
Um estudo recente liderado pelo Instituto Mamirauá para o Desenvolvimento Sustentável, no Brasil, revelou que os lagos da Amazônia estão aquecendo até 0,8°C por década, ultrapassando a média global. Crédito da imagem: Miguel Monteiro / Instituto Mamirauá.
Por Xilena Pinedo para a SciDev
[LIMA, SciDev.Net ] Entre setembro e outubro de 2023, uma onda de calor extrema aqueceu os rios e lagos da Amazônia. No Lago Tefé, no coração da floresta amazônica brasileira, barcos ficaram à deriva, milhares de peixes morreram e imagens de botos mortos circularam pelo mundo.
“Estava muito calor, o sol estava quente, a água estava quente, a lama estava quente, tudo estava quente. Nunca tinha visto nada igual”, recorda Silas Rodrigues, presidente da comunidade Bom Jesus, às margens do Lago Tefé.
Agora, um estudo científico confirma que o lago onde Rodríguez vive há quase quarenta anos atingiu 41°C no auge da seca. A pesquisa, liderada pelo Instituto Mamirauá de Desenvolvimento Sustentável, no Brasil, e publicada na revista Science Advances , revela também que as águas da Amazônia estão aquecendo a uma taxa sem precedentes: cerca de 0,8°C por década, bem acima da média global.
A morte de peixes e botos no Lago Tefé, na Amazônia brasileira, chamou a atenção para o aumento das temperaturas nos rios e lagos da região. Crédito da imagem: Miguel Monteiro / Instituto Mamirauá.
“Até agora, a maioria dos estudos havia sido feita em lagos temperados nos Estados Unidos ou na Europa. Mas aqui [na Amazônia] estamos falando de um processo diferente, tropical. Antes, havia apenas projeções, mas em 2023 confirmamos que se trata de um fenômeno em larga escala com muitos impactos socioecológicos”, disse Ayan Fleischmann, autor do estudo e pesquisador do Instituto Mamirauá, à SciDev.Net .
A pesquisa, que contou com a participação de especialistas internacionais, combinou observações de campo para registrar o que estava acontecendo durante a seca de 2023 com análises de imagens de satélite para compreender as mudanças ocorridas nas últimas três décadas. Além disso, utilizando modelos matemáticos, a equipe identificou as razões pelas quais as águas da Amazônia estão aquecendo tão rapidamente.
Os resultados revelaram que cinco dos dez lagos monitorados na Amazônia central registraram temperaturas diurnas superiores a 37°C. O Lago Tefé registrou o valor mais alto observado até o momento, 41°C, temperatura considerada acima do limite de tolerância para a vida aquática. “Esses valores são muito superiores às temperaturas típicas desses ecossistemas: a temperatura média da água superficial durante o dia em lagos tropicais geralmente varia entre 29°C e 30°C”, indica o estudo.
“Até agora, a maioria dos estudos havia sido feita em lagos temperados nos Estados Unidos ou na Europa. Mas aqui [na Amazônia] estamos falando de um processo diferente, um processo tropical. Antes, havia apenas projeções, mas em 2023 confirmamos que se trata de um fenômeno em larga escala com muitos impactos socioecológicos.”
Ayan Fleischmann, pesquisador do Instituto Mamirauá
Entre outras descobertas, o estudo revela que a área da superfície do Lago Tefé diminuiu 75%, e no Lago Badajós, a redução chegou a 92%. Essa diminuição significativa da área da superfície da água se deveu à queda dos níveis dos rios, e a pouca profundidade coincidiu com um aquecimento excepcional dos corpos d’água.
Além disso, dados de satélite de 24 lagos brasileiros mostraram que o aquecimento registrado em 2023 não foi um evento isolado. Desde 1990, as temperaturas da água superficial na Amazônia aumentaram em média 0,6°C por década, com tendências que chegam a 0,8°C em alguns lagos, como Tapajós, Amanã e Janauacá.
Fleischmann enfatiza que esses dados demonstram uma tendência contínua de aquecimento nos lagos amazônicos, onde ainda há muito pouco monitoramento. Andrea Encalada, pesquisadora do Painel Científico para a Amazônia, que não participou do estudo, concorda.
O cientista equatoriano especializado em ecologia de rios tropicais disse à SciDev.Net que essas descobertas mostram claramente como as mudanças climáticas estão alterando os sistemas de água doce na região tropical.
“As descobertas de Fleischmann e seus colegas são profundamente reveladoras e alarmantes. O que está acontecendo nos lagos da Amazônia não é um incidente isolado, mas um sinal claro de que os sistemas aquáticos tropicais estão atingindo limites críticos diante das mudanças climáticas”, conclui ele.
Um chamado da Amazonia
A seca de 2023 deixou cicatrizes profundas. “Muitos peixes morreram e havia um cheiro horrível. A água estava muito poluída”, conta Rodrigues. Fleischmann, por sua vez, lembra-se de quando, em setembro, os pescadores de Tefé foram ao Instituto Mamirauá para relatar a morte de botos no lago. Esse incidente marcou o início de sua pesquisa.
“Quando um rio ou lago amazônico seca, a vida das pessoas que tanto dependem dele para seu transporte , sua vida e sua cultura também seca”, reflete ele.
Os efeitos nos lagos amazônicos são um sinal claro de que os sistemas aquáticos tropicais estão atingindo limites críticos diante das mudanças climáticas. Crédito da imagem: Miguel Monteiro / Instituto Mamirauá.
Portanto, os especialistas enfatizam a importância de fortalecer a cooperação entre a ciência e as comunidades locais para lidar com os futuros eventos climáticos. Rodrigues insiste que os estudos técnicos devem ser conduzidos “em conjunto com as comunidades ribeirinhas, para evitar danos ao meio ambiente ou às pessoas”.
Fleischmann compartilha dessa visão e a levará consigo para a COP30, que está sendo realizada em Belém, no Brasil. “Precisamos investir em ciência, tecnologia e monitoramento em conjunto com as comunidades locais; não se trata de uma campanha de um ou dois anos, mas de um esforço contínuo”, alerta ele.
Para Encalada, a prioridade é fortalecer as redes de monitoramento. “A Amazônia é um sistema sentinela para o planeta. Se até mesmo seus ecossistemas aquáticos estão atingindo seus limites de resiliência, significa que já estamos perto de pontos de inflexão ecológicos”, enfatiza.
Fonte: SciDev