Reservatório de rejeitos da mineradora sul africana AngloGold Ashanti que foi descomissioando e transformado em uma pilha de rejeitos em Santa Bárbara (MG)
Desde janeiro de 2019 venho tratando de uma grande barragem de rejeitos gerida pela mineradora sul-africana AngloGold Ashanti no município de Santa Bárbara (MG). A primeira vez que tratei dessa barragem que contém rejeitos tóxicos gerados pela mineração de ouro foi postando um vídeo produzido pela médica veterinária e produtora rural Sara Xavier onde ela falava das suas preocupações com a estabilidade daquela estrutura, visto o potencial altamente poluidor dos materiais nela estocados.
Já em 2021e 2022 tratei de problemas que estavam ocorrendo com a estrutura da barragem que sinalizavam o risco da ocorrência de mais um “tsulama” em Minas Gerais, já que estrutura apresentava trincas que indicavam a possibilidade rompimento, que seria totalmente desastroso, especialmente por causa da presença do metal pesado arsênio no material estocado.
Pois bem, agora me chega a notícia de a barragem da AngloGold Ashanti foi “descaracterizada”, tornando-se na prática uma imensa pilha de rejeitos. Tive acesso a análises informais feitas por pessoas familiares com a estrutura da AngloGold Ashanti e o que me foi dito é que haverá a necessidade de que uma avaliação das condições de pressão interna da pilha de rejeitos. Essa mesma fonte lembrou que a Barragem B1 que rompeu em Brumadinho (MG) estava sem receber rejeitos por mais de 3 anos e mesmo assim houve o rompimento.
Desta forma, dada as dimensões da pilha de rejeitos (ver vídeo abaixo), a coisa mais segura a se fazer será cobrar do Conselho Municipal de Desenvolvimento Ambiental (Codema) de Santa Bárbara que faça o devido monitoramento das condições estruturais da pilha de rejeitos da AngloGold Ashanti. Afinal de contas, seguro morreu de velho.
A Serra do Curral é cartão-postal de Belo Horizonte. Foto: Robson Santos/Semad/PBH
Por Lúcia Lambranho para “Observatorio da Mineração”
Entre os integrantes do chamado “Núcleo de Atuação Interinstitucional” de envolvidos na Operação Rejeito, composto por pessoas com influência dentro da Agência Nacional de Mineração (ANM), Secretaria do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (SEMAD) e Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), está Gilberto Henrique Hora de Carvalho.
Geógrafo de formação, o acusado é identificado na investigação como um “grande articulador” da organização criminosa e que teria atuado, principalmente, junto à SEMAD e a Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais. Por meio da sua empresa, a GH Sustentabilidade firmou contrato, em março de 2021, com a Fleurs Global, uma das empresas do esquema, e teria recebido, entre 2021 até setembro de 2024, R$ 760 mil.
Segundo a investigação da Polícia Federal (PF) e da Controladoria-Geral da União (CGU), o geógrafo atuou “politicamente” para barrar dois projetos de lei no legislativo mineiro e na Câmara dos Deputados, o PL 1.125/2022 – de criação do Parque Nacional da Serra do Curral –ainda tramitando na Câmara, assim como o PL1449/2023, de criação do Monumento Natural da Serra do Curral, na ALMG.
As duas propostas legislativas eram “de grande interesse para o grupo”, pois a área engloba os locais onde se situam as operações de mineração das empresas investigadas, a Gute Sicht, Fleurs Global, MMF e Prisma.
Em um trecho do relatório, ao narrar as atividade de Giberto Henrique, o documento informa que também faz parte da área foco dos investigados a Empresa de Mineração Pau Branco (Empabra), empresa alvo da Operação Parcours, como detalhou o Observatório da Mineração em abril deste ano. E que a Empabra “possivelmente foi arrendada pelo grupo delituoso, mediante contrato de gaveta, fazendo parte do projeto Taquaril”.
O objetivo era justamente o de ignorar os tombamentos já concedidos no âmbito municipal, estadual e federal. No âmbito do governo federal, o tombamento foi determinado ainda em 2016 pela portaria do Portaria IPHAN n. 444, de 28 de novembro de 2016.
“Neste sentido foram encontrados diálogos envolvendo GILBERTO e JOÃO ALBERTO tratando especificamente da necessidade do lobista atuar para impedir o andamento do Projeto de Lei 1.125/2022 sendo que, segundo GILBERTO, a dimensão da área do projeto Serra do Curral ‘mataria’ todos os planos de exploração do PROJETO TAQUARIL. GILBERTO avisa, então, que naquele dia, 12/07/2023, houve uma reunião interna, com a criação de um grupo de trabalho e que ele estaria participando para ‘espionar’ e repassaria as informações para JOÃO ALBERTO, como de costume“, destaca o despacho judicial.
O João Alberto citado é João Alberto Paixão Lages, considerado pela PF como o diretor de “Relações Interinstitucionais” dos empresários envolvidos no esquema, “por possuir grande articulação junto ao poder público e o responsável por se aproximar dos donos das novas áreas prospectadas, bem como elaborar os contratos eventualmente firmados”.
Ex-gerente da ANM foi alvo das duas operações
Outro elo entre as duas operações é a atuação de Leandro Cesar Ferreira de Carvalho, afastado do cargo de gerente regional da ANM em Minas Gerais por conta de sua atuação em favor da Empabra. Na Operação Rejeito, ele é citado 43 vezes no despacho de deflagração da fase ostensiva da investigação, além dos pedidos de busca e apreensão nos seus endereços, afastamento da função pública na ANM e de prisão preventiva.
Segundo a PF, o ex-gerente da ANM “assumiu papel estratégico como agente público corrompido em esquema complexo e sofisticado”, com atividades mais concentradas entre 2023 e 2025.
“Em que pese Leandro já ter sido afastado de seu cargo de Gerente Regional da ANM/MG, em 28/03/25, no Pedido de Busca e Apreensão Criminal no 6006553- 27.2025.4.06.3800, em vista da atuação irregular do investigado junto à empresa EMPABRA, é necessário destacar que houve demonstração de uma evolução criminosa muito mais ampla, além de deter influência dentro da ANM, mesmo estando afastado“, diz o relatório.
O documento detalha a participação do gestor da ANM em outros três projetos minerários do grupo alvo da investigação:
– “O Projeto Rancho do Boi exemplifica essa evolução. Embora a aprovação irregular do Relatório Final de Pesquisa tenha ocorrido em maio de 2021, sua publicação oficial só se consumou em 25 de maio de 2023, através do Despacho no 67196/DIFIPMG/ANM/2023 assinado pelo próprio investigado.
– O Projeto Taquaril revela condutas ainda mais recentes. A cessão de direitos minerários da MMF foi praticada em 07 de agosto de 2023, com concessão de lavra publicada em 14 de março de 2024. Quanto à PRISMA MINERAÇÃO, o Alvará de Pesquisa foi publicado em 01 de abril de 2024. Seguiu-se a reveladora mensagem do investigado sobre “tomar um café” e o encontro presencial com o líder da organização em 09 de maio de 2024, culminando com a cessão total dos direitos em 20 de maio de 2024.
– As condutas mais recentes são as mais graves. O Projeto AIGA Mineração documenta atos de dezembro de 2024 a janeiro de 2025. Em dezembro de 2024, o investigado enviou minuta de Nota Técnica diretamente a João Alberto Lages via WhatsApp para “pente fino” e aprovação. Após receber orientações da organização criminosa, expediu a Nota Técnica 7333/2024 – GER-MG em 12 de dezembro de 2024″.
Escala de R$ 832 milhões para R$ 18 bilhões e atuação mesmo internado na UTI
Segundo a investigação mais recente, no caso de Leandro, houve uma “multiplicidade exponencial de projetos” em que ele atuou a favor dos investigados.
“Enquanto o primeiro período limitava-se ao favorecimento da EMPABRA, as investigações posteriores revelam atuação criminosa simultânea em múltiplos empreendimentos de grande porte: Projeto Taquaril envolvendo MMF e PRISMA MINERAÇÃO, Projeto Rancho do Boi avaliado em 1 bilhão de reais, Projeto HG Mineração, Projeto AIGA Mineração com rejeitos avaliados em 200 milhões e Projeto Patrimônio Mineração“, destaca o despacho da juíza.
