Trabalhadores brasileiros escravizados pelos fornecedores de café da Nestlé

Por Carla Hoinkes e Florian Blumer, Pesquisa: Public Eye em colaboração com Repórter Brasil

Uma investigação exclusiva da Public Eye em colaboração com a Repórter Brasil lança luz sobre diversos casos de escravidão moderna perpetrados por fornecedores de café da Nestlé no Brasil. Isso apesar da empresa suíça prometer tolerância zero a essa prática há anos. Dois trabalhadores afetados por esse flagelo relatam como trabalharam em condições desumanas, foram privados de seus salários e temeram por suas vidas.

“Não consigo encontrar palavras para descrever o que passei”, diz Jurandir dos Santos. “Todas as lembranças me vêm à mente só de pensar em café.”

Mesmo assim, o homem de 50 anos decidiu nos contar o que aconteceu com ele depois de ser contratado como trabalhador sazonal para a colheita de café em abril de 2023, junto com seu amigo José Ademilson de Jesus Lima. Um jornalista da Repórter Brasil encontrou os dois em março de 2025, a pedido da Public Eye, para entrevistá-los em suas casas (uma compilação das entrevistas pode ser encontrada aqui ).

A fazenda Mata Verde, no estado do Espírito Santo, está localizada a 1.200 quilômetros de Aracaju, capital do estado de Sergipe.

Jurandir e José moram em Aracaju, capital do estado de Sergipe, localizado no nordeste do Brasil, região assolada pela pobreza. Todos os anos, dezenas de milhares de trabalhadores sazonais viajam desta região para as regiões produtoras de café no sudeste economicamente mais abastado do país. Há uma enorme demanda por esses trabalhadores, pois a colheita é realizada em grande parte à mão. O Brasil responde por 40% da produção global de café .

“O que dizemos vale aqui”

José Lima, de 36 anos, nos contou que trabalhou como trabalhador rural pela primeira vez em 2022: “Eu estava desempregado e tinha me separado da minha esposa, então fui para lá”. Com o dinheiro que ganhou nesses três meses que durou a colheita, ele conseguiu continuar construindo sua casa. O trabalho também o atraiu, então ele não hesitou quando um agente o contatou, oferecendo-lhe um emprego para a safra de café de 2023. Jurandir Dos Santos disse que essa mulher lhes prometeu emprego regular e um bom salário de pelo menos R$ 120 (reais) por dia. Isso equivalia na época (abril de 2023) a cerca de 22 euros, o que é significativamente mais alto do que o salário mínimo no Brasil, que na época era de apenas 12 euros por dia (240 euros por mês). Eles foram acompanhados por conhecidos a quem haviam mencionado essa oferta atraente.

Após uma viagem de ônibus de dois dias e meio, acompanhados pelo recrutador, eles chegaram no final da noite de 18 de abril de 2023 à fazenda Mata Verde, no estado do Espírito Santo, a cerca de 1.200 quilômetros de distância. Essa fazenda, que produz café Robusta em cerca de 50 hectares, é muito remota; além de uma pequena vila, há apenas plantações de café, florestas e morros.

Brasil: megaprodutor de café

No Brasil, cerca de quatro milhões de toneladas de grãos de café são colhidas anualmente. Isso o torna, de longe, o maior produtor mundial dessa commodity agrícola. Enquanto no interior serrano, especialmente em Minas Gerais, são cultivadas variedades de Arábica – consideradas de maior qualidade –, os cafeicultores do Espírito Santo, no litoral, especializaram-se no café Robusta, usado principalmente para café solúvel e misturas de torra mais baratas. Eles produzem cerca de um sexto do Robusta do mundo, conhecido como “Conilon” no Brasil.


No começo, tudo parecia bem. A acomodação dos trabalhadores era “boa”, segundo Jurandir. Eles foram até a vila e encontraram os moradores em um bar. “Passamos os dois primeiros dias bebendo e comemorando”, disse José.

Em muitas ocasiões, um sobrinho do dono da fazenda também estava lá. Certa noite, ele contou como um amigo seu certa vez colocou uma pistola na mesa do bar. Quando um policial se aproximou e pediu que guardasse a arma, ele se recusou.

José perguntou, espantado, quais seriam as consequências disso. “Nenhuma”, respondeu o homem da família do dono da fazenda.

“Tudo aqui nos pertence. Nesta aldeia, o que dizemos vale.”

Uma sensação de inquietação tomou conta de José. Pela primeira vez, ele se perguntou se algo não estava certo ali.

Sem camas, sem chuveiros, sem água potável

Então, no terceiro dia, o recrutador disse que eles precisavam se mudar. Teriam que carregar seus pertences para o novo local, incluindo colchões, a pé.

Depois de um longo primeiro dia de trabalho, partiram carregados e tiveram que fazer a caminhada de 50 minutos duas vezes até chegarem à nova acomodação, tarde da noite. “Eu já não gostava da fachada da casa”, disse José. Suas primeiras impressões se confirmaram quando olhou para dentro:

“O piso de madeira estava podre e havia manchas de água na parede.”

Eles tiveram que dormir em colchões finos diretamente no chão. Ele perguntou, incrédulo, à recrutadora se aquela era realmente a nova casa deles. “Só temporariamente”, ela os tranquilizou. A dona da fazenda estava preparando outra casa para eles ficarem. Ela também prometeu que eles receberiam camas. José a questionou constantemente sobre isso nos dias seguintes, mas “nenhuma cama chegou”. Eles também nunca mais colocaram os olhos na outra casa.

As condições de alojamento eram desumanas. Como Jurandir descreve:

“Congelávamos à noite, quando ventava muito. O tanque de água potável, cheio de lodo, estava infestado de besouros e outros insetos.”

Não havia portas que proporcionassem um pouco de privacidade, nem pias ou chuveiros, apenas duas mangueiras com água fria. Também não havia mesas nem cadeiras, o que significava que os trabalhadores eram obrigados a comer sentados no chão ou em seus colchões. Havia cortes de energia constantes e os banheiros frequentemente ficavam inutilizáveis. Havia lixo embaixo da casa, que exalava um forte odor e atraía ratos.

Todos esses detalhes foram registrados em um relatório de inspeção do Ministério do Trabalho do Brasil, que seria compilado posteriormente e disponibilizado ao Public Eye.

A conclusão simples de José foi: “Era impossível viver lá, completamente impossível.”

A comida também era “horrível”, disse Jurandir. Consistia principalmente de linguiça, arroz e feijão. Sua esposa ficou chocada quando ele voltou para casa, continuou o trabalhador: “Eu estava magro e completamente exausto. Tive que amarrar minhas calças, que me serviam antes, na cintura para que não caíssem.”

