova York. A reserva abriga cerca de 140.000 cabeças de gado.

“O monitoramento identificou que o crime ambiental decorre principalmente da pecuária de grande porte, o que é ilegal por violar as regras da unidade de conservação”, afirmou em nota o órgão federal Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, o ICMBio.

A Reserva Chico Mendes é uma das diversas reservas extrativistas da Amazônia onde comunidades florestais podem praticar atividades extrativas de baixo impacto, com proteção contra incorporadores. As regras limitam o desmatamento à pecuária e agricultura de pequena escala, e a venda de terras é proibida. Ainda assim, a Reserva Chico Mendes é a unidade de conservação federal mais desmatada do Brasil.

‘Trabalhando para encontrar uma solução’

Os problemas atuais se agravaram durante o mandato de quatro anos do presidente de extrema direita Jair Bolsonaro, que durou até 2022, quando o desmatamento na reserva explodiu. Bolsonaro desvalorizou a proteção ambiental e disse que a Amazônia tinha áreas protegidas demais. Alguns moradores de Chico Mendes começaram a vender suas terras ilegalmente para fazendeiros, que esperavam que elas fossem eventualmente legalizadas.

A forte reação à operação levou à criação de um grupo de WhatsApp com cerca de 1.000 membros, no qual alguns fizeram ameaças a Raimundo Mendes de Barros, primo e herdeiro político de Chico Mendes, que se opõe à expansão da pecuária. Mas organizações históricas aplaudiram as remoções de gado, incluindo o Conselho Nacional das Populações Extrativistas, que emitiu uma nota de apoio à operação.

Cleisson Monteiro, presidente da Associação de Moradores e Produtores da Reserva Extrativista Chico Mendes, em Xapuri, apoiou os protestos contra a retirada do gado. Ele afirmou que, embora o desmatamento deva ser combatido, os agentes federais provocaram revolta e medo entre as famílias que não cumprem todas as normas da reserva.

A área onde as invasões começaram, conhecida como Seringal Nova Esperança, “não tem mais um perfil seringueiro”, disse Monteiro. “Os moradores têm um modo de vida diferente. São agricultores que se dedicam à agricultura familiar em pequena escala, com alguma criação de gado para corte e leite.”

Monteiro afirmou que cerca de 140 famílias vivem em Nova Esperança, incluindo a sua, todas com diferentes graus de descumprimento das regras da reserva. Ele afirmou que, embora apenas dois indivíduos tenham sido alvos, há a preocupação de que a operação possa afetar outras famílias.

“O ICMBio não deveria ter agido neste momento, porque estamos trabalhando para encontrar uma solução”, disse ele.

‘A floresta não pode competir’

A reserva abriga cerca de 4.000 famílias. Cerca de 900 produzem borracha para a Veja, empresa francesa de calçados. O projeto tem se mostrado bem-sucedido, mas a demanda não é alta o suficiente para absorver todo o potencial de produção da reserva.

Jeffrey Hoelle, professor de antropologia na Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara, que estuda a área há duas décadas, disse que a criação de gado tem sido mais lucrativa para os moradores do que os meios tradicionais de extração de borracha e nozes da floresta.

“Vinte anos atrás, os seringueiros estavam apenas começando a adotar o gado. E, nas últimas duas décadas, ele se tornou cada vez mais popular”, disse Hoelle. “Com o tempo, tornou-se mais aceitável. Mas, essencialmente, a floresta não consegue competir em termos de valor econômico com o gado. O alcance que a borracha e a castanha-do-pará podem prover para as pessoas é realmente limitado em comparação com o gado, para o qual, infelizmente, é preciso derrubar a floresta e plantar pasto.”


Fonte: Associated Press

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