O colapso climático e o fortalecimento da ordem agroquímica-mineral apontam para um 2026 desafiador

Foto: Licia Rubstein

Por Marcos Pedlowski para “Nova Democracia”

Os últimos meses têm sido marcados por uma sucessão de eventos meteorológicos extremos em diferentes partes do planeta. No Brasil, o tornado que destruiu grande parte da cidade de Rio Bonito do Iguaçu no Paraná se transformou em um símbolo eloquente da materialização dos cenários mais críticos anunciados pela ciência climática. Estamos, gostemos ou não, diante da confirmação empírica das piores projeções. O que chama atenção, entretanto, não é apenas a gravidade dos acontecimentos, mas o fato de que essa evidência crescente não tem sido acompanhada por decisões políticas à altura do desafio. Ao contrário, seguimos sem qualquer estratégia consistente de adaptação, mesmo diante da aceleração inequívoca das temperaturas globais e da frequência acelerada de eventos meteorológicos extremos..

Entretanto, a indisposição de governos e corporações capitalistas em promover o faseamento dos combustíveis fósseis não pode ser atribuída à ignorância ou à incerteza científica. Como já apontava o geógrafo francês Yves Lacoste, o conhecimento aprofundado da realidade está concentrado nos grandes Estados e nos centros de poder que efetivamente tomam decisões estratégicas. Assim, o que se observa, portanto, não é um erro de avaliação, mas escolhas deliberadas. As decisões que aceleram o colapso climático, frequentemente apresentadas como irracionais ou contraditórias, obedecem a uma lógica fria e instrumental: preservar a ordem capitalista existente, ainda que isso implique o sacrifício de bilhões de pessoas e a deterioração irreversível das bases ecológicas da vida.

Além disso, é preciso rejeitar a narrativa enganosa de que o colapso climático afetará a todos de maneira equivalente. Ele será profundamente desigual, tanto do ponto de vista geográfico quanto social. As regiões tropicais experimentarão impactos mais severos, e as populações pobres arcarão com os custos mais elevados de um planeta mais quente e mais seco. Essa assimetria ajuda a explicar por que os países centrais do capitalismo combinam políticas cada vez mais rígidas de fechamento de fronteiras com a intensificação da pilhagem de recursos naturais nos países periféricos. Trata-se da atualização da velha ordem colonial sob novas condições climáticas, destinada a preservar a troca desigual. Diante desse cenário, qualquer discurso sobre solidariedade internacional soa vazio quando confrontado com as práticas concretas que estruturam o sistema de trocas globais, incluindo formas explícitas de espoliação.

No entanto, essa ausência de solidariedade não se limita às relações entre Estados nacionais. No Brasil, os acontecimentos de 2025 evidenciam que as diferentes frações da burguesia nacional também optaram por acelerar mecanismos de exploração que aprofundam o colapso climático. Essa escolha se expressa de maneira cristalina nas decisões recentes do Congresso Nacional na área ambiental. A aprovação do chamado PL da Devastação representa um marco nesse processo, ao institucionalizar a destruição ambiental e reforçar a condição neocolonial do país. Quando articulada à tese do Marco Temporal, igualmente aprovada, revela-se um compromisso inequívoco com os interesses do latifúndio agroexportador, para o qual a transformação do Brasil em uma zona de sacrifício ambiental não constitui problema, mas estratégia.

Essa lógica foi reforçada pela decisão majoritária do Supremo Tribunal Federal (STF) de manter as isenções fiscais e tributárias bilionárias concedidas aos fabricantes de agrotóxicos. A ratificação de benefícios imorais para os fabricantes de agrotóxicos proibidos nos países que sediam as empresas fabricantes, em razão de sua elevada toxicidade, ultrapassa em muito uma controvérsia fiscal. Ao preservar esses incentivos, o STF legitima a consolidação do Brasil como área de sacrifício ambiental e sanitário, aprofundando sua inserção subordinada na economia global.  Esta é uma escolha política, ainda que travestida de decisão técnica ou jurídica.

Ao mesmo tempo, enquanto a ciência alerta para as múltiplas interações entre os padrões de produção capitalista e a crise climática, o governo federal insiste em aprofundar relações comerciais de caráter neocolonial com a União Europeia. O acordo Mercosul–UE é exemplar nesse sentido, ao projetar consequências sociais e ambientais dramáticas, entre elas o aumento do fluxo Norte–Sul de agrotóxicos altamente perigosos. Além dos impactos diretos sobre a saúde humana e os ecossistemas, esses produtos contribuem para a ampliação das emissões de gases de efeito estufa, agravando exatamente a crise que as forças do negacionismo sutil dizem querer mitigar.

Diante desse conjunto de elementos, é forçoso concluir que a disputa eleitoral de 2026 que ocorrerá no Brasil tende a se configurar como um simulacro. As forças que controlam o sistema político-partidário brasileiro compartilham, em linhas gerais, o compromisso com a ordem agroquímica-mineral que define a inserção do país na economia mundial. A crise climática, nesse contexto, não aparece como um desvio inesperado, mas como o resultado lógico de escolhas políticas, econômicas e institucionais reiteradas ao longo do tempo. Não se trata de falta de informação ou de alternativas técnicas, mas de uma aposta consciente na intensificação da exploração ambiental e social. 

Romper esse ciclo de destruição programada e nos preparar para o necessário processo de adaptação exigirá mais do que ajustes marginais ou pactos eleitorais: requer o enfrentamento direto dos fundamentos do modelo vigente e da lógica de poder que o sustenta — algo que só forças dispostas a efetivamente romper com o status quo capitalista poderão realizar.


Fonte: Nova Democracia

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