A merda é o ouro dos espertos

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Menino do morro da Mangueira assiste os fogos da cerimônia de encerramento dos Jogos. CARL DE SOUZA AFP

Por Eliane Brum

A inversão é fascinante. A Olimpíada foi idealizada, em 2009, para colocar no pódio o Brasil grande. A apoteose do eterno país do futuro que finalmente chegava a um presente grandioso. Em 2016, o “sucesso” da festa busca recolocar o Brasil não apenas como o país que – ainda – tem futuro, mas como o país da “superação”.

Não se trata mais, como era em 2009, de lançar a Olimpíada como a imagem que expressa “a verdade final” sobre o país. Em 2016, a Olimpíada é disputada, pelos vários atores, como a imagem capaz de tapar os buracos de um país. E devolver uma unidade, qualquer uma, ou um consenso, qualquer um, a um Brasil partido não em dois, mas em vários pedaços.

Em 2009, a questão era: veja como somos capazes de construir um país. Em 2016, a questão tornou-se: veja como somos capazes de fazer uma festa.

Não dá para tratar essa mudança de paradigma, como tantos têm tratado, como se fosse a mesma coisa. O foco, aqui, são as interpretações simbólicas dessa Olimpíada num momento tão agudo do Brasil. E o papel que exercem sobre a construção da realidade.

Quando dizem orgulhosos que a Baía da Guanabara estava maravilhosa e que o Rio continua lindo, trata-se da festa. A pergunta que trata de um país é: mas a Baía da Guanabara foi despoluída? E a resposta é não. A resposta é: a Baía da Guanabara continua cheia de merda.

Quando dizem eufóricos que nenhum atleta pegou Zika vírus, a pergunta é: mas e a população do Rio? Está salva do Zika e, mais do que do Zika, da dengue? E as mulheres que tiveram e ainda terão crianças com sérios danos cerebrais, têm e terão acesso à proteção e à saúde? Estas são as perguntas que tratam do país – e não da festa.

Quando dizem esfuziantes que o Rio nunca foi tão seguro como nos 17 dias deOlimpíada e que os mais de 80.000 policiais e soldados deveriam continuar nas ruas para defender os cidadãos “de bem”, a pergunta é: e nas comunidades? Morreu gente nas favelas, e não apenas o soldado da Força Nacional Hélio Andrade. Em geral, ele é considerado a única baixa no período dos jogos, já que os demais mortos são aqueles que o país se acostumou a considerar “matáveis”. Pelo menos 31 pessoas morreram e outras 51 ficaram feridas em 95 tiroteios no Rio Olímpico, segundo a Anistia Internacional.Não interessa para a festa? Deveria interessar para o país.

Qual foi o custo financeiro dessa festa (gastos ainda à espera de transparência), para um estado que decretou situação de “calamidade pública” menos de dois meses antes do megaevento, para uma cidade falida e para um país em crise? Quem mede o sucesso ou quem diz o que é sucesso? Ou sucesso para quem? Certamente não para os milhares de “removidos” para a realização das obras.E, importante, sucesso aos olhos de quem? Quando alguém exalta que a Baía da Guanabara estava límpida, o que se entende é que a pessoa comemora o feito de conseguir esconder por duas semanas a merda dos olhos dos “gringos”, a quem interessa mostrar que seguimos bonitos por natureza. E alegres, muito alegres.

A frase no Facebook é cristalina: “Somos um país de pés-rapados, mas arrasamos numa festa”. Diante do país sem rosto, cola-se a cara gasta de sempre, a de que somos muito bons em festa. E na festa somos cordiais, alegres e hospitaleiros. Assim, tenta-se tapar buracos que já não podem ser tapados. Conflitos que já não podem ser encobertos pela “festa da miscigenação”. Mitos em decomposição.

Este é um país em que as cenas de pessoas se espancando por usarem camisetas de cores diferentes se tornaram corriqueiras. Era de se prever que qualquer unidade, onde não há nenhuma, qualquer consenso, onde não há nenhum, seria agarrado por quem disputa a narrativa. É bastante fascinante que a unidade forjada, que o brasileiro único, “O” brasileiro, seja, de novo e mais uma vez, essa pessoa muito boa em festa. É bastante fascinante que os brasileiros, que – ainda bem – já não podem dizer quem são ou o que são, possam ter o conforto de uma identidade fugaz. Ainda que essa identidade seja a de “arrasar na festa”.

O mais fascinante, porém, é que essa narrativa tem se imposto com muito pouca crítica. A Olimpíada se deu com o processo de impeachment em curso. Acabaram os jogos e começou o julgamento da presidente Dilma Rousseff no Senado. Em vez de interpretar os sentidos, disputa-se a autoria do “sucesso”. E, assim, em nome da agenda de ocasião, ou da eleição de 2018, ocultam-se – ou mesmo apagam-se – as contradições. Apresentada – e consensuada pelos vários atores políticos – como um legado de “sucesso”, a quem pertence a Olimpíada é tudo o que passa a interessar. Em vez de disputar o país, disputa-se a festa. É nesse nível o rebaixamento do debate.

É também assim que se invoca, de novo e mais uma vez, o Complexo de Vira-Lata, conceito do cronista Nelson Rodrigues, grande intérprete do futebol e do Brasil do século 20. Obviamente o vira-lata é sempre o outro. A suspeita de que a Olimpíada não iria funcionar – ou “dar certo” – seria fruto da falta de autoestima dos brasileiros, que se sentiriam inferiorizados diante dos gringos. Cogita-se também a possibilidade de que o verdadeiro vira-lata seja aquele que tem como única medida o olhar dos gringos e que necessita da sua aprovação para saber se tem valor. O curioso é que, na tese da viralatização, usa-se a festa como categoria totalizante. Se em alguns casos isso pode ser só um problema cognitivo, em outros soa como má fé.

É aí que entra um conceito essencial para compreender o momento: “superação”. AOlimpíada de 2009 foi sonhada como o coroamento de um país que já se superou. Ou que já se tornou sua própria promessa, com a melhoria da qualidade de vida de dezenas de milhões e a redução das desigualdades. Uma nação que já havia pavimentado seu lugar entre as grandes economias do mundo, um Brasil de “cidadania plena”, um “país de primeira classe”. Na Olimpíada de 2016, é a superação que passa a ser a qualidade de todo um país. A qualidade em si, o moto-contínuo. O looping eterno. O pé-rapado, que continua pé-rapado, mas que arrasa na festa.

