
Este blog vem publicando uma série de análises produzidas pelo arquiteto e urbanista Frederico Lopes Freire onde ele alerta para o que tenho chamado de “padrão Brumadinho”. Essas análises resultam de uma meticulosa inspeção visual onde são detectados uma série de fatores que podem conduzir ao rompimento de mega barragens de rejeitos.
Estou hoje publicando a análise situacional da barragem Casa de Pedra que é de propriedade da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) que está situada imediatamente à montante da área urbana de Congonhas, cidade mundialmente conhecida por abrigar algumas das obras mais notáveis do escultor Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho.
A série temporal analisada vai de 2002 a 2018, o que permitiu a Frederico Lopes Freire realizar uma série de verificações que não deixam dúvidas sobre o grave risco que já é de conhecimento público há alguns anos.
Como está bem frisado neste relatório, a situação verificada requer ação imediata da CSN e dos órgãos de governo para que se impeça a repetição das Tsulamas de Mariana e Brumadinho. Um fato inédito na barragem Casa de Pedra é que seu a mesma está tomada por uma mistura de água e resíduo, algo não observado até então, em nenhuma das análises feitas por Frederico Lopes Freire.
Análise de imagens da Barragem Casa de Pedra, da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), município de Congonhas-MG
Por Frederico Lopes Freire*
Este é um relatório pessoal, com base em observação de imagens de satélite disponibilizadas no Google Earth.
Imagem 01 – Congonhas-MG – imagem datada de 12 de fevereiro de 2018 – última imagem disponível.

Vista geral da região da cidade de Congonhas. Perímetro aproximado da barragem mostrado em linhas vermelhas e referências de nível indicadas com marcador amarelo, de acordo com a última imagem disponível, datada de 12 de fevereiro de 2018..
Imagem 02 – Datada de 08 de julho de 2002.
Imagem mostra a configuração geral quase virgem da área da barragem. Naquela data, duas barragens em sequencia, marcadas “Casa de Pedra” e “900”, coletavam água e rejeitos provenientes das direções indicadas no alto da imagem.
As linhas vermelhas indicam a projeção da área a ser ocupada pela barragem, em 12 de fevereiro de 2018. Os marcadores amarelos indicam níveis do terreno ou pontos de interesse a serem descritos posteriormente.
Importante observar que partindo da barragem no nível 900, a depressão na vegetação indica o leito do córrego em direção a cota 878. Este córrego será aterrado e substituído por um canal de drenagem, também a ser eliminado posteriormente.
Outro córrego é indicado na parte superior direita da imagem, fluindo na direção do indicador “erosão n-880”, a ser descrito posteriormente.
Imagem 03 – Datada de 02 de outubro de 2007.

Em andamento os serviços de desmatamento e terraplanagem para a construção da nova barragem. O córrego que existia entre o marcador 900 e o 878, foi eliminado, sendo um canal de drenagem construído logo a direita.
É visível no canto inferior esquerdo a locação do que serão os canais de drenagem futuros, junto ao marcador 898.
Não há qualquer sinal de erosão junto ao marcador n-880, no topo a direita da imagem, e na direção do qual fluía córrego indicado na imagem 02.
Imagem 04 – Datada de 24 de agosto de 2011

Construção da primeira fase da nova barragem está concluída. As antigas barragens acima e em torno do marcador 900 foram eliminadas. Grande acúmulo de águas superficiais até a parede da barragem.
Novos canais de drenagem estão concluídos no canto inferior esquerdo da imagem. Na parte superior da imagem está indicada a linha dos rejeitos que estão sendo introduzidos.
Na parte inferior da barragem, junto ao marcador 878, aparece a pequena lagoa e fluxo de água que permanecem no local até a última imagem disponível. Isto ocorre exatamente no ponto onde o córrego passava, e a vala de drenagem que o substituiu terminava.
No canto superior direito da imagem, junto e acima do marcador “erosão n-880”, aparecem erosões que serão melhor visualizadas na imagem 05 a seguir.
Imagem 05 – Datada de 24 de agosto de 2011.

Erosões aparecem no canto superior direito da imagem, nas proximidades do marcador 930 – b, onde nada fora do comum podia ser observado nas imagens anteriores.
Erosões diversas aparecem junto ao marcador “erosão n-880” e proximidades na direção da barragem acima, marcador 913. Indícios da localização do córrego ou canal natural de drenagem erradicado, podem ser vistos.
Imagem 06 – Datada de 29 de junho de 2013.

Em andamento os serviços de ampliação, reforço e reparos da barragem e seu entorno. A entrada de resíduos é contida por uma barreira temporária no topo da imagem.
Barragem secundária está sendo construída, bem como contenções através de enrocamentos, ou barreiras de rochas compactadas, junto ao marcador “erosão n-880”.
Lagoa no marcador 878 na base da barragem está visivelmente maior. Ampliação da espessura da parede da barragem e do enrocamento, estão em execução logo acima do mesmo marcador e também junto ao marcador 898.
Imagem 07 – Datada de 03 de agosto de 2015.

Construção da segunda fase da barragem está concluída. Apesar da construção de barragem secundária, erosão entre os marcadores 913 e “erosão n-880” permanece.
Lagoa e vazamento junto ao marcador 878 também permanecem inalterados.
A área da barragem está completamente tomada por uma mistura de água e resíduo, algo não observado até então, em nenhuma das análises de barragens anteriores.
Se o encharcamento dos resíduos é um gatilho para uma possível liquefação estática, o quadro está montado.
Imagem 08 – Datada de 27 de setembro de 2017.

Tentativa de controle das erosões junto ao marcador “erosão n-880” continua. Mancha de umidade se expande, bem como aumento das erosões e manchas existentes, com surgimento de novas.
Esta é, sem dúvida, a área mais crítica exigindo imediata ação de correção.
Este relatório tem por objetivo uma análise isenta de preconceitos ou tendências subjetivas, como definição de responsabilidades ou possíveis culpados.
O objetivo único é salvaguardar vidas. Por duas vezes um desastre ocorreu, e, se na primeira vez, dúvidas poderiam existir quanto a causa do colapso da barragem, na segunda não há mais dúvida quanto ao papel principal da liquefação estática.
Novamente a imprevidência quanto aos efeitos de se eliminar o equilíbrio natural existente, sem um planejamento das consequências a longo prazo, traz a perspectiva de mais um acontecimento funesto.
A exploração dos recursos naturais é fundamental para o progresso e bem estar da sociedade, desde que os recursos da ciência não sejam aplicados somente na eficiência econômica.
Desde nossa primeira análise em Brumadinho, temos tentado contato com os grupos empresariais proprietários dos locais em foco, sem absolutamente nenhum retorno.
Apontar causas é um trabalho bem mais fácil do que apontar soluções, mas estas existem. É agora tempo de investir nas soluções, interromper o uso das barragens é uma solução temporária, as bombas relógio continuarão sua trajetória.
O desmonte das barragens ou retirada dos rejeitos é uma operação de extremo perigo sem uma estabilização e drenagem dos excessos de líquido.
É preciso que os responsáveis pelas mineradoras se conscientizem de que não há um caminho fácil para uma solução, mas esta existe e exige ação imediata.
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*Frederico Lopes Freire é Arquiteto e Urbanista. Este relatório é propriedade de Frederico Lopes Freire, a quem deverá ser solicitado autorização para publicação ou qualquer outra utilização.