O escalamento econômico é “exponencial”, diz o mesmo documento, que soma mais de R$ 18 bilhões de reais em potencial econômico em relação aos R$ 832 milhões do primeiro estágio, um “salto qualitativo na capacidade lesiva da atividade delitiva”.
Para fazer parte da organização criminosa, o então chefe da ANM em Minas Gerais não deixou de atuar nem mesmo com problemas graves de saúde, segundo a investigação.
“Foi identificado nesta investigação, por meio da análise da quebra de sigilo telemática de JOÃO ALBERTO que, mesmo afastado do cargo por motivo de doença e internado em UTI, em dezembro de 2024, LEANDRO continuou mantendo contato com servidores do órgão para adotar providências em benefício das empresas da ORCRIM, de modo a explicitar que mesmo agora afastado por decisão judicial, mantém influência no órgão (IPJ68/2025). Foram várias as mensagens trocadas entre LEANDRO e JOÃO explicitando que LEANDRO passou a integrar a organização criminosa“, revela o documento.
Quando detalha o caso do projeto Morro do Boi, o relatório judicial indica que o diretor pode ter sido o destinatário de pelo menos parte dos R$ 7,5 milhões para facilitar os negócios do grupo na ANM.
Como a reportagem de abril do Observatório da Mineração apontou, no caso que envolve o favorecimento da Empabra, que teria sido executado por Leandro, a investigação da Operação Parcours tem como base comunicações dos bancos ao COAF de movimentações suspeitas de sua esposa. No caso de Leandro Cesar, registram movimentações atípicas de mais de R$ 2 milhões.
Ex-superintendente do Iphan também teria participação no esquema
O despacho de deflagração da investigação também cita a então superintendente do Iphan em Minas Gerais, Debora França, entre os servidores públicos federais que teriam sido cooptados pelo esquema das mineradoras investigadas, inclusive no recebimento de valores para atuar na liberação de atividades em outra área tombada, osítio arqueológico Grupiara do Cubango.
Na descrição do cadastro no IPHAN, o bem registra que o local guarda “de estruturas que remetem à mineração aurífera colonial” e que mesmo assim teria sido liberado para atuação de uma das empresas do grupo, a Fleurs Global.
Segundo o documento, um processo no Iphan, que trata da regularização da planta de beneficiamento de minério de ferro da Fleurs Global, foi iniciada por Débora França e contrariou pareceres técnicos que indicaram que o empreendimento foi instalado na área do sítio arqueológico, além de estar sem os estudos de impacto exigidos pelo órgão federal.
“O RAIPA apresentado pela empresa omitiu completamente a possibilidade de danos irreversíveis ao patrimônio arqueológico, mesmo com evidências de que as estruturas estavam a menos de 5 metros do sítio. Apesar das recomendações técnicas contrárias à emissão de anuência, DÉBORA, por meio do Ofício no 859/2022, comunicou à Fleurs a aprovação do RAIPA e informou que, por já estar instalado e em operação, o empreendimento receberia anuência condicionada, vinculada à celebração de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC)”, diz outro trecho da investigação sobre a atuação da servidora.
Ex-diretora do Iphan afirma que alegações são um “equívoco”
A defesa de Debora França afirma que “possivelmente trata-se de um equívoco, uma vez que as conclusões da investigação se apoiam apenas em referências indiretas ao nome da Débora em conversas de terceiros”.
“Todos os pontos serão devidamente esclarecidos no momento e local oportuno. Confiamos que a Justiça fará a correta avaliação dos fatos”, diz o comunicado enviado ao Observatório da Mineração.
O advogado de João Alberto Lages informou que somente na última terça-feira (30) teve acesso à íntegra das medidas cautelares e que por enquanto “em respeito ao sigilo do processo e ao poder Judiciário, a defesa só irá se manifestar nos autos do processo judicial”.
O advogado de Gilberto Henrique Horta não retornou ao pedido e posicionamento da reportagem até o fechamento desta edição. O espaço continua aberto para as suas manifestações.
O Observatório da Mineração não localizou os contatos da defesa de Leandro Cesar Ferreira de Carvalho.
A China Nonferrous Mining informou aos investidores que o desabamento da mina de rejeitos não teve um “impacto significativo” no meio ambiente ou na população da Zâmbia. Um novo processo, no entanto, relata doenças, perda de meios de subsistência e medo entre os moradores locais.
Uma paisagem na Zâmbia 12 semanas após uma mina de cobre chinesa ter derramado resíduos tóxicos contaminados com metais pesados, incluindo chumbo, arsênio e urânio. Crédito: Katie Surma/Inside Climate News
Por Katie Surma para o “Inside Climate News”
Uma empresa de mineração chinesa nega que seuderramamento de resíduos tóxicos , um dos piores desastres ambientais deste ano, tenha tido um “impacto significativo” no meio ambiente ou nas comunidades locais.
Em uma declaraçãoregistradana quinta-feira na Bolsa de Valores de Hong Kong, a China Nonferrous Mining Corp. disse que o colapso em fevereiro da barragem de rejeitos em uma mina de cobre na Zâmbia resultou apenas em “vazamento parcial de rejeitos”.
O vídeo do vazamento, que durou meio dia e liberou milhões de litros de resíduos, mostra um lodo marrom jorrando para o interior. O lixo altamente ácido, rico em metais pesados, inundou rios e córregos, matando a vida aquática e deixando para trás uma camada de peixes inchados e mortos.
Desde o vazamento, os moradores que vivem abaixo da mina não conseguem usar com segurança a água subterrânea da qual dependem para beber, tomar banho, cozinhar e cultivar. Alguns moradores também relataram doenças, incluindo erupções cutâneas, sangue na urina, aperto no peito, sangramento nasal e visão turva, após exposição aos resíduos.
Uma nova ação judicial movida em nome dos moradores alega que a empresa fez de tudo para impedi-los de relatar suas experiências e obter ajuda. A denúncia alega que a empresa ameaçou moradores locais, alegando que está usando drones para monitorá-los e que seus telefones estão grampeados.
A China Nonferrous Mining é uma mineradora estatal chinesa e uma das principais empresas que operam globalmente como parte da abrangente Iniciativa Cinturão e Rota da China, um programa de um trilhão de dólares que investe em minas, portos, oleodutos e outros projetos de energia e infraestrutura em países predominantemente pobres. A subsidiária da China Nonferrous Mining, a Sino-Metals Leach Zambia, opera a mina de cobre onde ocorreu o rompimento da barragem de rejeitos em fevereiro.
O comunicado também atribuiu o desabamento da mina de rejeitos a “roubos e danos” no revestimento da mina e às fortes chuvas, embora a Instituição de Engenharia da Zâmbia, um órgão regulador profissional, tenhaalegadofalhas operacionais e de projeto na barragem de rejeitos. O grupo afirmou estar investigando o acidente.
O Ministério das Relações Exteriores da China tambémse pronunciousobre o vazamento na semana passada.
“As empresas envolvidas assumiram ativamente suas responsabilidades”, disse o porta-voz Lin Jian. “Solicitamos e continuaremos a exigir que as empresas chinesas no exterior cumpram as leis e regulamentações locais em suas operações, prestem atenção especial às suas responsabilidades corporativas e protejam rigorosamente o meio ambiente.”
Membros da comunidade em Kalusale, Zâmbia, se inscrevem para se tornarem autores em um possível processo contra a Sino-Metals Leach Zambia. Crédito: Katie Surma/Inside Climate News
Tanto o Ministério das Relações Exteriores quanto a China Nonferrous Mining destacaram declarações feitas por autoridades zambianas em uma coletiva de imprensa em 7 de agosto, alegando que os níveis de pH haviam se normalizado em cursos d’água impactados, “as concentrações de metais pesados estão diminuindo constantemente” e “o perigo imediato à vida humana, animal e vegetal foi evitado”.
As declarações entram em conflito com duas avaliações, incluindo os resultados de umestudoanterior e independente sobre os resíduos, realizado em nome da embaixada finlandesa, que encontrou altos níveis de 16 metais pesados, incluindo chumbo, arsênio e urânio.