É assim que nossos atletas tornam-se sempre “histórias de superação” a serem enaltecidas. Gente como Rafaela Silva e Isaquias Queiroz. Se eles superaram todas as desigualdades e assimetrias do Brasil e tornaram-se atletas capazes de ganhar medalhas no pódio, é um orgulho para eles. Mas é imperativo lembrar que venceram apesar do Brasil. E esse fato deveria ser motivo de vergonha para o país.

Consumido pela máquina de fazer dinheiro que envolve mídia e megaeventos, o que é exceção – vencer contra tudo e contra todos – é convertido em qualidade totalizante. Assim, é o Brasil inteiro que se torna o país “da superação”. É a Olimpíada “da superação”. O que deveria ser vergonha, o fato de o país não garantir a base mínima para suas crianças e jovens desenvolverem suas potencialidades no esporte – e também na matemática e na literatura –, é convertido em orgulho nacional.

Essa falsificação serve a muitas coisas. Entre elas, enriquecer muita gente e alimentar o entretenimento disfarçado de jornalismo de algumas redes de TV. Serve ainda a algo bem perverso, com graves consequências na vida concreta do país, que é estimular a crença de que basta ter vontade pessoal para conseguir vencer num país em que a maioria vive em terra arrasada, em escolas arrasadas, em insegurança alimentar, seja por desnutrição ou por obesidade. Assim, se você não vence, é problema seu. O Estado é deresponsabilizado, as distorções históricas são apagadas. E, portanto, não há razão para pensar em redistribuição de renda ou em reforma agrária ou em demarcação de terras tradicionais. O brasileiro, esse unicórnio, se supera. É pé-rapado mas arrasa numa festa.

É o discurso de Galvão Bueno, da Rede Globo, calculadamente lacrimoso: “O esporte é a ferramenta que faz Rafaela Silva, nascida na pobreza da Cidade de Deus, e o supercampeão Bernardinho, filho da classe média carioca, dividirem o mesmo sonho e chegarem ao mesmo lugar”. Qual é a mensagem dessa igualdade forjada em um dos países mais desiguais do mundo? No país da superação, não é preciso tocar nos privilégios, porque tudo depende da força de vontade individual. A capacidade de superação é mística fartamente distribuída onde a renda é concentrada na mão de poucos – e dos mesmos.

Deveria produzir alguma interrogação o fato de que alguém como Galvão Bueno, com tudo o que é e representa, tenha se tornado uma espécie de porta-voz do espírito olímpico. Discursos semelhantes ao dele, de exaltação da Olimpíada, foram repetidos até mesmo por intelectuais que até ontem exibiam pensamento complexo. Não só pela direita, mas também pela esquerda.

Para parte da direita, trata-se, entre outras coisas, de garantir que o país tem unidade para seguir após o impeachment, com a agenda conservadora em curso. O Brasil é o que sempre foi, o período Lula-Dilma apenas uma interrupção momentânea. Para uma parcela da esquerda, o ponto é garantir a Olimpíada como um legado usurpado de Lula, caso ele chegue às eleições de 2018. Em nome dos projetos de poder, sacrifica-se a complexidade e forja-se o consenso oportunista. O que não cabe na versão é relegado a questões de menor importância.

Mais uma vez, em nome da agenda de ocasião, parte da esquerda se cala diante das tantas falsificações da Olimpíada da Superação. E reedita uma espécie de conciliação imagética, uma espécie de trégua olímpica, com a mesma mídia que no restante do tempo acusam de golpista. Disputa-se a assinatura do espetáculo, o sucesso já foi pactuado.

Na mística da superação, quando aqueles que deveriam se superar sofrem uma derrota, são punidos como se traíssem todo um país. É neste momento que os conflitos aparecem, e o racismo, a homofobia e o machismo do povo alegre que arrasa numa festa explodem. Como tão bem compreendeu Rafaela Silva, que ao ser derrotada na Olimpíada de Londres, em 2012, foi chamada de “macaca” nas redes sociais, em tal volume e virulência que quase desistiu do judô. Em 2016, ao ganhar o ouro na sua categoria, virou heroína nacional. Ninguém dúvida que, se perdesse, seria de novo “macaca”.

A nadadora Joanna Maranhão conheceu bem a “cordialidade” do povo brasileiro ao ficar fora da semifinal dos 200m borboleta. Joanna, que anos atrás teve a coragem de denunciar que foi abusada por seu técnico quando menina, ouviu nas redes sociais que, por ter perdido, “deveria ser estuprada novamente”. O Brasil é homofóbico, machista, racista e xenófobo, denunciou Joanna, desafiando o país alegre e hospitaleiro – ou “o povo que se comportou muito bem nesta Olimpíada”. Joanna e Rafaela exibiram maturidade ao não se deixarem engolir pela máquina de entretenimento. Ao contrário, arriscaram-se a expor os conflitos quando ninguém queria saber deles.

O país não fracassa quando um atleta perde numa Olimpíada. Brasileiras como a judocaRafaela Silva são vitoriosas apenas por chegarem vivas à idade adulta. Alcançar uma Olimpíada, ganhando ou não, é uma enormidade. O Brasil fracassa porque no mesmo período da Olimpíada em que Rafaela subiu ao pódio, jovens como ela foram executados a tiros bem perto dali.

O “sucesso” – ou a “superação” – do Brasil olímpico parece ser o de ter conseguido esconder dos olhos dos gringos a merda toda por duas semanas. E não apenas a da Baía da Guanabara. É verdade que um país pode ser medido não pelo seu sucesso, mas pela régua com que mede seu sucesso.

A Olimpíada, como conceito fechado, é grandiosa. Os atletas se dedicam duramente para fazer desse momento um espetáculo, para criar beleza. Fizeram espetáculo mesmo naOlimpíada de Berlim, em 1936, na Alemanha nazista. Uso esse exemplo radical porque ele ajuda a deixar mais claro que uma Olimpíada não pertence apenas aos atletas nem serve apenas à celebração dos povos. Parece óbvio, mas não é o que temos visto em tantas justificativas. Os usos de uma Olimpíada, assim como as narrativas sobre ela, são políticos, no sentido amplo (e seguidamente também no rasteiro). E a forma como cada um dela participa também é política.