“Todo mundo ficou doente”, disse José, “inclusive eu: resfriados, erupções cutâneas, infecções fúngicas, dor de estômago — tínhamos dor de estômago o tempo todo. Um colega ficou gravemente doente por uma semana. Não nos deram nenhum medicamento — então nos unimos para comprar alguns para ele.”

Trabalhando duro por salários de fome

Os trabalhadores acordavam às 3h30 da manhã. Preparavam o almoço, após um “café da manhã” composto por uma xícara de café e um pedaço de massa feita de farinha de trigo e água, e pegavam um ônibus para a plantação às 4h30. Terminavam o trabalho entre 4h30 e 5h da tarde e, muitas vezes, tinham que caminhar de volta, o que levava mais de 45 minutos.

O trabalho consistia em retirar manualmente as cerejas de café dos galhos dos arbustos. Eles as coletavam em uma peneira semelhante a uma cesta, presa aos quadris por um cinto, enchiam sacos de 60 quilos com elas, que carregavam até a estrada, onde eram recolhidas por caminhão.

“É um trabalho duro, muito duro”, disse Jurandir.

Ele mencionou que durante o dia o sol os queimava, eles eram picados por insetos e essas ferroadas e mordidas lhes causavam dores de cabeça. Além disso, as plantações estavam localizadas em terrenos montanhosos, às vezes com declives acentuados e escorregadios.

Os trabalhadores eram pagos de acordo com a quantidade de grãos de café colhidos. Eles recebiam R$ 16 (2,90 euros) por cada saca de 60 quilos. Como “não recebiam nenhuma ferramenta para retirar os grãos de café dos galhos com mais facilidade”, conseguiam, em média, encher pouco mais de três sacas por dia, segundo o relatório dos fiscais do Ministério do Trabalho. Assim, em vez dos R$ 120 prometidos, eles não recebiam nem R$ 50 (9 euros) por dia de trabalho de cerca de 12 horas, segundo o relatório. Mensalmente, isso equivale a apenas 75% do salário mínimo.

O proprietário da fazenda, então, segundo suas informações, vende o café para a cooperativa atacadista de robusta Cooabriel por R$ 645 a saca de 60 quilos – 40 vezes o preço pago aos trabalhadores. Essa empresa não só é fornecedora direta da Nestlé, líder mundial no mercado de café suíço, como também participa de seu programa de sustentabilidade, o Nescafé Plan (no Brasil, “Cultivado com Respeito”), que, por sua vez, exige a certificação pela norma 4C.

Sustentabilidade de acordo com os padrões da Nestlé

A Nestlé usa o padrão 4C para designar o café da maior marca de café do mundo, Nescafé, como social e ambientalmente sustentável, como parte do “Plano Nescafé”. De acordo com alguns relatos da mídia, o grupo, que compra mais de 80% do café 4C em todo o mundo, “ investiu ” pesadamente em café 4C no Espírito Santo nos últimos anos e, em colaboração com a Cooabriel – a maior associação de fazendas de Robusta no Brasil, com mais de 7.600 produtores – incluiu uma cooperativa no Plano Nescafé pela primeira vez. Para a Nestlé, isso fez da Cooabriel uma “parceira importante” na aquisição de café sustentável. No total, a Nestlé compra quase um quarto de seu café (222 toneladas em 2022) no Brasil – 100% “ certificado e sustentável “, de acordo com sua própria comunicação.

Presos em dívidas

Mesmo o salário mínimo nacional, equivalente a 12 euros por dia, estaria longe de ser suficiente para garantir um padrão de vida decente. Segundo cálculos do Instituto de Pesquisa Anker, os trabalhadores da cafeicultura no sul do Brasil teriam que ganhar quase o dobro para sobreviver.

No caso da Mata Verde, porém, o proprietário da fazenda alegou vários “descontos inadmissíveis”, além de descumprir ilegalmente o salário mínimo, conforme destacado pelos auditores fiscais do trabalho em seu relatório.

“Tudo era deduzido dos nossos salários: botas, roupas de proteção, luvas de trabalho, a cesta da colheita, até mesmo a garrafa de água potável que trazíamos para os campos.”

As deduções eram tão ilegais quanto o fato de os trabalhadores terem que pagar o custo da viagem de ônibus (R$ 350) até a fazenda em parcelas. Eles também pagavam preços exorbitantes pela alimentação inadequada. Eles sempre eram mantidos no escuro sobre o valor das deduções devidas, como disse José:

“Nunca soubemos quanto devíamos. Só sabíamos que tínhamos dívidas a pagar.”

O dono da fazenda fazia compras constantemente, dizendo que lhe “deviam” tudo isso, mas quando os trabalhadores pediam valores e recibos, só recebiam respostas evasivas. O mesmo acontecia quando pediam um contrato de trabalho.

Após os descontos, Lima ficou com apenas 130 reais (22 francos suíços) dos 220 reais (39 francos suíços) que ganhou na primeira semana de trabalho, diz ele.

“Ninguém sai da fazenda”

José também nos contou que, no trabalho, eles eram supervisionados de perto e assediados repetidamente pelo gerente da fazenda e pelos seguranças, que estavam sempre por perto. Quando o gerente repreendeu um amigo de José nos primeiros dias e levantou o braço, José viu uma pistola em sua cintura. Então, percebeu que todos os seguranças estavam armados.

Aos poucos, ele percebeu que precisava sair dali. Começou a planejar sua fuga e, junto com outros trabalhadores, tentou persuadir um motorista de ônibus a buscá-los. Mas o dono da fazenda descobriu os planos. Então, enviou uma mensagem de WhatsApp para todos, dizendo, como Lima explica:

“Ninguém vai sair da fazenda até que suas dívidas sejam pagas. Se alguém tentar, vou fechar a entrada da vila.”

José sentia que estava sendo vigiado. Sempre que falava ao telefone ou trocava ideias com colegas, acompanhantes se aproximavam dele. Ele começou a ficar com medo:

“Eles poderiam fazer alguma coisa comigo a qualquer momento”, pensou. “A plantação era grande e muitas vezes você estava sozinho colhendo café.”

“Ameaças, fraude, engano, coerção”

Em seu relatório, os auditores fiscais do trabalho afirmaram que havia nada menos que 24 pontos relacionados à fazenda, que atendiam aos critérios de “condições de trabalho análogas à de escravo” segundo a legislação penal brasileira. Segundo o relatório, também foram constatadas “condições de trabalho degradantes”, como falta de água potável e alojamento inadequado, bem como servidão por dívida, ou seja, a restrição da liberdade de locomoção devido a dívidas, agravada neste caso por “ameaças, fraude, engano ou coação”.

