Desde o dia em que eclodiu a Tsulama da Vale em Brumadinho, a mineradora já realizou várias remoções de moradores que vivem próximos a uma série de suas barragens. Um desses casos foi a da represa associada à mina de Mar Azul no município de Nova Lima, onde as sireneas foram acionadas preventivamente no dia 20 de de fevereiro.
As remoções preventivas realizadas pela Vale em várias de suas minas no território de Minas Gerais serviram para levantar uma justa interrogação sobre se existiriam sinais prévios de que haveria rompimento de barragens de rejeitos que poderiam ter sido utilizados para a empresa evitar a perda de vidas humanas e dos graves custos ambientais que sucederam às Tsulamas em Mariana e Brumadinho.
Este blog já publicou duas análises feitas pelo arquiteto e urbanista Frederico Lopes Freire, que utilizando a técnica da inspeção visual de imagens de satélite fornecidas pelo Google Earth, onde ficou demonstrado que é possível prognosticar o potencial para rompimento de barragens de rejeitos. Nos dois relatórios anteriores preparados por Frederico Lopes Freire (Aqui! e Aqui!), ele identificou a existência de fatores que teriam levado ao rompimento do sistema de barragens na mina Córrego do Feijão, e que estão presentes em outras barragens que ainda permanecem contendo milhões de metros cúbicos de rejeitos.
Pois bem, intrigado com as notícias veiculadas sobre os problemas que estariam ocorrendo em Mar Azul, Frederico Lopes Freire confeccionou uma análise similar às duas anteriores onde conclui que os primeiros indícios de problemas de instabilidade já estariam evidentes, e que os trabalhos de reforço estrutural foram iniciados em 2014. Entretanto, mesmo após uma série de trabalhos voltados para garantir a estabilidade de Mar Azul, Lopes Freire concluiu que os esforços tinham sido infrutíferos. Nesse sentido, ele conclui no relatório que segue abaixo que “erosão, falta de drenagem, entrada de águas e nenhuma distância entre a linha das águas superficiais e a parede da barragem. Tudo agravado pela evidencia provida pela drenagem em concreto, demonstrando a destinação original da barragem.“
Se as análises de Frederico Lopes Freire, um arquiteto com larga experiência profissional estão totalmente corretas, a questão que precisa ser rapidamente respondida pela Vale e pelas autoridades de Minas Gerais é a seguinte: por que só depois de Brumadinho é que está sendo dado mais atenção às barragens da mina de Mar Azul? Mais preocupante ainda é constatar que por meio de uma inspeção visual de imagens está sendo possível detectar problemas que se repetem em série, e que já deveriam ter feito soar as sirenes há muito mais tempo.
Finalmente, não posso deixar de constatar a ironia de se alcunhar uma mina de “Mar Azul”, quando, pelo que se observa que nela reside um alto risco de termos mais um mar de lama se espalhando por rios de vital importância para Minas Gerais e todo o Brasil.
Abaixo o relatório de Frederico Lopes Freire sobre a barragem da mina de Mar Azul,
Este relatório é baseado em imagens do Google da Barragem de Mar Azul, município de Nova Lima, Minas Gerais.
Por Frederico Lopes Freire, Arquiteto e Urbanista
Este relatório está baseado em minha análise das imagens disponíveis no Google Earth.
Imagem 01 – Localização da Barragem de Mar Azul
Indica as cotas do interior, base e perímetro da barragem. Direção e fluxo das águas superficiais originadas de chuvas e outras origens, provenientes das elevações e da mina de minério de ferro. Locais de erosões e local a ser reforçado, serão mostrados nas imagens subsequentes, também estão indicados para facilitar a visualização posterior. A drenagem superficial existente ou extravasor, construída em concreto, é uma forte indicação de que a intenção original era construir barragem para água, a ser preenchida com resíduos de mineração.
Imagem 02 – Datada de 27 de novembro de 2002.
Imagem aproximada da barragem, mostrando locais e níveis das futuras intervenções para correção e reforço.
Imagem 03 – Datada de 30 de junho de 2012.
Evidencias de problemas a serem corrigidos estão indicados.
Imagem 04 – Datada de 17 de junho de 2013.
Imagem dos locais denominados “erosão”, “erosão 2” e “erosão 3”, mostram claramente o problema. A drenagem superficial é desativada e o nível da água rebaixado. O local onde será feito um reforço da barragem está também indicado.
Imagem 05 – Datada de 18 de novembro de 2014.
Obras para reparos e reforço da barragem em andamento.
Imagem 06 – Datada de 3 de maio de 2016.
Reparos e reforço da barragem completados. Todavia, evidencias das erosões reaparecem bem como da deformação da barragem na área de reforço.
Imagem 07 – Datada de 28 de julho de 2018 – Última imagem disponível.
“Erosão 3” aparenta ter sido corrigida, mas “Erosão” e “Erosão 2” mostram aumento nas dimensões. Volume de águas superficiais também demonstra aumento. Vale ordena evacuação da população imediatamente abaixo da barragem.
Mais uma vez os sinais similares aos de Brumadinho estão presentes. Erosão, falta de drenagem, entrada de águas e nenhuma distância entre a linha das águas superficiais e a parede da barragem. Tudo agravado pela evidencia provida pela drenagem em concreto, demonstrando a destinação original da barragem.
Uma vez que o rejeito foi sendo adicionado a uma barragem já preenchida com água, com certeza está impregnado pela sua absorção, que é o gatilho para uma liquefação como já demonstrado em Brumadinho.
A foto da drenagem está indicada na imagem Google datada de 28 de julho de 2018, bastando clicar no local indicado. Mostra um lago de águas azuis e tranquilas, um vertedouro em concreto visualmente agradável, mas inadequado para uma barragem de rejeitos.
** Frederico Lopes Freire é Arquiteto e Urbanista, possuindo ampla experiência profissional no Brasil e nos EUA, e atualmente vive no município de Colatina, norte do estado do Espírito Santo.
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