É neste campo que chamo a atenção para “o Brasil provou que sabe fazer uma Olimpíada”. Há que se ter muito cuidado com quem coloca algo tão complexo na perspectiva do pessimismo/otimismo. Há que se ter considerável delicadeza mesmo com o conceito do Complexo de Vira-Lata. Não se sabe se ele foi revivido porque de fato faz eco, ou pela incapacidade de criar conceitos originais para um momento tão desafiador do Brasil. Tendo a apostar mais nesta segunda hipótese – e sigo defendendo que nossa crise é também de palavra. De linguagem e de estética.

Há uma diferença entre ser capaz de fazer uma festa, a medalha de ouro de 2016. E ser capaz de construir um país, a medalha de ouro de 2009. É preciso marcar essa diferença para não perder a Olimpíada do dia seguinte.

FONTE: http://brasil.elpais.com/brasil/2016/08/29/opinion/1472475226_988894.html

Contagem Regressiva, documentário para se entender os Jogos Olímpicos

contagem

A Justiça Global e a Couro de Rato apresentam a série “Contagem Regressiva”, que relata as violações de direitos humanos que marcaram todo o processo de preparação da cidade para os Jogos Olímpicos. As remoções são o tema do primeiro episódio, um dos legados mais perversos deste período. Foi nos anos pré-olímpicos que o Rio de Janeiro conheceu a mais brutal política de remoções de sua história: mais de 20 mil famílias foram removidas desde 2009, ano do anúncio oficial da cidade sede.

Os escombros sobre o chão são apenas a face mais evidente da história arrancada a tratores e marretas.

Realização: Justiça Global e Couro de Rato 
Direçao: Luis Carlos de Alencar
Produçao Executiva: Vladimir Seixas
Poesia Original: Elaine Freitas
Música Original: MANO TEKO e Mc Lasca

Sinopse dos episódios:

Episódio 1: Na história do Rio de Janeiro as remoções forçadas foram políticas públicas usualmente exercidas contra sua população negra e pobre. A partir do dia 02 de outubro de 2009 esse processo se acentuou: a cidade carioca foi escolhida para ser sede dos Jogos Olímpicos. A Prefeitura passou a alegar que as remoções eram para dar lugar a parques esportivos olímpicos e a obras viárias ligadas aos Jogos, como a Transoeste, Transbrasil e Transolímpica. E quando se tratavam de áreas que não se encaixavam nesses casos, a justificativa mais usada era de que as remoções se dariam por risco ambiental. De 2009 até 2015 foram 22.059 famílias removidas totalizando cerca de 77.206 pessoas, segundo Dossiê do Comitê Popular da Copa e Olimpíadas do Rio de Janeiro. O reassentamento, quando ocorre, é em locais distantes, como por exemplo o bairro de Cosmos, a 70 km do centro do Rio, onde há insuficiência de transporte, escolas e hospitais públicos.

https://www.youtube.com/watch?v=D2IdgKhkxh0 (episódio 1)

Episódio 2: É na militarização e na higienização do Rio que os Jogos Olímpicos colocam suas bases. Faltando menos de dois meses para o megaevento, o novo episódio da Contagem Regressiva mostra exatamente quem sofre o Controle Urbano na construção da cidade espetáculo.

https://www.youtube.com/watch?v=OoblOhnXCyE (episódio 2)

Episódio 3: Porto Maravilha: como tem se dado a sua implementação, descaracterizando a região portuária, que é patrimônio histórico e cultural da cidade, por sua destacada dimensão da presença negra e de moradias coletivas. A maior parceria público-privada do país , administrada pelas empreiteiras Odebrecht, OAS e Carioca, declara-se como financiamento privado, mas é assegurada pelo poder público em mais de R$ 8 bilhões, através dos recursos do FGTS.

https://www.youtube.com/watch?v=sT6BAbnKD68 (episódio 3)

Episódio 4: O processo de preparação do Rio de Janeiro para os mega-eventos esportivos implicou também em uma mudança radical no modo de circulação pela cidade. Não foi apenas o aumento exponencial das tarifas que afetou o cotidiano de moradoras e moradores – junto com ele também vieram os cortes das linhas de ônibus, as obras faraônicas para construção de corredores viários, políticas que não favoreceram a maior parte da população, sobretudo na Zona Oeste da cidade.

Aliado a esse processo, houve também o aprofundamento de políticas segregatórias e racistas de controle do acesso às praias da cidade. Jovens negros vindos de favelas e periferias tornaram-se alvo de revistas, apreensões injustificadas, uma clara demonstração de que a cidade maquiada para receber os Jogos Panamericanos, a Copa das Confederações, a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos continua de braços abertos para a Guanabara e de costas ao avesso da montanha.

https://www.youtube.com/watch?v=qt6kuxTHnJs   (episódio 4)

Um incômoda pergunta no Rio pós-olímpico: vai ter salário?

Passadas as plumas e paetês da festa de encerramento do megaevento esportivo de propriedade do Comitê Olímpico Internacional (COI) e que rendeu bilhões de dólares não apenas ao dono, mas também a todas as corporações associadas, o Rio de Janeiro volta a ter que se defrontar com a sua dura realidade. 

É que enquanto bilhões de dólares partiram para outras regiões do planeta, aqui sobraram dúvidas e incertezas, principalmente para funcionários públicos e aposentados. O fato é que passada a pressão para que pudéssemos parecer um local minimamente funcional, agora voltamos à nossa efetiva realidade.

Enquanto um vídeo amador já mostrava que os esgotos já estavam jorrando livremente na Praia de Botafogo minutos após a passagem dos corredores olímpicos, as redes sociais continuavam alertando para outras incursões violentas em comunidades pobres em diferentes regiões da cidade do Rio de Janeiro.

De quebra, os cariocas já estão sendo avisados que vão irão brevemente receber contas de eletricidade mais salgadas por conta do uso excessivo de energia elétrica nas dependências olímpicas. Assim, mesmo quem não quis ter nada a ver com o pato, vai pagá-lo.

A verdade é que as faturas vão continuar aparecendo para cobrar mais dinheiro público para um evento que deveria ser custeado com dinheiro privado. Mas qual que, esse foi só um discurso arrumado para o “Circus Maximus” funcionando e sem maiores atribulações. Agora que o show se moveu para Tóquio, é que vamos ver como as coisas realmente vão ficar. E de cara, parece que não vão ficar nada bem.