A outra avaliação foi feita pelo próprio consultor da Sino-Metals e posteriormente vazada para a imprensa. O consultor, uma empresa sul-africana cujos clientes incluem grandes petrolíferas e outras grandes mineradoras, alertou sobre “substâncias extremamente perigosas” em terras e margens de rios afetadas, que colocam as comunidades a jusante “em sério risco de desenvolver defeitos congênitos, câncer, doenças hepáticas e pulmonares, problemas cardíacos e outras doenças crônicas”. O consultor também afirmou que o vazamento envolveu 30 vezes a quantidade de resíduos relatada anteriormente pela empresa.
A declaração da China Nonferrous Mining registrada na Bolsa de Valores de Hong Kong apontou outras declarações de autoridades do governo da Zâmbia, que a empresa caracterizou como elogios à Sino-Metals.
“O vice-presidente fez um discurso elogiando o SML por sua resposta oportuna e conquistas na gestão ambiental”, disse o comunicado, acrescentando: “O governo zambiano declarou que… nenhum problema de saúde grave ou surto diretamente relacionado a este incidente de poluição foi encontrado.”
Em junho, o governo da Zâmbiaanunciouque a Sino-Metals não cumpriu uma ordem governamental para fornecer uma avaliação de sua poluição, um primeiro passo para avaliar os danos e a remediação. Desde então, a Zâmbia assumiu esse processo, que ainda não foi concluído.
Grupos da sociedade civil da Zâmbia criticaram duramentearesposta do governo e da Sino-Metals ao vazamento, dizendo que ambosminimizaramo desastre e foram lentos para reagir, e que a Sino-Metals tentou erroneamente apresentar a questão como algo instigado pelo governo dos EUA por razões políticas.
Em 6 de agosto, a embaixada dos EUA em Lusakaemitiuum alerta aos cidadãos americanos para que não viajassem para áreas afetadas pelo vazamento e disse que havia transferido pessoal devido a ameaças à saúde causadas pela contaminação da água e do solo.
“Nenhuma outra opção”
Uma ação judicial movida em nome dos moradores afetados em setembro acusa a Sino-Metals de impedir que advogados e defensores visitem as pessoas afetadas e de causar ferimentos pessoais graves, perdas financeiras e danos materiais.
“Famílias e crianças continuaram a viver na mesma área” com contaminação por metais pesados excedendo os níveis seguros estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde e pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, diz a denúncia.
“Eles continuaram a beber e usar água de poços e furos rasos”, diz a denúncia, e “não tiveram outra opção a não ser continuar comendo as plantações contaminadas”.
Um morador de Kalusale com visão turva desde que água tóxica de uma mina de cobre atingiu seu rosto. Crédito: Katie Surma/Inside Climate News
A ação judicial busca o pagamento imediato de US$ 200 milhões como fundo de emergência e US$ 80 bilhões para um fundo de reparação e remediação administrado pelo governo.
A China Nonferrous Mining, que é negociada na Bolsa de Valores de Hong Kong com o código de ações 1258, chamou o processo de “infundado” na declaração que apresentou e disse que o vazamento não teve um impacto financeiro significativo na empresa.
Um segundo grupo de autores, em uma notificação de intenção de ação judicial, exigiu que a Sino-Metals pagasse US$ 220 milhões e estabelecesse um fundo de longo prazo de US$ 10 bilhões. A ação deve ser ajuizada esta semana.
Em outros casos de rompimento de barragens de rejeitos ao redor do mundo, os danos e os custos de remediação chegaram a dezenas de bilhões de dólares.
Barragens de rejeitos armazenam resíduos extremamente tóxicos e ácidos, incluindo metais pesados que podem causar danos à saúde de diversas maneiras. Por isso, os principais padrões da indústria exigem que as barragens de rejeitos sejam construídas para durar 10.000 anos. Metais pesados não se desintegram naturalmente e devem ser fisicamente removidos e armazenados.
Uma casa nos arredores da comunidade de Kalusale, em Copperbelt, na Zâmbia. Crédito: Katie Surma/Inside Climate News
A ação movida alega que, desde o final de julho, algumas operações de remoção física de resíduos de áreas impactadas “estão sendo conduzidas sem quaisquer medidas de proteção, como o uso de máscaras”, para os moradores que vivem a menos de 100 metros das operações.
“As operações em andamento estão gerando uma quantidade incalculável de poeira, levando à inalação de substâncias perigosas e cancerígenas — incluindo arsênio, cianeto, urânio e outros metais pesados”, afirma a denúncia, citando depoimentos de especialistas.
Os moradores, segundo a denúncia, já estão “enfrentando problemas de saúde significativos”. Esses problemas incluem problemas respiratórios, dor de estômago, diarreia, erupções cutâneas, irritação nos olhos e, acrescentou o processo, “até tosse com sangue”.
Moradores alegam ameaças e vigilância em processo judicial
Em setembro, a Sino-Metals começou a fazer pagamentos provisórios de indenização a alguns moradores, com alguns pagamentos variando de cerca de US$ 150 a US$ 850, de acordo com o processo pendente, que chamou os pagamentos de “grosseiramente inadequados”.
A ação judicial alega que, embora o governo tenha identificado 449 agricultores como “afetados”, o número real de zambianos afetados é muito maior. A denúncia cita uma declaração do governo de que as hidrovias afetadas sustentam “aproximadamente 300.000 famílias que dependem da pesca para sobreviver”.
“Nenhuma assistência está sendo dada ou prometida para as aproximadamente 300.000 famílias que perderam suas fontes de alimento e meios de subsistência e estão vivendo com incerteza e medo”, diz a denúncia.
A Sino-Metals exigiu que os destinatários dos pagamentos de indenização determinados pelo governo assinassem acordos legais isentando a empresa de toda responsabilidade pelos danos causados pelo vazamento, de acordo com a denúncia erelatado anteriormente pelo Inside Climate News .
A empresa, segundo a denúncia, “vem detendo e prendendo” ativistas e outros representantes da sociedade civil que visitaram moradores afetados, muitos dos quais têm “baixos níveis de educação formal” e que não tiveram acesso a aconselhamento jurídico antes de serem informados de que teriam que assinar as autorizações legais para receber os pagamentos mínimos de indenização.
A Sino-Metals, segundo a denúncia, “ameaçou e alertou a comunidade de que seus telefones foram grampeados, que a Autoridade de Tecnologia da Informação e Comunicação da Zâmbia (ZICTA) está gravando todas as suas conversas e que, se fizerem ou receberem ligações, enfrentarão consequências severas e não reveladas”.
A empresa também alertou os moradores de que “coloca drones sobre a comunidade para saber quem visita quem e quem os visita”, alegou a denúncia.
Os moradores temem por sua saúde, meios de subsistência e meio ambiente, diz a denúncia.
“Muitos estão tão perturbados que têm dificuldade para dormir, pois seus meios de sobrevivência foram destruídos sem qualquer apoio”, acrescentou. “Eles temem que, devido à saúde gravemente comprometida e à perda de renda, não consigam arcar com as inevitáveis contas médicas que os aguardam.”
No início deste mês, o vice-presidente da Zâmbia disse que o país pode ordenar que a Sino-Metals pague uma indenização adicional, dependendo do resultado da avaliação de poluição.
A declaração da China Nonferrous Mining arquivada na bolsa de valores disse que a Sino-Metals “cumpriu totalmente suas obrigações de restauração e remediação”.
Este artigo foi atualizado em 22 de setembro de 2025 para incluir informações sobre ações da China Nonferrous Mining.
Organização comandada por trio empresarial corrompia servidores públicos para exploração ilegal de minério de ferro em MG
Polícia Federal prendeu diretor da Agência Nacional de Mineração
Por Lucas Ragazzi para “O Fator”
A Polícia Federal deflagrou nesta quarta-feira (17) a Operação Rejeito, que resultou na prisão de 22 pessoas e no cumprimento de 79 mandados de busca e apreensão contra uma organização criminosa especializada em fraudar licenciamentos ambientais para mineração irregular em Minas Gerais. O esquema, que envolve um conglomerado de mais de 40 empresas, já movimentou R$ 1,5 bilhão e mantinha projetos em andamento com potencial econômico superior a R$ 18 bilhões. Veja ainda neste texto a lista completa de pessoas e empresas no alvo da operação.