A servidão por dívida é uma forma de trabalho forçado proibida pela Convenção 29 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Com o objetivo de responder de forma justa às suas próprias realidades, o Brasil vai além, classificando também “condições de trabalho degradantes” e “jornadas de trabalho exaustivas” como “análogas à escravidão” – um termo jurídico frequentemente parafraseado como “escravidão moderna”.

Maurício Krepsky, que até junho de 2023 estava à frente da Inspetoria Nacional de Combate ao Trabalho Escravo do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), disse à Public Eye que as ameaças explícitas de violência no caso Mata Verde foram extraordinárias. No entanto, condições análogas à escravidão são comuns na cafeicultura brasileira. Segundo a organização de direitos humanos Conectas, nenhum outro setor viu tantos trabalhadores resgatados dessas condições nos últimos 10 anos. Só em 2023, foram 316 casos, e especialistas na área presumem um alto número de casos não registrados .

Há inúmeras razões pelas quais a produção de café ocupa o topo desse ranking vergonhoso, como relata Jorge Ferreira. Como trabalhador rural, ele próprio foi vítima da escravidão moderna e agora é um dos principais ativistas da associação dos trabalhadores da Adere. Segundo Jorge, uma das razões é que o cultivo do café era “essencialmente baseado na escravidão”. Durante o período colonial, o Brasil emergiu como o mais importante país produtor de café.

“Até hoje, inúmeros produtores de café em nosso país não respeitam os direitos humanos e exploram trabalhadores socialmente vulneráveis”,

explica a ativista. A maioria dos proprietários rurais ainda é branca, enquanto a maioria dos trabalhadores – e vítimas da escravidão moderna – são homens de ascendência africana. A Oxfam Brasil estima que até dois terços deles trabalham informalmente durante a safra, o que promove ainda mais condições de trabalho abusivas.

Uma faca debaixo do colchão

Após descobrir que os guardas portavam armas e perceber que estava sendo vigiado de perto, José Lima percebeu que precisava sair dali. Como não queria que o fazendeiro ficasse impune, informou previamente as autoridades trabalhistas locais e a Polícia Federal sobre as condições na fazenda. Apesar do perigo a que se expunha, filmou e fotografou secretamente para documentar os abusos.

Poucos dias depois, a polícia lhe disse que interviria. Mas não soube dizer exatamente quando. Essa notícia só acalmou José por um curto período. Ele se sentia cada vez mais ameaçado: “Acabei de dormir com uma faca debaixo do colchão.”

No dia 1º de maio, 14 dias após sua chegada, ele decidiu fugir. No dia seguinte, após insistência, conseguiu que um homem da aldeia concordasse em levar um grupo de trabalhadores em sua van até a estrada principal mais próxima, por onde passava o ônibus para Aracaju. Para pagar a viagem, todos tiveram que pedir dinheiro emprestado a amigos ou parentes.

Pouco antes da meia-noite, José Lima, Jurandir dos Santos e outros 12 trabalhadores saíram sorrateiramente de suas acomodações. No horário combinado, esperaram a van na entrada da vila e partiram à 1h30 da manhã. “Estava muito apertado na van”, contou-nos José, “pois sentávamos uns em cima dos outros e tínhamos muita coisa conosco. Mas finalmente conseguimos sair do local.”

O que os fugitivos não sabiam era que, poucas horas após a partida, os fiscais chegaram à fazenda acompanhados da Polícia Federal. Maurício Krepsky, então chefe de departamento do Ministério do Trabalho, lembrou que os fiscais locais avaliaram a disposição de recorrer à violência na fazenda como tão alta que chamaram sua equipe de Brasília, a 1.400 km de distância, como reforço. Mas a intervenção transcorreu sem problemas. E assim, logo após a fuga de seus colegas, outros 10 trabalhadores que haviam permanecido na fazenda também estavam livres.

Um crime que compensa

Como de costume nesses casos, as autoridades instauraram um processo administrativo. Como parte do resultado, o proprietário da fazenda se comprometeu a melhorar as condições deploráveis, tomar medidas preventivas e pagar aos trabalhadores uma indenização equivalente a três dias de salário, além de indenização por danos morais. No total, receberam o equivalente a cerca de 900 euros por pessoa, além do custo da viagem de volta. Para sua grande decepção, José Lima e Jurandir dos Santos souberam que não tinham direito a essas indenizações, pois elas eram pagas apenas aos trabalhadores que estavam presentes no local no momento da vistoria.

Eles então contataram um advogado, que entrou com uma ação judicial em seu nome no tribunal trabalhista. Ambos os trabalhadores finalmente chegaram a um acordo e cada um recebeu R$ 7.000 (cerca de 1.275 euros) de indenização – quase 10 vezes menos do que o valor reivindicado.

“Isso foi o suficiente para pagar minhas dívidas”,

disse Jurandir. Ele havia contraído essas dívidas para poder escapar, mas também antes da viagem, para comprar comida e roupas, e para que sua esposa pudesse sobreviver durante sua ausência. Como o advogado deles considerou que as chances de vitória na justiça eram baixas, eles concordaram com o acordo.

Essa é uma situação familiar a muitas dessas vítimas, explica Lívia Miraglia, professora associada de direito do trabalho da Universidade de Minas Gerais e especialista em trabalho escravo e tráfico de pessoas, em entrevista à Public Eye. A indenização paga também ficou dentro da faixa usual. Embora a definição abrangente e as leis sobre escravidão moderna no Brasil sejam muito progressistas, sua interpretação não é: “O judiciário branco e masculino denigre sistematicamente a classe trabalhadora”, diz Lívia Miraglia. É comum que pessoas que perdem suas bagagens em um voo recebam indenizações maiores do que aquelas que se tornam vítimas de trabalho escravo.

Além disso, os perpetradores raramente são processados:

“Nenhum proprietário de fazenda tem medo de ter que ir para a prisão por escravidão moderna”,

afirma a advogada trabalhista. Ela é coautora de um estudo que mostra que, de mais de 2.679 empregadores denunciados por esse delito entre 2008 e 2019, apenas 112 foram condenados – geralmente recebendo penas curtas que não precisavam cumprir. Livia Miraglia conclui com sobriedade:

“A escravidão moderna é um crime que compensa.”