A minha expectativa é que em face dessa situação toda as pessoas comuns comecem a questionar as opções feitas pelos (des) governantes do PMDB e resolvam cobrar a fatura nas eleições municipais. É que para tudo um limite, inclusive para a quase inesgotável paciência dos brasileiros.

The Guardian mostra o lado B dos Jogos Olímpicos Rio 2016

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Ainda que com erros e exageros localizados, a cobertura que a mídia internacional está dando do chamado “Lado B” dos Jogos Olímpicos em vias de encerramento na cidade do Rio de Janeiro é muito reveladora de que nem tudo é dourado sob os arcos olímpicos do COI.

Um exemplo disso é a matéria que acaba de ser publicada online pelo jornal inglês “The Guardian” e que leva a assinatura de Jonathan Watts com um título em português que poderia ser lido como “O assassinato de residentes de favelas continuam enquanto os Jogos seguem em frente no Rio de Janeiro”  (Aqui!) (ver reprodução parcial abaixo).

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Além de dar voz de residentes da Vila do João que estão sofrendo um verdadeiro cerco, e que já resultou em várias mortes, após o incidente fatal que vitimou um militar da Força Nacional, Watts chama a atenção para o fato de que para proteger atletas e turistas, o Estado brasileiro recheou toda a região que leva até o aeroporto internacional do Galeão com tropas militares. Entretanto, como bem colocou um dos moradores entrevistados, para os moradores mesmo é que sobra é o terror de viver entre o fogo cruzado criado pelos confrontos das forças militares com narcotraficantes. numa condição que beira um estado de sítio não declarado.

Watts chama ainda a atenção de seus próprios colegas da mídia internacional que estão gastando rios de tinta para noticiar o falso assalto envolvendo membros da delegação dos EUA, enquanto pouco ou nada se fala sobre a militarização dos espaços ocupados pelos pobres.

A matéria é encerrada com uma comparação nada abonadora de um morador da Favela da Maré que declarou a Watts que “ao contrário das competições de tiros das Olimpíadas, os alvos na vida real são pessoas negras que estão mortas de medo”.

Enquanto isso na mídia corporativa brasileira o que se ouve são patriotadas e demonstrações contínuas de misoginia e desrespeito.

Engenharia financeira subvalorizou terrenos públicos no Porto Maravilha

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Dois imóveis da União foram avaliados muito abaixo do valor de mercado, segundo documentos obtidos pela Pública. Entenda essa história

Por Adriano Belisário

Durante o primeiro semestre de 2010, por meio da prefeitura e da Caixa Econômica Federal, o PMDB do Rio liderou a articulação do atual arranjo do Porto Maravilha, que faz jus ao título de “engenhosa operação financeira” dado pela Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto (Cdurp). Esse órgão do município comprou terrenos públicos da região, repassando-os, pelo mesmo preço, a um fundo imobiliário administrado pela Caixa, o Fundo de Investimento Imobiliário do Porto Maravilha (FIIPM).

Por sua vez, o Fundo os negocia no mercado, provendo recursos para a Concessionária Porto Novo (Odebrecht, OAS e Carioca Christiani Nielsen) executar as intervenções e serviços previstos na maior parceria público-privada (PPP) do Brasil. Então, para construir, as incorpordoras compram ou negociam Certificados do Potencial Adicional de Construção (Cepacs), que permitem a construção de mais andares do que o permitido pela legislação. Assim o Porto Maravilha pode receber grandes arracha-céus e hoteis de luxo.

A reportagem descobriu que em 2010, enquanto acertava a entrada do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) na operação para garantir o pagamento da PPP, a Caixa subavaliou dois terrenos fundamentais para alavancar a operação. Ambos pertenciam à Secretaria do Patrimônio da União (SPU), do Ministério do Planejamento. E depois o próprio banco comprou os imóveis e os disponibilizou no mercado, favorecendo assim as empresas que negociam na região.

 

Documentos internos do governo federal analisados pela Pública revelam que, em julho de 2010, a Caixa chegou a avaliar o Pátio Ferroviário da Marítima – de 116.125 m² – a R$ 373,8 reais por metro quadrado, enquanto o mercado imobiliário negociava terrenos naquela área, próxima à Cidade do Samba, por R$ 3 mil a R$ 4 mil por metro quadrado. Nessa mesma avaliação, de junho de 2010, outro terreno cobiçado, o Pátio da Praia Formosa, uma área de 23.809 m² próxima à rodoviária do Rio, foi avaliado em R$ 212,7 por metro quadrado.

A Secretaria do Patrimônio questionou o cálculo em ofício enviado em agosto de 2010. Elencou dez problemas com os critérios de avaliação. Entre eles, o fato de que os laudos da Caixa “não incorporam as expectativas de valorização da área e o impacto do projeto de revitalização” e desconsideraram o uso misto (residencial e comercial) previsto pelo projeto do Porto Maravilha.

Ofício-nº-662

“A avaliação estava muito abaixo do aceitável. Havia uma pressão da prefeitura para que as áreas entrassem para o fundo por um valor muito abaixo do valor venal, de forma injustificável. O Ministério do Planejamento chegou a solicitar uma nova avaliação, porém foi orientado pela Presidência a não intervir no assunto”, relata um representante do governo federal que acompanhou de perto as negociações.

Após questionamentos, inclusive no Conselho de Administração da Caixa, os terrenos foram de fato repassados para o FIIPM em 2012 com valores um pouco maiores: o Pátio da Marítima foi encaminhado por R$ 19 milhões (R$ 813,9/m2) e o terreno da Praia Formosa por R$ 53 milhões (R$ 457,3/m²). Em novembro de 2010, a partir de uma amostragem definida pelos avaliadores, o prospecto do Porto Maravilha estimava o metro quadrado da região entre R$ 620 e R$ 1.810.

De acordo com Jorge Arraes, presidente da Cdurp à época, hoje à frente da Secretaria Especial de Concessões e Parcerias Público-Privadas (Secpar) da prefeitura, no caso do Pátio da Marítima, o valor final foi 17% menor: “O valor que foi calculado ali foi para domínio pleno. Não atentamos para o fato de que a lei permitia só comprar o domínio útil. Ficamos com um crédito e depois a União ressarciu a prefeitura em terrenos por essa diferença”.

