Diminuição drástica nas inscrições do SISU é um “sucesso” da política de desmanche da educação brasileira do governo Bolsonaro

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Se ficasse apenas nas declarações explícitas do ministro da Fazenda, Paulo Guedes, e de um dos ex-ministros da Educação, no caso falo de Milton Ribeiro, de que o acesso à educação superior deveria ser restringida aos pobres, impedindo assim a sua  necessária democratização em país marcado por graves desigualdades educacionais.

O problema é que o resultado do somatório das políticas econômicas de Paulo Guedes com a transformação do MEC em uma espécie de balcão de negócios já produziu efeitos claros no que tange à disposição dos jovens brasileiros em buscar acesso a cursos universitários, como mostra o gráfico abaixo que mostra uma diminuição de 60% no número de inscrições para o chamado Sistema de Seleção Unificada (SISU) entre 2015 e 2016.

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A verdade é que essa diminuição de inscrições representa mais um “sucesso” do governo Bolsonaro, algo equivalente ao que este (des) governo tem feito em relação à proteção ambiental, especialmente na Amazônia brasileira.

O problema é que este dano todo não será revertido facilmente, especialmente se o próximo presidente, mesmo que Jair Bolsonaro não seja reeleito, insista em aplicar fórmulas que não vão ao âmago dos problemas nacionais.

Desvelado pelo coronavírus, Jair Bolsonaro quer forçar a volta de um fictício Mundo de Oz

bozo ozA ansiedade de fazer a volta do funcionamento “normal” da economia reflete um senso de urgência e sobrevivência de Jair Bolsonaro que quer nos levar de volta a um fictício Mundo de Oz.

Independente de sua orientação ideológica, muitos brasileiros hoje se sentem legitimamente estupefatos frente ao tratamento dado pelo presidente Jair Bolsonaro ao combate da pandemia causada pelo coronavírus.  Um dos pontos mais intrigantes se refere à absoluta importância dada  pelo presidente da república ao retorno de atividades não essenciais em detrimento de uma ação mais agressiva em prol do controle e o combate da pandemia.  Em meio a isso surgem as inevitáveis notícias de que as redes hospitalares de muitos municípios e estados já se encontram à beira do colapso, em um prenúncio de que teremos um número incalculável de mortes nas próximas semanas.

Para mim a explicação da aparente obsessão do presidente Bolsonaro com o funcionamento “normal” da economia tem a ver com um senso aperfeiçoado de que seu governo não durará muito tempo se, pelo menos, não for retomada a aparência de que as pessoas estavam tendo sucesso em obter o ganho pão de cada dia.  Essa falsa sensação foi rompida pelo coronavírus que esfacelou essa imagem como um estilete que abre uma ferida infeccionada e deixa o pus acumulado fluir livremente, deixando à mostra a real extensão da ferida.

A verdade é que a situação dos trabalhadores brasileiros já era caótica antes do coronavírus. Com um total estimado de 11 milhões de desempregados, a maioria das famílias brasileiras já vivia no limite das suas possibilidades. Esse número, subnotificado como tantas outras coisas o são no Brasil, esconde o fato de que outros tantos milhões viviam na beira da extrema pobreza, exercendo atividades precarizadas ao léu de qualquer tipo de assistência dos governos. Como eu disse, com a entrada em cena do coronavírus todo o castelo de cartas desabou, mostrando os efeitos perversos das políticas ultraneoliberais que foram iniciadas com a ascensão de Joaquim Levy ao cargo de ministro da Fazenda, ainda no início do segundo mandato de Dilma Rousseff em 2016.

filaFila em busca de Emprego em frente ao Estádio Nacional Mané Garrincha(foto: Ed Alves/CB/D.A Press)

Além disso, há que se levar em conta que Jair Bolsonaro foi eleito muito em parte graças ao descontentamento de parte significativa da classe trabalhadora que estava cansada de viver no limite das possibilidades em meio à falta de empregos e da precarização de serviços públicos essenciais como saúde e educação. Agora, espremido entre as demandas da classe trabalhadora que viu nele uma saída para sua situação desesperadora e sua subserviência às elites econômicas, Jair Bolsonaro ensaia uma tentativa de forçar uma volta a uma normalidade que nunca existiu, nem que isto custe o empilhamento de milhares de corpos em caminhões frigoríficos que repetirão por aqui os desfiles macabros que os italianos já assistiram. Ou pior ainda, teremos por aqui o que eu já chamei de via equatoriana com corpos sendo abandonados em vias públicas em face do colapso dos serviços funerários.

italia 1Caminhões do exército italiano carregam mortos pela COVID-19 a caminho de cemitérios e crematórios.