A operação conjunta da PF com a Controladoria-Geral da União, Ministério Público Federal e Receita Federal expõe a captura sistemática de órgãos ambientais por interesses privados, revelando corrupção em escala industrial que comprometeu desde agências federais reguladoras até fundações estaduais de meio ambiente.
No centro da organização criminosa está um trio empresarial que coordenava as operações através do grupo de WhatsApp denominado “Três Amigos Mineração”. Alan Cavalcante do Nascimento exercia a coordenação geral da organização, controlando pagamentos de propina e articulando operações financeiras. O ex-deputado estadual João Alberto Paixão Lages ocupava o cargo de “Diretor de Relações Interinstitucionais”, responsável pela articulação política com autoridades. Helder Adriano de Freitas atuava como “Diretor Operacional”, especialista técnico que elaborava contratos e coordenava operações minerárias junto aos órgãos ambientais.
A investigação demonstra que os três ampliaram exponencialmente as atividades criminosas após se tornarem réus na Operação Poeira Vermelha, de 2020, ao invés de cessar as irregularidades. Entre novembro de 2020 e maio de 2022, criaram dezenas de empresas de fachada e expandiram a rede de corrupção para múltiplos órgãos públicos.
A lavagem de dinheiro e distribuição de propinas eram coordenadas por uma estrutura administrativa sofisticada. Felipe Lombardi Martins, conhecido como “o homem da mala”, transportava fisicamente valores em espécie para agentes públicos corrompidos. Noêmia dos Santos, descrita como “braço direito” de Alan Cavalcante, exercia a direção administrativa-financeira das empresas de fachada.
Jamis Prado de Oliveira Junior especializou-se na criação e operação de sociedades para dificultar o rastreamento de recursos, administrando múltiplas empresas utilizadas para sacar valores e ocultar origem dos recursos. Alexandre Ignácio e Alany Cavalcante do Nascimento, irmão do líder da organização, prestavam nomes para criação de empresas-barreira destinadas à lavagem de dinheiro.
O grupo mantinha uma rede de influência política através de operadores especializados. Danilo Vieira Junior, ex-secretário de Meio Ambiente de Nova Lima, recebia valores através de sua empresa de consultoria, tendo embolsado R$ 5 milhões em contratos suspeitos. Segundo a PF, José Newton Kury de Oliveira Coelho atuava como “arquiteto” das empresas de fachada, criando estruturas societárias complexas para ocultar a propriedade real das mineradoras.
Gilberto Henrique Horta de Carvalho atuaria em um papel de articulador político junto à Assembleia Legislativa mineira, pressionando decisões favoráveis nos órgãos ambientais estaduais. Ênio Marcus Brandão Fonseca, ex-superintendente do Ibama em Minas Gerais, integrava o núcleo de influência utilizando conhecimentos e contatos no órgão ambiental federal.
Diretor da ANM alterava decisões sob comando do grupo
Segundo a PF, a corrupção na Agência Nacional de Mineração atingiu os mais altos escalões. Caio Mário Trivellato Seabra Filho, diretor da ANM, é suspeito de receber R$ 3 milhões em propinas através de escritório de advocacia. Em 22 de novembro de 2024, Caio teria alterado resolução da agência em reunião, sendo que uma hora antes da sessão Alan Cavalcante havia enviado o trecho exato do voto no grupo de WhatsApp.
Guilherme Santana Lopes Gomes, ex-diretor nacional da ANM, participava das articulações desde dezembro de 2019. Leandro César Ferreira de Carvalho, gerente regional da agência, funcionava como informante interno, enviando minutas de decisões para aprovação prévia do grupo empresarial antes mesmo de serem tomadas.
A Fundação Estadual do Meio Ambiente tornou-se peça-chave do esquema de corrupção. Rodrigo Gonçalves Franco, presidente da FEAM, recebia pagamentos mensais em espécie. Em janeiro de 2025, embolsou R$ 100 mil para cassar licença da Vale que prejudicava projetos da organização. Em fevereiro, solicitou R$ 50 mil adicionais para repassar ao diretor Arthur Ferreira Rezende Delfim.
Arthur atuava como intermediário para licenças irregulares, coordenando decisões técnicas favoráveis aos projetos minerários. Fernando Baliani da Silva, servidor da FEAM, completava a rede de corrupção no órgão estadual, facilitando tramitações e influenciando pareceres técnicos.
A investigação identificou corrupção em múltiplos órgãos ambientais. Breno Esteves Lasmar, diretor-geral do Instituto Estadual de Florestas, participava do esquema para facilitar licenciamentos em áreas florestais. Fernando Benício de Oliveira Paula, integrante do Conselho Estadual de Política Ambiental, utilizava sua posição para influenciar decisões colegiadas.
Conglomerado de 40 empresas ocultava operações
A organização operavam segundo a PF, através de um intrincado sistema de empresas de fachada. A Fleurs Global Mineração funcionava como núcleo financeiro, movimentando R$ 4,3 bilhões entre 2019 e 2024. A Mineração Gute Sicht era a empresa original do esquema, utilizada nas primeiras operações irregulares na Serra do Curral. A Minerar Participações controlava os principais projetos minerários bilionários.
Após a Operação Poeira Vermelha, o grupo criou cinco empresas em 3 de novembro de 2020, uma sexta em 10 de novembro e quatro em dezembro do mesmo ano, totalizando 21 empresas entre novembro de 2020 e maio de 2022. O esquema utilizava até quatro camadas de empresas interpostas para dificultar rastreamento de recursos.
A AIGA Mineração envolvia exploração de rejeitos no valor de R$ 200 milhões, causando prejuízo direto à mineradora Vale através de decisões administrativas fraudulentas. O Projeto Patrimônio Mineração, na Serra de Ouro Preto, colocava em risco área de patrimônio histórico-ambiental, com propina documentada de R$ 500 mil pelo licenciamento.
Os projetos HG, Prisma e Rancho do Boi formavam o núcleo bilionário das operações, com potencial conjunto superior a R$ 17,3 bilhões e lucro líquido projetado de R$ 9,54 bilhões. O dano ambiental estimado à União supera R$ 18,2 bilhões.
Sistema sofisticado de corrupção
A organização desenvolveu metodologia refinada para corromper agentes públicos, iniciando com mapeamento de servidores com poder decisório, seguido de aproximação gradual com benefícios menores, escalada para pagamentos sistemáticos expressivos e manutenção de vínculos mesmo após mudanças de cargo.
Em 21 de novembro de 2024, véspera de julgamento na ANM, Alan Cavalcante transferiu R$ 700 mil para a Minerar, determinando pagamento imediato à AIGA. Na sequência, R$ 300 mil foram repassados ao escritório de advocacia que intermediava propina ao diretor Caio Seabra.
Além das 22 prisões, a Justiça Federal determinou bloqueio patrimonial de R$ 1,043 bilhão, atingindo 64 pessoas físicas e jurídicas. As atividades econômicas de 42 empresas foram suspensas, incluindo mineradoras, consultorias ambientais, holdings e sociedades anônimas de fachada.
Os 79 mandados de busca e apreensão foram cumpridos em residências, empresas, gabinetes da FEAM, Instituto Estadual de Florestas, ANM e Conselho de Política Ambiental, além do escritório de advocacia suspeito de intermediar propinas.