De acordo com dados de 2014 da Cdurp, o valor geral de vendas (VGV) estimado para o Pátio da Marítima é de R$ 1,8 bilhão e o da praia Formosa, R$ 7,8 bilhões. O índice mensura o potencial de faturamento de um empreendimento. O valor da transferência para o fundo do FGTS correspondeu a cerca de 1% do VGV estimado dois anos depois.

“Entre 2010 e 2012, construtoras e incorporadoras chegavam a desembolsar 40% do valor do VGV em terrenos onde empreendimentos com grande liquidez e apelo pudessem ser construídos, o que me parece ser, claramente, o caso dos imóveis situados no Porto Maravilha”, atesta Raphael Ferreira, advogado e perito em avaliação imobiliária.

Dentre os terrenos públicos considerados fundamentais para a operação (veja o mapa abaixo), o Pátio da Marítima e o Praia Formosa destacam-se por terem sido transferidos para o FIIPM a um valor bem menor do que outros, como o Clube dos Portuários, Cedae, Gasômetro e Galpão do Aplauso. Estes foram negociados entre o segundo semestre de 2013 e o primeiro de 2014 com valores que variam entre R$ 1.452 e R$ 1.999 por metro quadrado.

Jorge Arraes explica as discrepâncias com base no tempo. Segundo ele, por ter sido feita com a operação Porto Maravilha a pleno vapor, a avaliação dos outros terrenos públicos já refletia a valorização dos imóveis na região. “À medida que as obras foram acontecendo e o programa ganhando credibilidade, o terreno foi se valorizando”, explica. No entanto, a Usina do Asfalto – terreno do município próximo da Praia Formosa – também foi repassado em junho de 2012. Foram pagos R$ 41 milhões, o que significa R$ 2.807 por metro quadrado – 5 vezes mais do que Praia Formosa.

Certificados do Potencial Adicional de Construção, mais conhecidos como Cepacs

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Cepacs são títulos imobiliários que podem ser negociados na bolsa de valores por meio da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Eles permitem a construção, em determinadas áreas, de mais andares do que o permitido pela legislação anterior da cidade. Por meio da Lei Complementar 101, de 2009, que modifica o Plano Diretor da cidade, o Porto Maravilha fatiou a região em zonas, como mostra o mapa acima. Para usufruírem desse potencial extra de construção, as empresas devem comprar os Cepacs do fundo do FGTS, que espera lucrar com a valorização da região.

Pertencentes à extinta Rede Ferroviária Federal, o Praia Formosa e o Pátio da Marítima estavam à espera de uma expansão dos ramais de trens que jamais aconteceu. Quando foram de fato transferidos para o FIIPM, em 2012, os terrenos eram ocupados pelo Consórcio Porto Novo e por escolas de samba como Vizinha Faladeira e Santa Cruz.

O Pátio da Marítima foi então negociado com a incorporadora americana Tishman Speyer, que está construindo um prédio corporativo de alto padrão com 21 andares. Em troca da cessão do trecho do terreno necessário para a construção e quase 195 mil Cepacs, o fundo imobiliário da Caixa será dono de 22% da área construída.

Parte do Praia Formosa foi negociada com a sociedade conhecida como Solace, formada pelo trio de empresas do Porto Novo, mais a REX, do empresário Eike Batista, e a ZI Participações. O grupo constrói um empreendimento residencial e um hotel. Além das terras, foram cedidos 68 mil Cepacs em troca de 26% da área a ser construída. Porém, até o momento, os sofisticados imóveis residenciais não foram concluídos – e não há previsão para isso. A empresa responsável pela construção limitou-se a informar à Pública que “o projeto e o cronograma de obras estão sendo readequados”.

Triangulação suspeita

Segundo a cientista política Betina Saruê, que estuda o Porto Maravilha, as terras que passaram por esse mecanismo financeiro acabaram voltando para a União, mas com menos controle e mecanismos de garantias. “A Caixa negocia o uso dos terrenos de acordo com o apetite do mercado [imobiliário]. Não existe a garantia de um percentual para uso habitacional”, diz.Como a Cdurp repassou os imóveis ao fundo do FGTS pelo mesmo valor adquirido, e este os negociou com o mercado imobiliário, a possível subvalorização favoreceu às incorporadoras que investem na região, aponta Mariana Werneck, mestre em planejamento urbano pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Na hora de negociar com o FGTS um negócio neste terreno, é claro que o investidor vai entrar com menos e, com a perspectiva de valorização no futuro, ele lucra mais. E os maiores investidores da região são as próprias empresas [Odebrecht, OAS, Carioca] que também participam da PPP”, diz a pesquisadora, cujo trabalho Porto Maravilha: agentes, coalizões de poder e neoliberalização no Rio de Janeiro será integralmente publicado no mês que vem pelo Observatório de Metrópoles. Ou seja: se o terreno vale menos, a incorporadora precisará investir menos quando entrar no negócio. “A subvalorização azeita a estrutura do Porto Maravilha, que introjeta a lógica de mercado no governo, mercantilizando terrenos públicos para um projeto privatizante e segregador”, diz.

Cdurp, Caixa e PMDB do Rio: uma sinergia especial

Entre 2007 e agosto de 2010, a vice-presidência de Fundos de Governo e Loterias da Caixa (Vifug) era ocupada pelo peemedebista Moreira Franco, ex-governador do Rio de Janeiro e atual secretário executivo do Programa de Parcerias e Investimentos do governo interino de Michel Temer. O cargo lhe garantia ingerência sobre o FGTS, que no final de sua gestão se transformou no principal fiador da operação do Porto Maravilha.

Ao lado de Jorge Arraes (secretário do município, então presidente da Cdurp) e Jorge Hereda (então presidente da Caixa), o prefeito Eduardo Paes segura o "checão" da Caixa, simbolizando a compra, em 2011, dos Cepacs em lote único (Foto: Prefeitura do Rio de Janeiro)

Desde sua criação, antes mesmo do anúncio oficial da entrada do FGTS, a Cdurp já apresentava uma sinergia especial com a Caixa. O comando do órgão recém-criado foi delegado a Jorge Arraes, que é ex-diretor imobiliário do fundo de pensão dos funcionários da Caixa. Ele escalou três ex-funcionários do fundo para assumir importantes postos na área financeira.

