Erosão na Praia do Açu é o calcanhar de Aquiles, mas o porto tem outras dívidas a pagar no V Distrito

A rápida destruição da Praia do Açu, amplamente divulgada pela TV Record, colocou em alerta os gestores do enclave naval conhecido como Porto do Açu. A repercussão das imagens levou moradores da Barra do Açu — comunidade ameaçada de desaparecer — a relembrar um ponto incômodo: a erosão costeira já estava prevista nos estudos que embasaram o licenciamento ambiental concedido pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea). Embora o empreendimento tente se manter em silêncio, esse apagamento tem custo político e reputacional, sobretudo porque investidores estrangeiros já começam a ser informados sobre a dimensão do problema.

Além disso, o Porto do Açu acumula passivos históricos com a população do V Distrito de São João da Barra, sendo o mais grave a apropriação de terras desapropriadas pela Codin que jamais foram indenizadas. Esse débito social atinge diretamente cerca de 500 famílias de agricultores pobres e expõe uma ferida aberta no discurso de responsabilidade socioambiental propagado pelos controladores do enclave.

Soma-se a isso a salinização de águas continentais provocada pela entrada de água oceânica oriunda dos aterros hidráulicos, construídos após a remoção intensiva de areia e sedimentos na área frontal do porto. Paralelamente, o consumo exorbitante de água por projetos instalados no enclave — grande parte extraída do Aquífero Emborê — contrasta de forma obscena com a escassez enfrentada por moradores da região, situação recentemente denunciada pela imprensa local.

Por outro lado programas de suposta proteção ambiental vêm sendo utilizados para, na prática, inviabilizar a pesca artesanal na Lagoa de Iquipari, reduzindo a renda e comprometendo a segurança alimentar de dezenas de famílias. O bloqueio dos acessos à lagoa de Iquipari também extinguiu práticas culturais anteriores à chegada do empreendimento. Quando analisado com o devido rigor acadêmico, esse processo revelará como a RPPN Caruara operou menos como instrumento de conservação e mais como mecanismo de desterritorialização de modos de vida tradicionais, protegendo interesses privados sob o falso pretexto de risco ambiental inexistente.

Desta forma, oque se observa no Porto do Açu não é um conjunto isolado de impactos, mas um padrão sistemático de espoliação socioambiental, legitimado por licenças frágeis, silêncios institucionais e pela instrumentalização do discurso da sustentabilidade. Erosão anunciada, terras roubadas, água apropriada, pescadores expulsos e culturas apagadas compõem um mesmo projeto territorial que transfere riqueza e segurança a investidores globais enquanto impõe precariedade, insegurança hídrica e desterritorialização às populações locais. Trata-se de um caso emblemático de como grandes empreendimentos, sob a complacência do poder público, convertem o litoral e o campo em zonas de sacrifício, deixando como herança não o “desenvolvimento”, mas um rastro de injustiça social, degradação ambiental e violação de direitos históricos.

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