Assim, a saída de Luiz Henrique Mandetta e a entrada de Nelson Teich na direção do Ministério da Saúde são também reveladoras da ânsia de Jair Bolsonaro de voltar a uma normalidade que nunca existiu. É que, apesar de Mandetta e Teich serem ligados umbilicalmente à saúde privada, o novo ministro é um empresário que já acumulou fortunas a partir do sucateamento do Sistema Único de Saúde (SUS).  O problema é que dificilmente Teich vai arriscar o seu pescoço em futuras inquisições de tribunais internacionais caso se consagre aqui o funcionamento de atividades não essenciais cujo único dom será exponencializar ainda mais a disseminação do coronavírus.

Um aspecto que me parece importante nesse cenário de um Brasil em ritmo de “Mágico de Oz a la Bolsonaro” é de que continuemos o processo fundamental de explicação dos mecanismos de controle e proteção contra o coronavírus. Essa ação é fundamental para não apenas minimizar o números de infecções e mortes, mas também para educar os brasileiros sobre a importância da ciência e da saúde pública.  Em meio ao pandemônio criado por Jair Bolsonaro em meio à pandemia, agir racionalmente e de forma a educar o número máximo de pessoas sobre como passar ileso pela pandemia se reveste em um ato ulterior de resistência ao desmantelamento do Brasil como uma Nação soberana.

Finalmente, é preciso que fique claro que Jair Bolsonaro não é o Mágico de Oz e não tem como retornar o Brasil a um Mundo de Oz fictício, que nunca existiu para começo de conversa. Quando muito Bolsonaro é apenas a pessoa errada no lugar errado e no momento errado. Resta a nós nos mantermos vivos e sadios para começar a resolver os problemas que o Brasil real possui depois que o pior da pandemia passar.

O grande mérito de Jair Bolsonaro é nos mostrar como as elites brasileiras realmente são

sinal de armaJair Bolsonaro faz sinal de armas com as mãos

Tenho assistido e lido a incontáveis manifestações de suposto horror frente às declarações e ações de Jair Bolsonaro enquanto ocupa o cargo de presidente do Brasil. Essas manifestações partem, inclusive, de setores robustos da mídia corporativa que ajudaram a pavimentar o caminho do ex-capitão ao cargo máximo da república. Vejo nisso tudo uma forte dose de cinismo e  hipocrisia pelo simples fato de que Jair Bolsonaro continua sendo coerente com o que sempre foi, e, provavelmente, continuará sendo.

Aliás, o grande mérito de Jair Bolsonaro é desvelar (no sentido de tirar o véu) da suposta aura de superioridade moral das elites que realmente governam o Brasil, as quais nunca fizeram o devido ajuste com seu passado oligárquico e escravocrata, mas adoram se pintar de limpinhas e civilizadas enquanto desfilam seus carrões importados por ruas cheias de brasileiros que não têm o que comer.

O fato inescapável é que Jair Bolsonaro não saiu do baixo clero da Câmara de Deputados para ocupar o cargo de presidente da república por algum capricho da natureza. A sua chegada ao Palácio do Planalto contou com a generosa contribuição de tempo e dinheiro das elites brasileiras que perderam a vontade de continuar apoiando o PT e suas políticas de distribuição ínfima das riquezas nacionais para as amplas camadas da nossa população que sempre estiveram sob o jugo de uma das sociedades mais desiguais já construídas na história humana.

E não nos esqueçamos que há quase uma perfeita orquestração que transborda limites de direita e esquerda para permitir que Jair Bolsonaro e seus ministros possam criar uma terra arrasada pelas botas de políticas ultraneoliberais criadas pelo dublê de banqueiro e ministro da Economia, Paulo Guedes. Se não fosse assim, a reforma da previdência não teria passado tão facilmente, e sem qualquer resistência de rua, no congresso nacional.

Assim, alguns podem até ensaiar ares de indignação frente às declarações eivadas de misoginia e homofobia que partem de um político que moldou sua carreira política em fomentar os aspectos mais indignos do caráter nacional.  Mas ao final do dia, esses que fingem se indignar, saberão que são parte do processo que ajudaram a colocar em marcha. 

Mas como não há noite que não vire dia, o importante é nos prepararmos para construir um país que não seja tão raso como são suas elites.

Crise no horizonte: Brasil dependente da exportação de commodities vê seu saldo comercial despencar

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As reformas ultraneoliberais implementadas ao longo de 2019 pelo dublê de ministro da Fazenda e banqueiro, Paulo Guedes, prometiam permitir a retomada do crescimento da economia brasileira.  Entretanto, os números da balança comercial mostram que as promessas dos benefícios em troca de mais sacrifício dos brasileiros não saíram do papel (ver figura abaixo).

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O mais preocupante é que dos 11 principais produtos de exportação, 10 deles foram commodities agrícolas e minerais, o que evidencia a fragilidade da posição brasileira em um economia globalizada que é comandada por um portfólio que vai na direção da alta tecnologia com produtos com alto valor agregado.