Talvez a punição mais grave para empregadores condenados por escravidão moderna seja ver seu nome constar em um registro de acesso público. Qualquer pessoa cujo nome esteja nessa lista não recebe empréstimos de bancos estatais, o que dificulta as relações comerciais. Mas a inscrição expira após apenas dois anos. O proprietário da fazenda Mata Verde também apareceu na lista na primavera de 2024. Quando questionado sobre isso, no entanto, ele negou veementemente que praticasse escravidão ou que seus funcionários estivessem armados.

Controles ineficazes

Operadores mais acima na cadeia de suprimentos têm ainda menos a temer do que os proprietários de fazendas: cooperativas, comerciantes de café e torrefadoras como a Nestlé. Eles não seriam afetados pelo judiciário, explica Livia Miraglia. Outro problema básico é a falta de transparência nas cadeias de suprimentos. Normalmente, não é possível rastrear de quais fazendas os comerciantes e, em última análise, as empresas que processam e vendem o café obtêm sua matéria-prima. Algumas empresas, como a Nestlé, publicam listas de fornecedores com os nomes de intermediários e cooperativas, mas não das fazendas de café. Como resultado, o envolvimento das empresas de café com a escravidão moderna só pode ser revelado em casos individuais e por meio de investigações abrangentes.

A Nestlé reafirmou sua “tolerância zero” a tais incidentes há nove anos, após a publicação de um caso de escravidão moderna em sua cadeia de suprimentos de café no Brasil. Desde então, a multinacional também aumentou para 100% sua proporção de café certificado, ou seja, supostamente em conformidade com a lei e – em suas palavras – de “origem responsável” no Brasil.

Ao mesmo tempo, nem a Nestlé & Co. nem certificadoras como a 4C atenderam ainda à demanda feita por representantes dos trabalhadores e ONGs de direitos humanos há muitos anos: tornar transparentes suas relações comerciais com as fazendas de café.

As empresas, assim como as certificadoras, geralmente só tomam conhecimento de violações de direitos humanos por meio de controles oficiais. De acordo com a ONG Conectas, no entanto, tais inspeções ocorreram até o momento em apenas uma em cada mil fazendas de café brasileiras. No caso Mata Verde, a Cooabriel, fornecedora da Nestlé, rompeu relações comerciais com o produtor falho em maio de 2023, após a intervenção da polícia. Quando questionada, a certificadora 4C afirmou que “assim que a não conformidade se tornou conhecida” – por meio de reportagens na mídia regional imediatamente após – a fazenda foi “imediatamente removida do Sistema 4C”. Até então, as auditorias realizadas pela 4C não revelaram nenhuma irregularidade.

Isso não é nenhuma surpresa para o representante dos trabalhadores, Jorge Ferreira. Ele acredita que as certificações de sustentabilidade geralmente não protegem contra a escravidão moderna – uma avaliação compartilhada pelo auditor fiscal do trabalho Maurício Krepsky. Ele aprendeu com sua experiência em campo que essas certificações muitas vezes desconsideram completamente a situação real nas plantações:

As auditorias costumam ser realizadas vários meses antes da temporada de colheita. E mesmo nas chamadas inspeções ‘sem aviso prévio’, as empresas são notificadas com um ou dois dias de antecedência.

Além disso, de acordo com o inspetor, problemas importantes como o trabalho não declarado generalizado geralmente são simplesmente ignorados pelos certificadores.

Não é um caso isolado na cadeia de suprimentos da Nestlé

Nossas investigações mostram – mesmo com a falta de transparência nas cadeias de suprimentos – que a Mata Verde não é a única fazenda na cadeia de suprimentos da Nestlé onde abusos graves vieram à tona nos últimos três anos. Em 2022, por exemplo, auditores fiscais do trabalho identificaram graves violações da legislação trabalhista brasileira nas fazendas Três Irmãs e Primavera, no estado da Bahia, ao norte do Espírito Santo, que também eram fornecedoras da Cooabriel, parceira do Plano Nescafé, bem como um incidente de escravidão moderna em Três Irmãs.

Em um terceiro caso, em 4 de julho de 2023, três trabalhadores da fazenda Vista Alegre, em Patrocínio, Minas Gerais, tiveram que ser libertados de condições análogas à escravidão. Os recibos de fatura mostraram que a fazenda havia vendido sua colheita para a NKG Stockler, uma subsidiária da maior comercializadora do mundo, a Neumann Kaffee Gruppe, sediada em Hamburgo e com importantes atividades em Zug, Suíça. A fazenda recebeu pela entrega um bônus pela colheita, que foi certificada pelo selo de sustentabilidade AAA da Nespresso. A NKG Stockler aparentemente nem sabia da inspeção oficial, como pode ser visto na reação da empresa às nossas perguntas. A comercializadora afirma que “pausou” seu relacionamento comercial com a fazenda em questão, que atualmente contesta judicialmente a acusação oficial de escravidão, com base apenas em nossas evidências – e 18 longos meses após o incidente. Quando questionada, a Nestlé confirmou que o fornecedor da Nespresso havia sido “suspenso” do programa AAA “assim que tomamos conhecimento dos problemas” (veja a reação da Nestlé abaixo).

Lucro antes dos direitos humanos

Jorge Ferreira afirma que isso não chega nem perto de levar empresas como a Nestlé a simplesmente romperem seus relacionamentos comerciais com fazendas específicas em resposta à escravidão moderna. Ele acredita que elas têm a responsabilidade direta de prevenir essa prática de forma eficaz. Sua organização, a Adere, tem, portanto, apelado repetidamente à Nestlé e discutido o assunto com os representantes do grupo. A conclusão sensata de Jorge:

A Nestlé finge estar interessada nos direitos dos trabalhadores. Mas seu interesse cessa assim que se trata de implementar melhorias específicas – e pagar por elas.

Em vez disso, a empresa transfere a responsabilidade pelo cumprimento dos direitos trabalhistas e humanos – e todos os custos incorridos para isso – para os produtores de café. (Para saber mais sobre a questão dos preços geralmente excessivamente baixos que a Nestlé paga pelo café, consulte o relatório da Public Eye “ High hopes, low prices ” do México, publicado em março de 2024.)

O caso envolvendo José Lima e Jurandir dos Santos destaca que a falta de prevenção pode ter consequências dramáticas para pessoas como eles. Ambos ainda sentem o impacto até hoje. José voltou para a colheita de café no ano seguinte, em outra fazenda no Espírito Santo. Mas o fez com medo: “Achei que o dono da fazenda Mata Verde poderia me encontrar e mandar alguém me matar a qualquer momento.”