Lista completa dos alvos da Operação Rejeito
Presos Preventivamente
Núcleo de Liderança
Alan Cavalcante do Nascimento – Coordenador geral da organização criminosa
João Alberto Paixão Lages – Diretor de Relações Interinstitucionais
Helder Adriano de Freitas – Diretor Operacional
Operadores Financeiros 4. Felipe Lombardi Martins – “O homem da mala” 5. Jamis Prado de Oliveira Junior – Operador de empresas de fachada
Articulador Político: 6. Gilberto Henrique Horta de Carvalho – Lobista político
Agentes Públicos da ANM 7. Caio Mário Trivellato Seabra Filho – Diretor da ANM 8. Guilherme Santana Lopes Gomes – Ex-Diretor Nacional da ANM 9. Leandro César Ferreira de Carvalho – Gerente Regional da ANM
Agentes Públicos da FEAM 10. Rodrigo Gonçalves Franco – Presidente da FEAM 11. Arthur Ferreira Rezende Delfim – Diretor da FEAM
Afastados da função pública
Fernando Baliani da Silva – Servidor da FEAM
Breno Esteves Lasmar – Diretor-Geral do IEF
Fernando Benício de Oliveira Paula – Integrante do COPAM
Busca e Apreensão
Danilo Vieira Junior – Ex-secretário de Meio Ambiente de Nova Lima
Débora Maria Ramos do Nascimento França
Gustavo Rezende Calcavari – Advogado e empresário
Henrique Costa de Seabra – Irmão do diretor Caio Seabra
Jaime Eduardo Fonseca
José Newton Kury de Oliveira Coelho – “Arquiteto” das empresas de fachada
João Paulo Martins
Lirriet de Freitas Librão Oliveira – Chefe da URA-LM/FEAM
Lucas Fraga Cruz Cerqueira
Luiz Alberto Monteiro de Barros
Luiz Felipe Ribeiro Monteiro de Barros
Noêmia dos Santos – Diretora administrativa-financeira
Rafael Nogueira Brandão
Vitor Reis Salum Tavares – Ex-gestor ambiental da SEMAD
Ênio Marcus Brandão Fonseca – Ex-superintendente do IBAMA/MG
Bloqueio de Bens
Ana Luiza de Araújo Kury Coelho
Alany Cavalcante do Nascimento – Irmão do líder Alan Cavalcante
Alexandre Ignácio Gomes Abrantes
Silvane Maria Carneiro Larocca Vieira
Empresas com atividades suspensas
Principais Holdings e Mineradoras:
MINERAR PARTICIPAÇÕES SA
FLEURS GLOBAL MINERAÇÃO LTDA (movimentou R$ 4,3 bilhões)
AIGA MINERAÇÃO S.A.
PATRIMÔNIO MINERAÇÃO LTDA
HG MINERAÇÃO SA
PRISMA MINERAÇÃO LTDA
FERRO SUL MINERAÇÃO SA
Empresas de Participações:
NALA PARTICIPAÇÕES SA / H9 PARTICIPAÇÕES SA
ANHD PARTICIPAÇÕES SA
ÁGUIA PARTICIPAÇÕES SA
IDTF PARTICIPAÇÕES SA
KIP PARTICIPAÇÕES LTDA
PASSOS PARTICIPAÇÕES SA
JNJN PARTICIPAÇÕES SA
NCS PARTICIPAÇÕES LTDA
NS PARTICIPAÇÕES SA
LUA NOVA PARTICIPAÇÕES SA
ZFSS PARTICIPAÇÕES SA
FOCO PARTICIPAÇÕES DE EMPRESAS LTDA
Empresas de Consultoria e Serviços:
DELACULT CONSULTORIA E ARQUITETURA LTDA
GREEN GESTÃO DE PROJETOS AMBIENTAIS
MINAS GERAIS CONSULTORIA AMBIENTAL LTDA
M.A. CONSULTORIA AMBIENTAL LTDA
Outras Empresas:
MINERAÇÃO GUTE SICHT LTDA
IRONTECH MINERAL LTDA
IRONTECH MINERAÇÃO SA
MINAS MINÉRIO DE FERRO SA
ONIX CÉU ABERTO MINERAÇÃO SA
MINERP LTDA
ABRIL PROCESSAMENTO E COMÉRCIO MINERAL LTDA
VALEFORT COMÉRCIO E TRANSPORTE LTDA-ME
Holdings e Participações Adicionais:
FH10 PARTICIPAÇÕES LTDA
JH MINAS PARTICIPAÇÕES LTDA
LF HOLDING LTDA
SERRA NEGRA EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA
Escritório de Advocacia:
QUEIROGA, VIEIRA, QUEIROZ E RAMOS ADVOCACIA (bloqueio limitado a R$ 3 milhões)
Vista aérea do Vale do Jequitinhonha | Crédito: Pixabay
Por Thyago Henrique para o “Diário do Comércio”
O licenciamento ambiental concomitante (LCA) do projeto Anitta, da Atlas Lithium, em Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha – que envolve lavra a céu aberto, pilha de rejeito/estéril e estrada para transporte de minério – estava previsto para ser votado pela Câmara de Atividades Minerárias do Conselho Estadual de Política Ambiental (CMI/Copam) em reunião na sexta-feira (29), mas foi barrado pela Justiça Federal em Minas Gerais.
Na véspera, o juiz Antônio Lúcio Túlio de Oliveira Barbosa, da Vara Federal com Juizado Especial Federal (JEF) Adjunto deTeófilo Otoni, determinou que o Estado de Minas Gerais suspendesse imediatamente a deliberação e votação do processo, bem como se abstenha de pautá-lo em reuniões futuras até que seja proferida uma nova decisão judicial.
O pedido de tutela de urgência foi proferido no âmbito de uma ação civil pública (ACP), movida pela Federação das Comunidades Quilombolas do Estado de Minas Gerais (N’Golo) contra a Atlas, o Estado e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Os réus foram procurados, mas apenas a Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais (AGE) retornou, informando que “irá se manifestar nos autos do processo”.
Na ACP, a N’Golo alegou que a Atlas não realizou o Estudo do Componente Quilombola (ECQ) e a consulta prévia à Comunidade Quilombola de Giral, Malhada Preta, Água Branca e Santa Rita do Piauí, certificada pela Fundação Cultural Palmares, cujo território se encontra a cerca de 5,55 quilômetros (Km) da Área Diretamente Afetada (ADA). A federação ainda acusou a empresa de prestar informação falsa no Estudo de Impacto Ambiental (EIA), ao afirmar que a comunidade estaria a mais de oito Km do projeto.
Ao acatar o pedido da N’Golo, o magistrado, na prática, proíbe o Estado de deliberar sobre o licenciamento ambiental do Anitta até que a mineradora elabore o ECQ e a consulta livre a comunidade quilombola. Cabe ressaltar que os réus podem contestar a deliberação.
O que disse o magistrado
O magistrado apontou na decisão que a consulta prévia dos povos e comunidades tradicionais é obrigatória e disse que, no próprio EIA, a Atlas traz um mapa indicando que a comunidade quilombola está a menos de oito Km do Anitta. O juiz também mencionou uma controvérsia da Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam).
Segundo Barbosa, o parecer do órgão ambiental reconhece que a comunidade quilombola está a 5,55 Km da ADA do projeto. Ele ainda afirmou que a justificativa do órgão para dispensar a consulta baseada na existência de uma “barreira natural, a Chapada do Lagoão”, “parece, à primeira vista, insuficiente para afastar uma presunção estabelecida em norma federal e o dever imposto por um tratado internacional de direitos humanos”.
Para a federação, a decisão representa uma importante vitória das comunidades
A N’Golo recebeu com satisfação a decisão da Justiça. Conforme nota assinada pelo advogado da federação, Matheus Mendonça Gonçalves Leite, “a decisão judicial representa uma importante vitória das comunidades quilombolas na resistência à expansão da mineração predatória no Vale do Jequitinhonha, vergonhosamente denominado pelo governador do Estado de Minas Gerais como Vale do Lítio”.
Leite destaca que o Jequitinhonha é o vale da riqueza, da solidariedade e do bem-viver dos povos e comunidades tradicionais. Para o advogado, o Estado de Minas Gerais, “subserviente aos interesses do capital minerário, está violando, de modo sistemático e generalizado, os direitos humanos e fundamentais das comunidades quilombolas nos licenciamentos ambientais de empreendimentos minerários”.
Hoje (03/9), a Coalizão Florestas e Finanças lançou um novo relatório sobre o financiamento de mineradoras que exploram “minerais de transição”.
O relatório Mining and Money: Financial Faultlines in the Energy Transition(Mineração e Dinheiro: Falhas Financeiras na Transição Energética) mapeia os principais financiadores e investidores nas mais de 100 maiores mineradoras, a nível global, que minam “minerais de transição”. Também traz uma análise das políticas das principais instituições financeiras para o setor de mineração e traz 4 estudos de caso, que demonstram os impactos socioambientais causados pelas mineradoras, em diversos lugares do mundo.