Forjada no primeiro ano do mandato inicial de Eduardo Paes, a operação financeira do Porto Maravilha foi consagrada em junho de 2011, quando a Cdurp vendeu todos os Cepacs ao FGTS por R$ 3,5 bilhões em um leilão de lote único. “O leilão da compra dos Cepacs foi uma encenação. O leilão foi feito para o FGTS. O edital expunha os termos acordados entre Cdurp e Caixa ao longo de meses de negociação”, aponta Mariana Werneck.

A Procuradoria-Geral da República (PGR), a Justiça do Rio, a Polícia Federal, delatores da OAS e Carioca Engenharia sustentam que Eduardo Cunha (PMDB-RJ) cobrou pelo menos R$ 52 milhões (1,5% do R$ 3,5 bilhões) em propina para liberar o dinheiro do fundo de infraestrutura do FGTS para o Porto Maravilha, por meio da Caixa. Entre os beneficiários, além do próprio Cunha, estaria Fábio Cleto, que assumiu a vice-presidência responsável pelo FGTS após Moreira Franco ter deixado o cargo. Além da indicação de Cleto, Cunha teria tido participação na indicação de Alexandre Gadelha para a presidência da Companhia Docas do Rio de Janeiro, que também possuía terrenos na zona portuária.

Sobre as acusações investigadas pela Lava Jato, Eduardo Cunha afirmou peremptoriamente que nãorecebeu nem combinou “com quem quer que seja, qualquer vantagem indevida, de nenhuma natureza.

Procurada pela reportagem, a Caixa não respondeu aos questionamentos da Pública.

Crédito da imagem destacada: Bruno Bartholini

FONTE: http://apublica.org/2016/08/engenharia-financeira-subvalorizou-terrenos-publicos-no-porto-maravilha/

Justiça determina que Rio 2016 não reprima manifestação política nos jogos

Casos de manifestantes retirados de arena motivaram MPF a mover ação civil pública

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Após atuação do Ministério Público Federal (MPF) no Rio de Janeiro (RJ), a Justiça concedeu liminar, em caráter de urgência, para determinar que os organizadores dos Jogos Olímpicos não reprimam manifestação pacífica de cunho político por meio de exibição de cartazes, uso de camisetas e de outros meios lícitos nos locais oficiais dos Jogos Olímpicos Rio 2016. Em caso de descumprimento, é estabelecida multa de R$ 10 mil por ocorrência.

O objetivo do MPF é prevenir que os órgãos de segurança pública não exacerbem o poder de polícia reprimindo possíveis manifestações e práticas por parte dos cidadãos, durante este período, que traduzem tão somente o exercício do direito constitucional da livre manifestação (artigo 5º e art. 220 da Constituição).

“Chegou ao conhecimento da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão do Rio de Janeiro a prática coordenada e adotada para impedir os espectadores dos jogos de exibir cartazes ou usar camisetas com manifestações políticas nas arenas esportivas, obrigando-os a guardarem os mesmos e, nos piores casos, retirando-os do recinto por agentes da Força Nacional ou da Polícia Militar”, argumentam os procuradores Regionais dos Direitos do Cidadão, Ana Padilha e Renato Machado.

De acordo com os procuradores, “infelizmente, o ato não é isolado”. Vários vídeos vêm sendo postados nas redes sociais na grande mídia, gravados por pessoas que presenciaram o abuso de poder que vem sido praticado pelos agentes públicos responsáveis pela segurança dos espaços públicos destinados aos jogos olímpicos, em obediência à determinação do Comitê Organizador da Rio 2016.

FONTE: Assessoria de Comunicação Social,  Procuradoria da República no Rio de Janeiro

As Olímpiadas e o dono da voz

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Por Lúcio de Castro (arte de Janio Santos)

A contagem regressiva já começou. Podem ficar tranquilos. Não vai demorar nada. Logo nos primeiros dias de Olimpíadas, alguém fazendo pose de grande intelectualidade irá disparar: “o brasileiro tem um problema sério emocional que pesa muito na hora de decidir e precisa ser resolvido”. Ao ouvir isso, mais uma vez me lembrarei da frase com a qual Gerardo Caetano, historiador uruguaio dos bons, costuma definir algumas situações: “quem fala algo assim, ou não sabe de nada ou sabe muito”.

E me lembrarei mais uma vez de 2008, do outro lado do mundo. Corriam os jogos de Pequim. Lá pela terceira final que algum brasileiro perdeu, escutei um diretor do lugar onde eu trabalhava chegar perto das pessoas que iriam entrar no ar e soprar, como se estivesse propondo grande reflexão: “é preciso levantar o debate da fragilidade emocional dos brasileiros. Sempre falhamos na hora de decisão”. Por coincidência, no dia seguinte, numa roda de imprensa, Carlos Arthur Nuzman, todo-poderoso cartola, deixava escapar, quase como quem fala em off e deixa o mais desavisado repórter naquela excitação, com o sentimento de que arrancou algo fora da pauta. “É preciso levantar o debate da fragilidade emocional dos brasileiros. Sempre falhamos na hora de decisão”, ou algo bem próximo. E seguiu falando na necessidade de trabalhar esse psicológico. Detalhe: aquela sincronia de discursos cartola/diretor não era ocasional. Eram muito próximos. Unha e cutícula.

Já tinha visto isso antes. Em Sydney, 2000, a cada insucesso vinha o discurso. O americano Karch Kiraly, considerado o maior jogador de vôlei de todos os tempos, foi muito mais preciso em seu diagnóstico na ocasião. “Tudo é uma questão da base do sistema esportivo. Nossa base é maior, tiramos um atleta para o alto nível de um grupo de milhares. É normal para todos os seres humanos sentir aqui e ali. Acontece com todo mundo. Se a base é mais ampla, obviamente teremos mais possibilidades de gente em cima e isso relativiza eventual questão emocional de um ou outro”. Bingo. Em meia dúzia de palavras, disse o óbvio.

A cada ciclo olímpico, o Brasil seguia, como seguiu de fato, aumentando a soma de dinheiro investida na preparação de atletas. Dinheiro público saído de estatais e do governo para o COB e confederações. Dinheiro que muitas vezes teve dificuldade no caminho entre Brasília e a sede da entidade e deu uma diminuída no trajeto, como vimos em alguns casos. Mas o sistema esportivo, o trabalho de base, o trabalho nas escolas, isso que realmente importa, nunca mudou.