Para Jurandir dos Santos, a primeira vez também foi a última. Ele ficou traumatizado e deixou uma mensagem clara:

Gostaria de dizer apenas uma coisa às pessoas nas grandes corporações multinacionais: observem atentamente o que estão fazendo. Comprar café é fácil. A parte difícil do trabalho é colhê-lo. Somos nós, os trabalhadores, que garantimos que vocês recebam seu café em primeiro lugar. E vocês não dão valor a isso.

Reação da Nestlé

Quando questionada, a Nestlé explica que atualmente compra café de “unidades agrícolas certificadas 4C” de 500 fazendas dentro da cooperativa Cooabriel, o que representa um subconjunto do total de fazendas associadas a esta cooperativa. A empresa afirma que atualmente não compra café das fazendas Mata Verde, Três Irmãs e Primavera mencionadas aqui e que elas não fazem parte do Plano Nescafé. No entanto, a Nestlé não comenta sobre relações comerciais anteriores, incluindo com a fazenda Mata Verde, que forneceu café com certificação 4C para a Cooabriel até sua exclusão do sistema 4C em junho de 2023.

A Nestlé continua: “Também mantemos comunicação direta com a Cooabriel para enfatizar a importância de condições de trabalho seguras e justas em todas as fazendas onde compramos nosso café”. Em relação à fazenda Vista Alegre, a Nestlé afirma: “Assim que tomamos conhecimento dos problemas que você mencionou, tomamos medidas decisivas e suspendemos esta fazenda do nosso Programa de Qualidade Sustentável AAA, aguardando comprovação de que a fazenda cumpre nossos rigorosos padrões”. A fornecedora da Nestlé, NKG Stockler, confirmou que só tomou conhecimento do incidente em março de 2025, por meio da Repórter Brasil e da Public Eye.

Diversas outras questões, como se e como a Nestlé pretende garantir salários dignos aos trabalhadores da colheita, permaneceram sem resposta.

A declaração completa está disponível aqui .

Entrevista em vídeo com José Lima e Jurandir dos Santos

Os dois trabalhadores falam em detalhes sobre as condições na fazenda e sua fuga. Explicam quem acreditam ser o responsável e têm uma mensagem clara para as multinacionais e os consumidores de café.

 


Fonte:  Public Eye

Inteligência artificial prevê risco de incêndio florestal em 35 zonas do Espírito Santo

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Nos últimos anos, os incêndios florestais têm sido pauta recorrente devido às graves consequências ecológicas, econômicas e sociais. Pesquisadores da Universidade Federal do Piauí (UFPI), Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e Instituto Federal do Espírito Santo (IFES) mostram que a tecnologia pode ser uma importante aliada do meio ambiente ao prever risco de incêndio. Por meio do uso de inteligência artificial, eles conseguiram determinar 35 zonas de gestão do fogo no Espírito Santo, com seus correspondentes níveis de risco de incêndios e influência de variáveis. Os resultados estão publicados na revista “Anais da Academia Brasileira de Ciências” na sexta-feira (28).

Os pesquisadores utilizaram dados de incêndios florestais para gerar um mapa de densidade do fogo e representar os locais de maior e menor ocorrência de incêndio. O objetivo do estudo foi integrar conhecimento de modelagem espacial e inteligência artificial para avaliar a previsão dos incêndios florestais em escala regional. A tecnologia foi parte essencial do estudo, na utilização do algoritmo Classification and Regression Trees (CART), para compreender a importância de doze variáveis socioeconômicas, de vegetação, clima e de relevo na previsão dos incêndios florestais. Os doze preditores definidos são densidade demográfica, precipitação média anual, uso e cobertura da terra, renda, altitude, índice topográfico composto, déficit hídrico médio anual, temperatura média anual, proximidade de estradas, declive, campo contínuo de vegetação e radiação solar.

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“A metodologia CART tem como principal atrativo a interpretação proporcionada pela estrutura de árvore de decisão obtida no modelo final que, também pode ser lido, como um conjunto de sentenças lógicas a respeito das variáveis explicativas.”, explica o engenheiro florestal Ronie Juvanhol, um dos autores do estudo. De acordo com o pesquisador, a aplicação do algoritmo gerado é a possibilidade de autoalimentação dos dados, a fim de automaticamente desenvolver a predição do incêndio. “Além disso, há a possibilidade de criar cenários com base em mudanças simuladas nos dados, com o objetivo de observar novas disposições espaciais das zonas de manejo do fogo e seus valores de risco de ocorrências de incêndio e considerar essas informações durante a tomada de decisão”, acrescenta Juvanhol.

“Saber onde os incêndios florestais estão ocorrendo e sua interação com os fatores do clima, vegetação, relevo e socioeconômico é particularmente relevante para estabelecer quais ações devem ser prioritárias nos locais de maior risco de incêndios.”, reforça Ronie Juvanhol. Segundo o autor, é de suma importância que os gestores públicos tenham esse conhecimento, permitindo o planejamento estratégico dos programas de prevenção e combate. Exemplo disso, apontado no estudo, é a relação entre as áreas de maior risco de incêndio e regiões de vulnerabilidade social.


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Este texto foi originalmente publicado pela Agência Bori [Aqui!].

Bela Vista Cultural aborda o protagonismo da sociedade civil em prol do Meio Ambiente em livro sobre as RPPNs do Espírito Santo

Com imagens inéditas do fotógrafo Silvestre Silva, a obra traz informações sobre 35 RPPNs e aspectos histórico-culturais do estado 

A Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) é uma unidade de conservação privada onde o proprietário, voluntariamente, decide proteger uma determinada área em caráter perpétuo. Tal iniciativa contribui em muito para o meio ambiente e permite a realização de ações derivadas, relacionadas à educação ambiental, à pesquisa e ao turismo sustentável, apresentando ao cidadão a importância da conservação da biodiversidade.

Hoje, o Brasil possui mais de 1.600 Reservas Particulares, que representam cerca de 800 mil hectares de áreas protegidas, em todos os biomas do País. No Espírito Santo, onde Mata Atlântica já ocupou praticamente todo o estado, são 57 RPPNs reconhecidas, que abrigam remanescentes florestais resistentes ao povoamento, às plantações, às pastagens para a pecuária e ao desmatamento.

Além da natureza, outro diferencial destas reservas fica por conta das histórias das pessoas físicas e jurídicas que mantêm estas propriedades e estão presentes no livro “Cultura e Natureza – RPPNs do Espírito Santo”, lançamento da editora Bela Vista Cultural, em parceria com a ACPN (Associação Capixaba do Patrimônio Natural).