Na semana passada, a Coalizão Florestas e Finanças também lanço uma versão em Portugues, focado no Brazil, que está disponívelaqui.
Além do relatório, foi publicado o banco de dados dos fluxos financeiros, que pode ser acessado livrementeaqui, e os detalhes das análises das políticas das instituições financeiras, aqui.
Os principais achados da análise de fluxos financeiros:
● Entre 2016 e 2024, bancos injetaram US$ 493 bilhões em empréstimos e subscrições na mineração de minerais em transição – 53% desse valor foi para apenas dez empresas.
● 63% do crédito para mineração de minerais em transição veio de bancos na China, Estados Unidos, França, Canadá e Japão.
● Investidores detinham US$ 289 bilhões em títulos e ações de empresas de mineração de minerais em transição em junho de 2025 – 82% estavam em apenas dez empresas.
● 80% do investimento veio de instituições nos Estados Unidos, Austrália, Reino Unido, Japão e Brasil.
Principais achados da análise de políticas:
● A pontuação média das políticas de 30 grandes instituições financeiras foi de 22%.
● Dois dos maiores investidores do mundo – Vanguard e CITIC – obtiveram a menor pontuação, apenas 3%.
● A pontuação máxima (Fundo de Pensão do Governo Norueguês) foi de 48%, mas mesmo assim não possuía salvaguardas essenciais em relação à gestão de rejeitos, legalidade fundiária e recuperação de minas.
● As pontuações sociais tiveram média de apenas 19%, com 80% das instituições sem qualquer política sobre Defensores dos Direitos Humanos, e nenhuma instituição tinha salvaguardas para Povos Indígenas que vivem em isolamento voluntário.
Conclusões dos quatro estudos de caso no relatório:
● As operações de níquel do Grupo Harita na Indonésia são movidas a carvão e causam desmatamento, contaminação da água e impactos à saúde pública há mais de uma década.
● As operações de ferro e níquel da Vale no Brasil causaram décadas de conflitos sociais e dois rompimentos catastróficos de barragens que mataram centenas de pessoas e causaram o maior desastre ambiental do Brasil.
● As operações de cobre e cobalto da Molybdenum na República Democrática do Congo deslocaram comunidades, exploraram trabalhadores e poluíram fontes de água.
● As operações de alumínio (bauxita) da Alcoa e da South32 na Austrália destruíram florestas, ameaçaram a segurança hídrica e violaram os direitos dos proprietários tradicionais Noongar.
As recomendações do relatório já foram endossadas por 40 organizações (veja aqui– esta pagina será melhorada e traduzida em breve), e continuam abertas para serem endossadas no seguinte endereço eletrônico merel@ran.org.
Lula em lançamento de investimentos da Vale no Pará / Ricardo Stuckert
Por Maurício Ângelo*
É comum que aquilo se fala em cima de um palanque tenha um tom exaltado acima do normal. O que não dá para ignorar é quando esse discurso se descola da realidade. O presidente Lula incorreu neste erro ao elencar, aos gritos, os recursos brasileiros que são alvo do interesse internacional, especialmente dos Estados Unidos e de Donald Trump no atual contexto geopolítico, dizendo que “ninguém põe a mão”nos nossos minérios estratégicos e que “esse país é do povo brasileiro”.
Esses arroubos de soberania podem inflamar a militância, mas não tem amparo na história passada e atual. Pelo contrário: Lula sabe bem que todo mundo já “meteu a mão” nos minerais nacionais, inclusive com apoio recorrente do seu governo – e de todos os governos anteriores – em atrair empresas estrangeiras, investidores, abrir novas áreas de exploração, expandir áreas em operação e criar políticas e programas de incentivo ao setor mineral, além do empréstimo direto, sobretudo via BNDES.
A política de conceder suas riquezas minerais para outros países no mercado internacional é, aliás, a base da própria política mineral brasileira desde sempre.
A indústria nacional ganhou impulso com a criação das então estatais Vale e CSN durante o governo de Getúlio Vargas no período da Segunda Guerra Mundial justamente para fornecer minérios para o complexo industrial-militar da época em acordo com os Estados Unidos, com dinheiro americano.
Multinacionais canadenses, americanas, chinesas, inglesas, francesas, suíças, japonesas e de várias outras nacionalidades dominam o mercado brasileiro. Investidores e acionistas estrangeiros estão por trás de todas essas empresas. A produção mineral brasileira segue sendo majoritariamente para exportação, com baixíssimo processamento interno. Somos mais exportadores de commodities hoje do que éramos há 20 anos atrás, no primeiro governo Lula.
Os recursos minerais, constitucionalmente, são da União. Portanto, do povo brasileiro. O Executivo concede para as mineradoras o direito de explorar determinado mineral. Na prática, o que existe é uma sociedade entre governo federal e capital privado global. O governo atua diuturnamente para facilitar a vida das mineradoras, criar e ampliar empréstimos, subsídios, benefícios, programas e simplificar o licenciamento ambiental, com apoio do Congresso dominado pelo lobby minerador, como o caso do PL da Devastação ilustra perfeitamente.
Mas também nas mudanças infralegais praticadas pela Agência Nacional de Mineração e Ministério de Minas e Energia nos últimos anos, seguindo orientações da OCDE ou por conta própria, o que não precisa passar pelo Congresso. E os governos estaduais, todos eles cooptados pelo dinheiro da mineração e a dependência forjada e alimentada do modelo mineral, seguem na mesma página.
Repito, não é exclusividade de Lula III, mas de todos os presidentes que passaram pelo cargo e todos os governadores em todos os estados, não importa o espectro político.
Fonte: Anuário Mineral Brasileiro
Brasil-EUA firmaram acordo para explorar minerais nos últimos anos
É compreensível que as ameaças de Donald Trump, um neofascista convicto, que tem usado o poder geopolítico americano para se apropriar (ou tentar) de reservas minerais na Ucrânia, Groenlândia e em outros países, assim como tentar anistiar Jair Bolsonaro e ameaçar o mercado brasileiro e de vários países com tarifas absurdas, inflame os ânimos.
No dia a dia da política, porém, a relação BR-EUA é bem mais amistosa.
Não faz muito tempo, no fim de 2024, Brasil e Estados Unidos, ainda sob Biden em fim de governo e Trump já eleito, assinaram um acordo durante o G20 para exploração de minerais críticos que, detalhamos aqui, foi cercado de sigilo e com pontos nebulosos como a ausência de salvaguardas ambientais, as contrapartidas sociais e medidas que ajudem na reindustrialização do país.
Foi uma tratativa direta entre Planalto e Casa Branca, afirmou o próprio MME ao Observatório da Mineração. Desde 2020, na realidade, durante o governo Bolsonaro, foi criado um GT entre Brasil e Estados Unidos para discutir justamente a exploração de minerais críticos. Nestes 5 anos, porém, o tal GT pouco avançou.
Sob Donald Trump, alertamos, tais acordos seguiriam repletos de incerteza. Os movimentos recentes ilustram esses desdobramentos.
Embora haja ruídos significativos nas chantagens feitas por Trump ao Brasil, é bem provável que o pragmatismo, a pressão e a interlocução da indústria minero-siderúrgica imperem para que um meio termo seja alcançado.
É curioso como a mídia não especializada está tratando as reuniões do IBRAM, que representa 90% da produção privada mineral no Brasil e tem entre as suas associadas as mesmas multinacionais que dominam o mercado global, com representantes dos Estados Unidos. O IBRAM está fazendo o que sempre faz. Negociando os seus interesses com quem precisa. E de modo geral bem alinhado com o MME, ANM e os parlamentares que apoia no Congresso.
Foto: Ricardo Stuckert
Grandes bancos e fundos de investimento americanos, como JP Morgan, BlackRock, Vanguard e outros, são acionistas e investidores de empresas como a própria Vale, maior mineradora brasileira e entre as maiores do mundo. A BlackRock, maior fundo do planeta, detém 5,9% da Vale, que, de capital brasileiro, ainda tem a Previ (8,6%), além de outros investidores e das “golden shares” que o governo brasileiro tem direito. Lula foi o primeiro presidente, em muito tempo,a visitar as instalações da Vale no Paráno anúncio de grandes investimentos para os próximos anos.