Se sobre a época da mineração no Brasil, Eduardo Galeano concebeu a espetacular frase “o ouro deixou buracos no Brasil, templos em Portugal e fábricas na Inglaterra”, podemos chegar perto disso no esporte. O acréscimo de verba no esporte brasileiro deixou ouro para alguns cartolas, contusões para alguns atletas e zero de legado para o sistema esportivo, a base escolar.

E tome de falar que o brasileiro é medroso, que sente na decisão. Um argumento covarde, sórdido, mentiroso, racista, eugênico. Sem base científica alguma. Mais do que isso, sem base histórica alguma. Mesmo na história do esporte. Ou será que era medo daqueles europeus enormes que aquele moleque de 17 sentiu quando deu um balão no gringo e botou pras redes, naquele distante 1958?

E como a história se repete como farsa, essa então se repete como a farsa das farsas. Propagadas ou por inocentes úteis ou por gente muito consciente do que está fazendo. Gente que empresta a voz a soldo, como naquela velha canção do Chico, do dono da voz e da voz do dono. Em um jornalismo cada dia mais de cócoras, onde o cinismo e o saber o lado do dono da voz para emitir a opinião imperam cada vez mais, prepare-se: faltam poucos dias para ouvir a velha cantilena.

Quem já se esqueceu de 2014? Faz tão pouco tempo… a Granja Comary parecia uma festa. Em meio a preparação de uma seleção, desciam helicópteros dos céus. Apresentadores de TV, caldeirões, porta da esperança, amigos do rei, patrocinadores. Sem falar nos anos de desmando de um futebol cuja cartolagem sequer pode pisar fora do país para não pegar xilindró. Por roubo. Foi nessa toada que os anos foram nos defasando, desbotando. E aí, quando vimos, era tarde… era 7 x 1. Os de sempre começaram a falar no tal emocional. Foi tão batido que triunfou naquele momento. Como a história não tem pressa, e mentiras tem tempo de validade, perdeu-se no tempo. Dois anos depois, ninguém mais acredita em algo assim. Até para o mais arrivista dos arrivistas a tese caiu de maduro. Temos problemas graves em nossa estrutura de futebol. Ponto. Os mesmos que diziam ser frágeis por aqui, cansam de vencer lá fora. Caiu de podre a tese.

Mas já se esqueceram disso tudo. Vai irritar a ingenuidade de alguns e a desonestidade de outros quando o debate sobre “a fragilidade emocional dos brasileiros” começar, poucos dias depois da pira olímpica ser acesa.

No fundo, é um processo e uma construção que conhecemos ao longo de nossa história. Se o esporte é metáfora da vida, como se gosta de dizer e tem lá um tanto de verdade nisso, não são diferentes as construções que se propõe para analisar um e outro.

Em nossa história, o que tivemos foi um projeto original (ou a ausência dele) que estava previsto desde sempre para o povo brasileiro: ser mão de obra desqualificada, ser escravo, ser trabalhador braçal sem direitos. Parte fundamental (e a mais cruel) desse projeto era fazer com que dominados tivessem a ideologia e cabeça dos dominantes. Por aqui se estabeleceu uma classe dominante mais perversa do que em qualquer outro lugar. Darcy, Capistrano e tantos outros falaram tão bem disso… acreditar que eram incapazes, frágeis, instáveis. Se boa parte desse projeto vem dando certo até aqui e parece de vento em popa nos últimos tempos, nem por isso se pode omitir toda a valentia, coragem, luta e sangue de nossa história. Adoram falar que por aqui se luta pouco mas, de novo por ingenuidade ou desonestidade, só alguém em um desses dois casos pode omitir que apenas um povo muito valente foi de tanta luta.

Serão frágeis emocionalmente os que foram pra rua na Confederação dos Cariris, Revolta da Cachaça, do Sal, Mascates, os confederados do Equador, a revolução Pernambucana. As Conjurações. Mineira, Carioca, a Conspiração dos Suassunas, Praieira, Mascates. Diferentes razões, muitas vezes diferentes camadas sociais, mas, na maior parte delas, o sentimento de ser senhor da própria história. Foram dezenas de revoltas indígenas. Outras tantas escravas e negras. O Maranhão com seus Balaios, a Bahia de tantas e inúmeras revoltas lutas pela independência, da Conjuração, dos Malês, da Sabinada, dos Guanais e da Guerra do Conselheiro, Belém e seus Cabanos, o Rio de João Cândido contra a Chibata e da Vacina e tantas outras que adoro o nome, como “Mata-Galegos”, o sul da Farroupilha, do Contestado, as revoltas paulistas. A Revolta do Vintém, no Rio do fim do século XIX. As mulheres brasileiras, muito a frente do seu tempo, viveram em Natal sua revolta. Tem tanta coisa, tanta história de revolta em nossas páginas… É do mesmo povo frágil emocionalmente que estamos falando? E que vai se falar em programas e debates?

Tudo isso mesmo sendo um povo brutalmente reprimido ao longo dos séculos, massacrado como é até hoje nas favelas como era nas senzalas. Por uma polícia que nasce no Rio, sempre ao lado da Corte. Depois, nos anos 1930 do século XIX, vem as demais, com o intuito inicial e preponderante de reprimir as revoltas populares, que gritavam nas ruas contra a legitimidade do monarca que chegava. Nasce com o DNA e a função preponderante de bater em pobre, preto e povo.

Não surpreende que mais uma vez botem a culpa de eventuais fracassos não no dinheiro que some em contas de cartolas, não na falta de estrutura na base. E sim em uma “fragilidade emocional de um povo”. Sem qualquer respaldo científico. Não surpreende que o 01 dos cartolas olímpicos do Brasil tenha dito um dia que o modelo do atleta deveria ser Robert Scheidt, que, pela formação, seria exemplo de fortaleza emocional. O iatista merece toda reverência. Mas era difícil mesmo imaginar o cartola falando o mesmo do destemido Escadinha, o indomável líbero do vôlei brasileiro, capaz de suportar duas horas de pressão do adversário toda em cima dele. Criado numa favela de Pirituba, certamente não seria um bom exemplo de força emocional como um “alemão”.