O livro é o resultado prático de uma expedição realizada em 2021 pela equipe da editora e da ACPN, com a participação do fotógrafo Silvestre Silva, com vasta experiência na área de botânica, que visitou 19 municípios capixabas, registrando imagens inéditas e colhendo informações sobre as RPPNs incluídas na obra. Além de trazer informações, fatos curiosos, histórias de vida e dados sobre a fauna e a flora presentes nestas reservas, o livro também aborda o contexto em que foram criadas e as características humanas, históricas e culturais dos municípios e diferentes regiões capixabas onde estão presentes.

“O trabalho de campo foi muito gratificante. Primeiro pela beleza das paisagens, com suas montanhas, matas, praias e rios. Segundo pelo lado humano – os donos das RPPNs nos atenderam com uma hospitalidade difícil de esquecer. O nosso desafio foi o de retribuir esse carinho e mostrar toda essa riqueza ao leitor”, afirma Sérgio Simões, coordenador editorial da Bela Vista Cultural e membro da equipe de campo.

Apesar de ser o 4º menor estado brasileiro, o Espírito Santo abriga uma variedade de populações, culturas, crenças e costumes traduzidos em danças típicas e festas que fazem parte do seu calendário anual. O livro também faz um passeio por toda essa diversidade cultural, além de destacar o papel do ecoturismo em Reservas Particulares, que pode ser praticado em municípios como Vargem Alta, Santa Tereza, Santa Leopoldina, Piúma, Muniz Freire e Marechal Floriano, entre outros.

A obra faz parte de uma ação mais ampla, realizada por meio da Lei de Incentivo à Cultura, com patrocínio do Grupo Águia Branca e da empresa Decolores, que visa promover a doação de exemplares do livro para escolas públicas e entidades parceiras para disseminar a mensagem preservacionista da proposta. A segunda etapa do projeto ocorrerá no início de junho, quando a equipe voltará a percorrer diferentes municípios capixabas e desta vez visitar mais de 80 escolas e entidades que participarão das ações de divulgação da iniciativa cultural.

Esta é a segunda edição de uma série nacional de projetos culturais sobre este tipo de Reservas Particulares, dando continuidade a uma ação similar que ocorreu em 2018, no estado de São Paulo, que promoveu a doação de livros e apresentações em escolas que abrigavam cerca de 140 mil estudantes.

Sobre a Bela Vista Cultural

A Bela Vista Cultural é uma editora e produtora especializada no desenvolvimento de ações de impacto social voltadas à divulgação de temas urgentes e contemporâneos, em áreas como Cultura, Educação, Meio Ambiente, Artes Plásticas e Patrimônio. As propostas da empresa estão sempre voltadas à difusão dos assuntos trabalhados junto a entidades de ensino e de cultura, estimulando o diálogo e a continuidade das iniciativas abordadas nos produtos realizados.

Sobre a ACPN – Associação Capixaba do Patrimônio Natural

A entidade busca congregar proprietários de RPPN e outras reservas promovendo o intercâmbio de informações entre os RPPNistas, Poder Público, ONGs e sociedade em geral. Estimula a criação de novas Reservas Privadas e divulga todas as suas atividades, contribui com o poder publico na implementação de políticas voltadas à conservação privada e representa os interesses dos RPPNistas na aplicação dos princípios definidos no Programa Estadual Apoio e Incentivo RPPNs

“O Itabapoanense” emite relatório sobre a COVID-19 nos municípios da Bacia do Rio Itabapoana

itabapoana covid 19

Com o objetivo de facilitar o acesso às informações sobre a disseminação do coronavírus nos 18 municípios que fazem parte da Bacia do Itabapoana, publicamos hoje o segundo boletim semanal, com dados referentes ao dia 19 de abril (o boletim será publicado semanalmente, toda segunda-feira). 

Nesta semana, o número de casos confirmados quase triplicou em relação à semana passada, totalizando 62 casos, sendo Campos dos Goytacazes o município com o maior número de contaminados, 40 no total. Entre os municípios que confirmaram casos pela primeira vez na última semana, estão: Espera Feliz/MG, Bom Jesus do Norte/ES e Presidente Kennedy/ES. O número de mortes em decorrência da doença passou de 2 para 4, sendo as duas novas mortes confirmadas nos municípios de Presidente Kennedy/ES e São Francisco do Itabapoana/RJ.

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É preciso ressaltar que alguns municípios ainda não adotaram a prática de emitir boletins diários sobre a situação da doença, o que dificulta a atualização da tabela acima. Além disso, como vem sendo amplamente divulgado pela mídia, o número de teste realizados no Brasil ainda está muito abaixo do necessário, dessa forma, os números aqui apresentados podem estar subnotificados.

Os dados apresentados aqui foram compilados a partir das informações divulgadas pelas secretarias estaduais de saúde do Rio de JaneiroEspírito Santo e Minas Gerais, dos boletins diários emitidos pelas próprias prefeituras municipais e de notícias veiculadas por jornais da região.

O próximo boletim será publicado dia 27 de abril. Enquanto isso, durante esta semana, vamos publicar aqui no O Itabapoanense as principais medidas adotadas pelos municípios para conter a expansão da COVID-19.

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Este relatório sobre a evolução da COVID-19 na Bacia do Rio Itabapoana foi publicado inicialmente pelo Blog “O Itabapoanense” [Aqui!].

Cidades capixabas são devastadas novamente por chuvas intensas. O que fará o governador Casagrande?

chuvas intensasDiversas cidades capixabas estão novamente debaixo da água trazida por chuvas extremamente intensas que caíram nas últimas 48 horas, repetindo um cenário de destruição que já havia ocorrido em janeiro de 2020 (ver vídeo produzido ontem na cidade de Alfredo Chaves).

Como moro em um município limítrofe com o estado Espírito Santo e também orientei diversos trabalhos acadêmicos realizados por estudantes capixabas no âmbito de dois programas de pós-graduação da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), não posso dizer que estou surpreso com o ritmo da devastação que seguidos eventos climáticos extremos estão ali causando.

O fato é que o Espírito Santo reúne vários elementos que contribuem para que haja uma potencialização da destruição. Desde a configuração do seu relevo, passando pelo intenso desmatamento da Mata Atlantica, até a configuração segregada da maioria das suas cidades, a verdade é que o Espírito Santo é uma espécie de vítima preferencial dos novos padrões meteorológicos que acompanham as mudanças climáticas. É como se o estado governado pelo castelense (i.e.; nascido no município de Castelo) Renato Casagrande tivesse sido alçado a ser um exemplo primário do que as mudanças climáticas podem trazer em termos de devastação humana e ambiental.