Dinheiro norte-americano segue inundando o setor mineral brasileiro, como a Mosaic Fertilizantes, empresa dos Estados Unidos, entre as maiores do planeta, que detém grandes minas de fertilizantes (fosfato) no Brasil, inclusive com problemas crônicos em barragens e conflitos com agricultores em Goiás e MG. Fertilizantes que, da lista de minerais considerados estratégicos pelo Brasil – quase tudo, diga-se – são uma das únicas substâncias que o Brasil realmente depende de importação.
Além dos EUA, o governo Lula anda fazendo uma série de acordos envolvendo minerais críticos com a China editaduras árabes, por exemplo. Todos bastante nebulosos, sem transparência clara, regras na mesa, comunicados detalhados, mas que colocam a tal soberania nacional no colo e nas mãos de outras potências mundiais. Essa foi a tônica desde o início do atual governo.
Lula sabe bem, reforço, que todo mundo já meteu a mão nos minerais brasileiros e seguirão abocanhando a riqueza nacional, com baixíssimo retorno para a sociedade. E que essa é uma política de Estado que atravessa décadas, com gigantesco empenho de políticos das mais variadas origens, que jamais foi questionada ou interrompida.
Pelo contrário: é a própria base da política mineral brasileira, estender o tapete vermelho para o dinheiro americano e para quem mais quiser.
*Maurício Angelo é fundador e Diretor Executivo do Observatório da Mineração. Doutorando em Ciência Ambiental na Universidade de São Paulo (PROCAM-USP). Mestre em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (CDS-UnB). Professor e palestrante. Repórter com centenas de matérias publicadas na mídia brasileira e internacional. Eleito um dos três jornalistas mais relevantes do Brasil no setor de Mineração, Metalurgia e Siderurgia pelo Prêmio Especialistas de 2022 e 2021. Vencedor do Prêmio de Excelência Jornalística da Sociedade Interamericana de Imprensa (2019).
Barragem B1-A tem 37 metros de altura e está localizada em Brumadinho, na Grande BHFoto: Flavio Tavares / O TEMPO
Por Gabriel Rezende para o “O Tempo”
Um prédio de 12 andares. Essa é a altura dabarragem B1-A, da empresa Emicon Mineração e Terraplanagem, localizada na comunidade do Quéias, em Brumadinho, Região Metropolitana de Belo Horizonte. A estrutura chegou ao nível 2 de alerta, o penúltimo da escala que vai até 3 da Agência Nacional de Mineração (ANM). Tal classificação exige a necessidade de medidas preventivas, como a evacuação de áreas de risco. Segundo as autoridades, não há, até o momento, indícios de ruptura iminente.
Apesar disso, a existência de uma barragem em risco revive o luto da cidade que foi palco do desastre de 2019, quando uma estrutura da mineradora Vale rompeu, causando a morte de 270 pessoas, incluindo duas grávidas. A barragem que se rompeu há seis anos era maior: tinha 86 metros de altura, o que equivale a um prédio de 28 andares, e 720 metros comprimento da crista. Além disso, concentrava 12 vezes mais rejeitos.
Conheça a barragem que está em nível 2 de alerta
A B1-A é uma barragem de rejeito de minério com 37 metros de altura — o equivalente a um prédio de 12 andares — e 273 metros de comprimento de crista, quase três campos de futebol enfileirados. Ela está localizada perto da BR-381, a Fernão Dias, e ao lado de outro complexo minerário.
Método de construção
A barragem foi construída com o método de alteamento por linha de centro, utilizando terra e enrocamento como materiais principais. Esse método é considerado mais seguro que o de alteamento a montante, técnica usada nas estruturas que romperam em Mariana, em 2015, e em Brumadinho, tragédias que mataram, respectivamente, 19 e 270 pessoas.
Diferentemente do alteamento a montante — proibido no Brasil desde 2022 por representar maior risco de instabilidade —, o método por linha de centro consiste em levantar a barragem verticalmente sobre a base inicial, sem deslocá-la em direção ao reservatório.
Apesar de não ser proibido, o método de alteamento por linha de centro está sujeito a exigências técnicas de estabilidade e segurança. Foi justamente a ausência de documentos que fizeram com que as autoridades elevassem o nível de alerta.
Operação e desativação
A barragem começou a operar em dezembro de 1996 e foi desativada em 2 de janeiro de 2014. Ao todo, armazena 914 mil metros cúbicos de rejeitos — um volume cerca de 12 vezes menor do que o da barragem B1 da mina Córrego do Feijão, que colapsou há cinco anos. Segundo a ANM, há pessoas vivendo permanentemente na área a jusante da estrutura, o que aumenta o nível de atenção das autoridades.
Os dados estão disponíveis no Sistema Integrado de Gestão de Barragens de Mineração, da ANM.
Criação de comitê
Diante do cenário, a administração municipal criou uma Comissão Estratégica Municipal (CEM) para acompanhar a situação. O grupo será composto pelo prefeito, pela Defesa Civil e por representantes das secretarias de Segurança Pública, Planejamento, Desenvolvimento Social, Meio Ambiente, Obras, Saúde, Procuradoria-Geral, Governo e Reparação. Segundo a prefeitura, todas as pastas estão de plantão para atuação imediata, caso necessário.
A evacuação preventiva das famílias que vivem na ZAS segue em andamento, de forma humanizada e com o suporte da Defesa Civil, do Corpo de Bombeiros e de outros órgãos estaduais e federais. Ainda segundo a administração, não há, até o momento, indícios de ruptura iminente, e todas as ações adotadas têm caráter preventivo, conforme prevê o Artigo 42 da Resolução ANM nº 95/2022.
Barragem da Vale em Brumadinho era considerada de “médio porte” poluidor. Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil
Por Maurício Angelo para o Observatório da Mineração
Eu gostaria que o título desse texto fosse qualquer coisa que não a descrição mais adequada ao que a indústria mineral, representada pelo IBRAM, maior e mais representativo grupo do setor, defende.
Porém essa contradição evidente, essa ilusão cínica, esse delírio compartilhado, proferido, despejado, repetido e divulgado incessantemente nos últimos anos é exatamente isso. George Orwell, em “1984”, chama de “duplipensar”. Abre aspas: “ter consciência de completa veracidade ao exprimir mentiras cuidadosamente arquitetadas, defender simultaneamente duas opiniões opostas, sabendo-as contraditórias e ainda assim acreditando em ambas; usar a lógica contra a lógica”, cravou em sua distopia.
Esse negacionismo não é igual ao negacionismo climático, escrevi, mas o oposto: se alimenta da crise climática para afirmar a centralidade dos minerais para superarmos a crise e reconhece cientificamente os pressupostos dessa mesma crise climática para se colocar como crucial para a mudança. Ele não nega a concretude e as consequências das mudanças climáticas, mas reafirma essa realidade e essa urgência justamente para colocar os minerais críticos como caminho para resolver o problema. É um negacionismo muito mais sofisticado e inteligente, reconheci.
No caso do apelidado“PL da Devastação”, aquela geringonça em tramitação há décadas no Congresso que sofreu uma metamorfose para cair nas graças dos ruralistas e lobistas de mineradoras, recém endossado com entusiasmo pelo Senado, que tratou – finalmente – de incluir a mineração no conjunto mais destrutivo de regras para o licenciamento que se pode imaginar, esse negacionismo é tão escandaloso quanto o próprio projeto de lei.
O IBRAM, diz nova divulgada recentemente, apoia o PL por “conferir mais agilidade ao processo de licenciamento de empreendimentos importantes para a economia nacional, de modo a destravar um dos grandes gargalos do setor produtivo”. Para o grupo que concentra 90% da produção mineral brasileira, o PL “situa o Brasil no rumo certo para o desenvolvimento e este é uma contribuição inequívoca das duas Casas do Parlamento para o futuro do país e dos brasileiros, com o devido respeito ao meio ambiente, em especial por ser este o ano da COP 30”.