Já vai começar. Do meu lugar, sabendo um pouquinho como funciona a engrenagem, estarei rindo tanto dos ingênuos quanto dos desonestos quando começarem a falar na “fragilidade emocional dos brasileiros”. E no fundo, com um tanto de dó, de pena e de compaixão. Porque no fundo, nada é mais triste do que a fragilidade emocional de alguém que empresta sua voz ao dono dela para algo tão desonesto. Compaixão por alguém que, no fundo, assim como na canção do Chico, entrega a voz a um dono e “vai perdendo a luz”.

FONTE: http://www.suplementopernambuco.com.br/artigos/1656-as-olimp%C3%ADadas-e-o-dono-da-voz.html

Observatório das Metrópoles lança dossiê sobre impactos dos Jogos Olímpicos na cidade do Rio de Janeiro

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Em mais uma robusta contribuição acadêmica para a busca de entendimento acerca dos impactos sociais, políticos, econômicos e ambientais da realização dos Jogos Olímpicos na cidade do Rio de Janeiro, o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) Observatório das Metrópoles lançou um dossiê bilíngue (em português e inglês) intitulado “O que está em jogo nesses Jogos” (ou em inglês What is at stake in these Games?) (Aqui!).

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Entre outras questões, o dossiê mostra que megaeventos esportivos foram transformados em um novo tipo de de negócio no âmbito da globalização e que é caracterizado pela atração de fluxos financeiros, reestruturação de circuítos de circulação e de acumulação local.  Além disso, o dossiê analisa questões como mobilidade urbana, projeto de renovação urbana (por exemplo o chamado Porto Maravilha), a da transparência  pública (ou melhor, falta dela) e o papel do Estado, as parcerias público-privadas, e as violações de direitos humanos no contexto dos Jogos Olímpicos de 2016.

Como já havia mencionado (Aqui!), com a abundante literatura qualificada que está emergindo sobre os diferentes aspectos que cercam as transformações impostas sobre a cidade do Rio de Janeiro, podemos facilmente ultrapassar o uso de chavões ultrapassados como o do “complexo de vira lata” e do “jeitinho brasileiro” para fazermos uma discussão que vá ao cerne das mudanças que estão efetivamente sendo impostas principalmente sobre os pobres, e que vão ter efeitos que irão muito além da duração do megaevento em si.

Quem desejar acessar o documento em inglês, basta clicar (Aqui!). Já para os que desejarem fazer a leitura do documento escrito em português, basta clicar (Aqui!).

Remoções e poluição da Baía da Guanabara: duas faces da moeda olímpica

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Com o megaevento do Comitê Olímpico Internacional (COI) ainda em seus primeiros dias, há um confronto retórico sobre o que seria o legado dos Jogos Olímpicos sobre a cidade e, principalmente, sobre a maioria de sua população.  

Felizmente para que não fiquemos neste debate dependendo de velhos clichês como o do “complexo de vira lata”, uma rica literatura já existe para que possamos sair do senso comum. Eu mesmo acabo de receber duas obras publicadas pelo Mórulo Editorial, com apoio da Fundação Heinrich Böll, que se colocadas juntas mostram que certos aspectos são indissociáveis de forma precisa e apoiada em dados objetivos da realidade.

Falo aqui da política sistemática de remoções nas áreas afetadas pelos megaeventos esportivos, começando pelos Jogos Panamericanos de 2007, passando pela Copa Fifa de 2014, e chegando nos Jogos Olímpicos de 2016.  Como bem mostram Lucas Faulhaber e Lena Azevedo na obra “Remoções no Rio de Janeiro Olímpíco”, a política de remoções faz parte de um processo sistemático de desrespeito aos direitos humanos que aprofunda o processo de segregação sócio-espacial e de desigualdade social.  É que, ao mesmo tempo que se removem os pobres, há um processo de investimento de capitais que valorizam as áreas de onde eles foram removidos, numa dança combinada entre agentes do Estado e os especuladores que se enriquecem com a apropriação dos melhores setores da cidade do Rio de Janeiro.

Essa atuação sistemática do Estado para remover populações pobres tem seu complemento numa atuação igualmente organizada de não cumprir compromissos na área ambiental que terminam novamente impactando os mais pobres.  Essa outra face da moeda é mostrada por Emanuel Alencar no seu “Baía de Guanabara, descaso e resistência” também publicado pela Mórula Editorial com apoio da Fundação Heinrich Böll.   A partir do que Emanuel Alencar nos mostra é possível ver que a manutenção do processo de degradação ambiental da Baía da Guanabara não é por falta de investimentos, mas por uma política sistemática de não dar continuidade a ações básicas, como a conexão das redes de coleta de esgotos, que termina punindo diretamente os que mais dependem daquele ecossistema, os pescadores artesanais.

O fato é que não há como se debater de forma minimamente séria o tal do “legado olímpico” se não conectarmos essas duas faces do problema. É que remover os pobres para regiões remotas do município do Rio de Janeiro e manter a Baía da Guanabara poluída tem como efeito uma maior acumulação de riqueza em poucas mãos.

Para os interessados em adquirir essas duas obras, basta clicar (Aqui!)

A estupidez da repressão aos protestos nos Jogos Olímpicos ganha cobertura internacional

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 O “The New York Times” e o “Washington Post, Dois dos principais jornais estadunidenses publicaram matérias sobre a repressão que está ocorrendo contra os protestos feitos por opositores ao presidente interino Michel Temer nas competições dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro (Aqui! Aqui!) (ver reproduções parciais  nas imagens abaixo).

Essa repercussão internacional mostra que atos de repressão feitos em frente de uma mídia minimamente disposta a mostrar o que está acontecendo é uma grande estupidez. É que melhoria seria deixar quem se dispor a protestar que o faça livremente. Até porque até onde eu vi essas ações são minoritárias. Agora, a repressão truculente não apenas produz péssima cobertura jornalística, mas como também acaba incitando a que outros se juntem ao protesto, como parece já estar ocorrendo, e de forma cada vez mais criativa, como bem mostra a imagem abaixo.

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A verdade é que as circunstâncias conspiram em prol de protestos cada vez mais fortes e organizados dentro e fora das áreas onde as competições estão sendo realizadas. A persistir a repressão, é bem provável que a cerimônia de encerramento seja ainda pior para Michel Temer, caso ele se arrisca a comparecer.