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Trânsito caótico na cidade de Cachoeiro do Itapemirim em função das chuvas ocorridas nas últimas 48 horas.

Falando em Renato Casagrande, é interessante notar que sua cidade natal tem sido palco de eventos impressionantes de inundação a partir da elevação das águas do rio Castelo. Mas aparentemente nem a repetida destruição do lugar onde nasceu está fazendo com que o governador capixaba tome as medidas urgentes que a ocorrência repetida de eventos climáticos extremos requer. 

Como sei disso? Para mim bastou olhar o sítio oficial da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Seama) do Espírito Santo para notar a inexistência de projetos ou programas direcionados a planejar e organizar medidas de curto, médio e longo prazo no sentido de promover a adequação da ação do estado em face das mudanças climáticas e das agudas transformações que as mesmas trarão sobre o território capixaba. É como se as chuvas devastadoras não tivessem um padrão que foi previsto pela comunidade científica, e que os habitantes das cidades devastadas tivessem apenas que esperar que o pior não se repita tantas vezes em tão curto espaço de tempo.

O trágico é que o despreparo do Espírito Santo não é exceção, mas sim a regra entre a maioria dos governadores brasileiros. Não há ainda qualquer resposta organizada para aprender o que a ciência já descobrir e transformar as informações científicas em políticas de governo para enfrentar as mudanças climáticas. O pior é que sequer as medidas paliativas estão sendo tomadas, e não é raro que prefeitos como Marcelo Crivella (Rio de Janeiro) ou governadores como João Dória  (São Paulo) retirem verbas destinadas a combater enchentes e deslizamentos para usá-las em propagandas dos (mal)feitos de suas administrações.

Mas ser regra e não exceção não livrará Renato Casagrande de suas responsabilidades em termos de enfrentamento dos múltiplos gatilhos que estão para ser detonados pelos repetidos eventos climáticos que estão infringindo muita dor e devastação no Espírito Santo. A verdade é que, para o bem ou para mal, o território capixaba está se tornando um laboratório a céu aberto para testar a resiliência governamental em face das mudanças climáticas. A palavra está agora com Renato Casagrande.

Mineradora Vale causa novo incidente ambiental no litoral capixaba

Um dos muitos efeitos da impunidade é o incentivo a que outros sigam o mesmo caminho e repitam aquilo que foi deixado impune. Esse parece ser exatamente o caso de mais um incidente ambiental que atingiu o litoral do Espírito Santo quando uma quantidade ainda desconhecida de rejeitos de mineração da Vale foi lançada no mar no município de Serra.

Segundo declarou a diretora-presidente do Instituto de Meio Ambiente do ES (IEMA), Andreia Carvalho,  a composição dos efluentes é similar a de Mariana (MG), como minério de ferro, calcário, bentonita, entre outros, lançados ao mar sem tratamento e a situação pode ser agravada por conta da chuva [1].  Ainda segundo a diretora-presidente do IEAM, os técnicos do órgão estariam considerando a possibilidade de uma falha na dimensão da estrutura. Em outras palavras, a Vale colocou rejeito demais numa estrutura que não suportou a quantidade colocada e vazou em direção ao mar!

Ainda de acordo com Andreia Carvalho, não havia a dimensão da quantidade de rejeitos que já atingiu o mar.  Além disso, a diretora-presidente do IEMA ainda afirmou que “nós vamos finalizar o relatório e autuar a empresa, que terá que providenciar os laudos de impacto imediatamente. Após esse processo, tomaremos todas as medidas cabíveis”.

O problema é que se a Mineradora Samarco continua praticamente impune ao desastroso incidente causado em Mariana (MG), o recorde da Vale no próprio Espírito Santo não é muito diferente. É que este incidente vem a se somar a uma série de outros, inclusive um relacionado a esta mesma estrutura que falhou no caso sendo aqui descrito.

Com isto, os perdedores serão os de sempre, a começar pelos pescadores e comerciantes locais que vivem e dependem dos ecossistemas costeiras que agora certamente sofrerão graves impactos com a presença desses rejeitos tóxicos da Vale. 


[1] http://novo.folhavitoria.com.br/geral/noticia/2017/12/vazamento-de-grandes-proporcoes-de-minerio-de-ferro-atinge-o-mar-na-serra.html

 

Greve de policiais: de quê realmente tem medo a classe média?

A greve dos policiais militares do Espírito Santo e a mobilização em curso no Rio de Janeiro para deflagar um movimento similar parecem ter despertado um alarme entre os brasileiros, principalmente os que pertencem à chamada classe média.

Esse é um fenômeno do medo generalizado pela ausência da polícia militar das ruas ainda merecerá muitas análises mais capacitadas do que a que vou expor aqui, mas mesmo assim vou compartilhar algumas impressões sobre essa onda de medo que fechou escolas e isolou famílias inteiras dentro de suas residências.

O primeiro aspecto é que a possibilidade de que o Brasil pudesse entrar em um forte ciclo de convulsões sociais já estava mais do que prevista. Afinal, com um número inédito de desempregados e sem qualquer tipo de perspectiva de que o país saia num período próximo da profunda recessão em que foi colocado já apontava para essa possibilidade. Somando-se a isso as medidas draconianas que estão sendo impostas sobre o serviço público em geral e sobre as políticas sociais também aumentaram consideravelmente as chances de conflitos graves.

Entretanto, tudo parecia andar como dantes no Quartel de Abrantes. Os célebres paneleiros com a camisa da CBF haviam sumido, e o governo de “facto” de Michel Temer seguia cortando na carne dos brasileiros sem que houvesse uma reação razoável nas ruas. Parecia que as demandas da volta da “estabilidade social” tinham sido plenamente cumpridas.

Mas bastou a greve dos políciais capixabas para que essa paz se estraçalhasse em incontáveis fragmentos e que a violência latente explodisse com toda potência no Espírito Santo. Isso, por sua vez, espalhou a onda de medo que está espalhada na cara das pessoas, especialmente as que moram nas regiões mais ricas das cidades brasileiras. É que para os pobres, as coisas já estão ruim faz algum tempo e a violência extrema é um dado corriqueiro, seja pela mão das forças policiais ou das diferentes bandas criminais que operam nos interstícios deixados vagos pela ampliação das políticas neoliberais,

Agora, a questão toda me parece ser da raiz desse medo e de quem realmente se têm medo. A explicação mais rápida é que o medo seria da ação de criminosos que ocupem o vácuo deixado pela ausência de policiamento nas ruas. Mas será isso mesmo? Em minha opinião o medo que está exposto é de uma natureza mais sistêmica e espelha um reconhecimento explicito da natureza profundamente desigual da sociedade brasileira.