Embora ainda possa sofrer alterações na Câmara, o texto como está hoje é um verdadeiro “libera geral” para a mineração e outros setores: coloca sob responsabilidade das próprias empresas, em muitos casos, o “autolicenciamento”,um dos sonhos do lobby empresarial há muito tempo. Incluindo projetos de “pequeno e médio porte poluidor” – uma abstração que inclui gigantescas operações de mineração e barragens capengas, como era o caso de Brumadinho, que ninguém – literalmente – pode garantir que se sustentam em pé. Ou seja: as próprias empresas vão atestar que “tá tudo bem”, concedendo a licença para elas mesmas.
Ainda: a transição energética e os minerais críticos – um termo surgido no caldeirão da Primeira Guerra Mundial que foi resgatado com nova roupagem para o século XXI, embora represente a mesma coisa – são o argumento preferencial para esse vale tudo mineral, que privilegiará “projetos estratégicos” para a indústria e supostamente para o país.
O IBRAM insinua, nada discretamente, que os US$ 64,8 bilhões de investimentos anunciados pelo setor para os próximos anos – número sem qualquer transparência e aderência ao mundo real – pode “até se multiplicar” se o PL for aprovado.
No fantástico mundo da indústria, a mineração brasileira, após Mariana (2015), Brumadinho (2019) e Braskem em Maceió, para citar apenas três dos maiores desastres provocados pela mineração no mundo, todos concentrados em menos de 10 anos, agora é outra coisa: os R$1,2 trilhão – trilhão – faturados apenas de 2019 para cá foram comprometidos em “transformações estruturais”, mais transparência, segurança e um relacionamento exemplar com as comunidades vulneráveis que deram o azar de serem cercadas pela mineração nas últimas décadas.
Embora não haja qualquer fundamento sério, sistemático e comprovável de que o modelo mineral brasileiro mudou para melhor, e esse é um trabalho que sem dúvida não será feito em poucos anos, a indústria segue vendendo um mundo colorido que contradiz os fatos. Para além dos grandes desastres, que não são pouca coisa, esse Observatório da Mineração é o mais robusto e confiável registro sobre a destruição planejada que a mineração industrial tem provocado no Brasil na última década e como o lobby mineral atua incessantemente para garantir os seus interesses, independente de quem esteja ocupando o cargo máximo do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. Porque não importa mesmo.
Dizem que a imprensa é “o quarto poder”. Balela. Quem exerce mesmo esse poder, e exerce com requintes de demonstração diária, inclusive sobre 99% dessa mesma imprensa, é a grande mineração.
Se os combustíveis fósseis teoricamente caíram em desgraça, embora o mundo siga injetando trilhões de dólares em petróleo, gás e carvão, estas empresas – assim como as mineradoras – batem recorde de lucro, tem os políticos do Norte e do Sul Global no bolso e controlam rigorosamente o que interessa nas negociações das COP’s – Belém será apenas mais uma demonstração cabal disso– e em outras instâncias também, a mineração acena para ocupar o lugar que as petroleiras não podem mais, pelo menos oficialmente.
É “indispensável frisar”, diz o IBRAM, que o texto do PL nº 2.159/2021 assegurará ao Brasil lugar de destaque como “player mundial” em “um cenário net zero e líder da agenda de transição energética, uma vez que o país produz a maioria dos minerais considerados críticos e estratégicos, tanto para alcançarmos uma economia de baixo carbono quanto para reduzir a dependência da importação de fertilizantes”.
A última frase é um aceno ao agronegócio, irmão em armas, em lobby, em infraestrutura, logística, poder, influência e dinheiro, ainda que muito mais pulverizado e “frágil” quando comparado com quem manda no mundo realmente. Afinal, o agronegócio, via fertilizantes, também depende da mineração. Todos nós dependemos. E a mineração, ciente disso, usa muito bem esse argumento para obliterar toda e qualquer crítica, para desprezar quem ousa questionar o modelo espetacular de desenvolvimento pelo qual passamos nos últimos 5 séculos e 25 anos.
Gente muito boa discorda da visão do IBRAM sobre o PL 2159/2021. Mais de 350 organizações movimentos sociais – veja, trezentos e cinquenta – assinaram um manifesto contra o gentilmente apelidado “PL da Devastação” que “estraçalha o licenciamento ambiental no país”, diz, letra por letra, a nota divulgada pelo Observatório do Clima.
“O projeto de lei representa a derrocada de mais de 40 anos de construção da legislação ambiental. Além de ser juridicamente insustentável, compromete fundamentos constitucionais da política ambiental e viola direitos essenciais, como o acesso à saúde e a um meio ambiente ecologicamente equilibrado”, diz o texto.
O cenário atual do licenciamento ambiental no Brasil, no entanto, não é exatamente uma maravilha. A Agência Nacional de Mineração concedeu milhares de “guias de utilização” – algo que deveria ser excepcional – para empresas atuarem, na prática, sem qualquer licenciamento, como revelamos exclusivamente em fevereiro. O libera geral já acontece na prática, sob a mira do Tribunal de Contas da União (TCU).
Além disso, as mineradoras são muito hábeis em “sugerir” alterações em leis, normas, regras, decretos, resoluções, todo tipo de norma infralegal no nível federal, estadual, municipal, em controlar cada aspecto do licenciamento ambiental. Minas Gerais e Pará são exemplos gritantes disso e eu produzialgumas matériasespeciais nos últimos anos que mostram exatamente como o lobby mineral manda órgãos públicos ajoelharem e rezarem.
O IBRAM não está sozinho nesta, bom lembrar. O próprio governo Lula III e sua base no Congresso é majoritariamente a favor do PL da Devastação e o Executivo jádeu inúmeras demonstraçõesde que não só não está interessado em travar esse PL como que concorda enormemente com os seus termos gerais.
É o mesmo governo que“converge em 90% dos temas” com a Vale, como dito por um executivo da mineradora recentemente. É o mesmo governo, representado por Alexandre Silveira, ministro de Minas e Energia que recebeu mais de R$ 2 milhões em doações de mineradoras para suas campanhas políticas nos últimos anos, como mostramos aqui ainda em 03 de janeiro de 2023.
O PL da Devastação, que realmente destrói com o que sobrou do licenciamento ambiental no Brasil – e sobrou pouca coisa – coroa uma década de intenso lobby mineral em diferentes governos, em um Congresso financiado majoritariamente pelas mesmas empresas e empresários que ditam o que querem e o que não querem.
O “presidencialismo de coalizão” já era e o “parlamentarismo”, que volta à baila após anos de fortalecimento de um congresso extremista de direita e inundado por dinheiro empresarial, também não dá conta da realidade: somos um país governado pelo mercado e pelo mercado seguiremos sendo governados, não importa quem seja eleito em 2026.
A aniquilação do licenciamento ambiental é apenas o capítulo mais recente, embora um muito relevante, que a maioria das pessoas não dá a mínima, desse óbvio ululante. Uma previsão sempre segura: vai piorar.
Confira logo abaixo dados do Boletim Mensal EduMiTede Junho – 2025 e fique sabendo sobre a situação de barragens de mineração no Brasil e em Minas Gerais.
Este boletim foi elaborado no âmbito do ObservatóRio de Barragens de Mineração (OBaM) do Grupo de Ensino, Pesquisa e Extensão Educação Mineração e TerritóRio (EduMiTe) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) com base em dados obtidas junto aos bancos de dados da Agência Nacional de Mineração (ANM)
Esta edição do Boletim do EduMiTe contém estatísticas cruciais, a situação de riscos (Nível de Alerta e Emergência) e oferece uma visão geral nacional e rankings de municípios e mineradoras.
Dentre as muitas informações alarmantes que esta edição do Boletim do EduMite traz estão as seguintes:
📌 A presença de 97 barragens no Brasil em Nível de Alerta ou Emergência, sendo 55 com Dano Potencial Associado (DPA) alto; 📌 O risco crítico envolvendo as barragens Serra Azul (ArcelorMittal, Itatiaiuçu/MG) e Forquilha III (Vale S.A., Ouro Preto/MG), ambas em NE3; 📌 O cenário preocupante do Quadrilátero Ferrífero-Aquífero (QFA-MG), que concentra 223 barragens, das quais 101 possuem DPA alto e 28 são construídas pelo método a montante, considerado mais vulnerável.
Quem tiver interesse em baixar a edição completa da edição de junho/2025 do Boletim EduMite, basta clicar [Aqui!].