Em outras palavras, as classes médias tem medo mesmo é de que os mais pobres e marginalizados se aproveitem do vácuo de repressão para pegar aquilo que lhes está sendo negado há mais de 500 anos, nem que para isso tenham que cometer atos de violência extrema. É essa a raíz do medo agudo que repentinamente se viu espalhado nas redes sociais e nas telas de TV.

O pior é que passado os movimentos de protesto dos policiais os mesmos que hoje morrem de medo deverão voltar às suas rotinas alienadas, esquecendo-se do medo de hoje.  E isso deverá perdurar até que uma nova onda mais forte de convulsão se manifeste. Daí poderá ser o tempo de correr para as colinas, tal como aconselhou  uma capitã da PMERJ que está presa por supostamente insuflar seus colegas a entrarem em greve.

O neoliberalismo mostra a sua cara no Espírito Santo

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A mídia corporativa está dando uma boa quantidade de minutos aos caos instalado na região metropolitana de Vitória após a declaração de uma espécie de “greve branca” pelos policiais militares capixabas. Entretanto, pouco tem se falado sobre as causas essenciais dos problemas sociais, econômicos e ambientais que assolam o Espírito Santo que foi transformado num dos principais laboratórios das políticas neoliberais no Brasil.

Como tenho frequentado bastante o Espírito Santo nos últimos anos por força da proximidade que Campos dos Goytacazes tem com as praias e áreas montanhosas do Espírito Santo, eu não me sinto surpreso com o que está acontecendo. Aliás, a surpresa é que tenha demorado tanto a explodir. 

É que no Espírito Santo têm sido concentradas algumas das piores receitas do chamado Neoliberalismo, incluindo a regressão da legislação ambiental, a precarização dos serviços públicos, e a ampliação do controle privado do aparelho de Estado.  Não è a toa que o atual governador, Paulo Hartung (PMDB), tem como vice-governador um membro do PSDB, César Colnago. Em outras palavras, a dobradinha que foi criada após a assunção do presidente “de facto” Michel Temer no governo federal, já andava bem obrigado no Espírito Santo. 

Mas toda a atual comoção sobre o Espírito Santo não pode esconder que as políticas neoliberais ali implantadas nas últimas décadas têm criado fortes bolsões de violência, dando aos moradores de Vitória a “honraria” de pagar bastante caro (alguns dizem que o preço mais alto do Brasil) para segurar seus carros. 

Além disso, como não esquecer do processo de desertificação verde que foi imposto a partir da expansão da monocultura de eucalipto para servir aos interesses da Aracruz Celulose (hoje Fibria), e que avançou sobre terras indígenas e territórios quilombolas sem o menor constrangimento? E não pode se deixar de mencionar ainda o “pó preto” que a Siderúrgica de Tubarão joga todos os dias sobre a população de Vitória. Tudo em nome da minimização das salvaguardas ambientais em nome do aumento das taxas de lucro da multinacional Arcellor Mittal.

E como não esquecer do inesquecível senador Magno Malta (PR) cuja base política são os setores evangélicos/protestantes que lhe tem assegurado votações sólidas, a despeito de sua constante migração por uma verdadeira constelação de siglas partidárias. Parte da despolitização e da fragilização das organizações populares resultam diretamente da agenda ultraconservadora que Magno Malta difunde no seu eleitorado, o qual ironicamente vive majoritariamente nas regiões mais pobres das cidades capixabas.

Assim, que ninguém se deixe enganar pela cobertura parcial da mídia corporativa que basicamente ignora as raízes neoliberais do caos instalado no território capixaba. O fato que o que está acontecendo no Espírito Santo é uma espécie de antessala do que poderá acontecer no resto do Brasil, caso as reformas ultraneoliberais do governo Temer saiam vitoriosas no congresso nacional.  A ver!

Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental/ES promove evento para discutir alternativas para a crise hídrica

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A Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental – ABES-ES estará realizando o XI SESMA – Seminário Estadual sobre Saneamento e Meio Ambiente e o I Workshop Internacional de Biorremediação de Áreas Contaminadas, idealizado pelo Departamento de Engenharia Ambiental do Centro Tecnológico – DEA-CT, da UFES.

O evento será realizado nos dias 20 e 21 de agosto, das 8h às 18h, no auditório do CCJE, na UFES, em Vitória – ES, com o tema: “Água – Desafios Atuais e Futuros, Nanotecnologia e Membranas Filtrantes”.

Mais informações:
www.abes-es.org.br/evento
eventos@abes-es.org.br
(27) 9.9699-4224

As múltiplas facetas do colapso hídrico no norte capixaba

A edição da Tribuna do Cricaré deste sábado traz novas matérias sobre os efeitos do colapso hídrico que ronda os municípios litorâneos do extremo norte do Espírito Santo.

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A primeira coisa que transparece da capa do Tribuna do Cricaré é que o problema está disseminado e não atinge apenas as áreas urbanas.  Já a segunda coisa que aparece é que o povo de São Mateus vive uma condição que beira o surreal, pois os cidadãos transformados em consumidores estão sendo obrigados a pagar por água imprópria para o consumo e com tarifa “cheia”.

crise 2

E como demonstra a matéria que noticia a decisão judicial de impor ao Serviço de Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) de São Mateus que se resigne a cobrar a tarifa mínima por servir água imprópria, vivemos um tempo de absurdos.  Nesse caso, é absurdo que se sirva água imprópria, e mais absurdo ainda que se cobre por isso.

Algo que não aparece na matéria, mas que já foi noticiado pelo Tribuna do Cricaré, é o plano da Prefeitura Municipal de São Mateus de privarizar o SAAE para supostamente resolver os problemas de investimentos em estruturas alternativas de captação. A concretização desta privatizçaão quase certamente implicará no aumento de tarifas antes da adoção de quaisquer medidas que garantam a entrega de água própria para o consumo. em outras palavras. Essa será a pílula salgada que a população de São Mateus terá de engolir se quiser voltar a beber água da torneira.

O mais preocupante dessa situação é que o norte do Espírito Santo certamente não é o único ponto do litoral brasileiro onde  as cidades estão vivenciando este tipo de problema. E apesar disso não se nota qualquer alarde ou, tampouco, a procura de respostas integradas não apenas na escala local, mas principalmente na regional já que muncípios no extremo sul da Bahia vivem problemas semelhantes (Aqui!)