Com a crise militar instalada no Oriente Médio pelo assassinato do general iraniano Qasem Soleimani a possibilidade é que diminua o apetite pelas commodities que impediram o Brasil de ter déficit no lugar de superávit em 2019.  Em outras palavras, as perspectivas econômicas para a economia brasileira são ainda piores em 2020 do que foram no ano que acaba de se encerrar.

Com isso é bem provável que o Brasil passe pelas mesmas fortes turbulências que sacudiram diversos países sul americanos em 2019. E, pior, com um governo que não consegue apontar nenhum caminho de construção de alternativas, visto que se apoia em uma proposta de destruição do Estado nacional e de um forte alinhamento com a economia e com a ação intervencionista dos EUA. 

Cercado por militares, Sebastian Pinera declara guerra ao povo chileno

A imagem abaixo é altamente reveladora do processo político que varre o Chile neste momento.  Nela se vê, o presidente Sebastian Pinera cercado por militares para declarar guerra aos manifestantes que sacodem todo o território chileno em protesto à ampliação da carestia e dos ataques a direitos sociais e trabalhistas.

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Essas cenas são semelhantes ao que se viu sendo feito pelo presidente Lênin Moreno do Equador quando em seu país houve reação semelhante a um pacotaço demandado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).  E nisto não há nenhuma surpresa, visto que presidentes atacando o povo nunca hesitam em usar a mais dura repressão para fazer valer os interesses dos segmentos que mais ganham quando direitos são atacados ou removidos.

Entretanto, o caso do Chile é particularmente emblemático porque o país era apresentado até a última semana como uma ilha de tranquilidade neoliberal, onde a aplicação de um duro cardápio de ataques era apresentada como um exemplo de sucesso. Essa falsificação da história e da realidade do Chile neoliberal agora foi destroçada pela ação direta e desenfreada da maioria pobre da população chilena.

Muitos governantes da América Latina devem estar hoje com as barbas literalmente de molho temendo serem a próxima erupção da ira popular contra políticas ultraneoliberais que só fazem aumentar o fosso entre ricos e pobres. É que já se sabe que nem com fuzis e canhões, Pinera está conseguindo “restabelecer a ordem”.

 

O Equador reage ao Capitalismo de Desastre

População enfrenta, nas ruas, o Estado de Emergência. O incrível caso do país que recorreu ao FMI sem precisar. O que ele revela sobre as duas direitas do século XXI, sua articulação em favor dos retrocessos e os caminhos para enfrentá-las

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Por Antonio Martins

O Equador está em chamas e agora qualquer prognóstico sobre o futuro imediato do país é incerto. Na quarta-feira (2/10), o governo anunciou abruptamente um conjunto de medidas impopulares, adotadas em sintonia com o FMI, e cujo item mais visível (mas não o mais importante) é o aumento de 123% nos preços dos combustíveis. A população, enfurecida, foi às ruas. Os transportes públicos pararam, por revolta tanto dos trabalhadores quanto dos empresários. A atividade nas escolas foi suspensa.

Ontem, sob intensa pressão, o presidente Lenin Moreno decretou Estado de Emergência. Mas a presença da polícia e do exército nas ruas não fez refluírem os manifestantes. À tarde, em Quito, eles rumaram para o Palácio Carondelet e enfrentaram as forças encarregadas de reprimi-los. O asfalto das ruas coalhou-se de pedras (veja no vídeo abaixo), usadas pela população (especialmente os muito jovens) para se defender da cavalaria e balas de borracha. Moreno deslocou-se a Guayaquil, no litoral, a pretexto de acalmar a maior cidade do país, onde houve saques. Mas, à noite, reconheceu que não fora capaz de chegar a um acordo com os transportadores. Classificou os que protestavam de “golpistas” e prometeu encarcerá-los. Mais ou menos à mesma hora, surgiram os primeiros sinais de que o movimento indígena, muito capilarizado, poderia somar-se à resistência. A dificuldade de prever os desdobramentos aumenta devido ao passado recente de instabilidade política no Equador. Entre 1997 e 2005, quatro presidentes foram depostos, após protestos populares desencadeados por medidas semelhantes às atuais. O país tranquilizou-se apenas em 2007, com Rafael Correa – que reverteu parte das políticas anteriores, foi reeleito com grande popularidade e governou por dez anos.

Por que seu sucessor arrisca-se tanto agora? Em inúmeros países, no passado recente, a adoção de medidas antipopulares tem sido apresentada como fatalidade – algo que os governantes veem-se constrangidos a fazer, na impossibilidade de manter a situação anterior. No Equador, sequer este argumento é possível. O acordo com o FMI, fechado em março e revisto em junho, não é o resgate doloroso em meio a uma crise. Expressa um acordo entre a elite equatoriana e a aristocracia financeira global para reverter, a seco, as conquistas sociais e a relativa independência econômica conquistadas no período de Correa. Demonstra que o discurso segundo o qual “não há alternativas” aos “ajustes” é apenas um artifício ideológico – pois pode ser dispensado, quando é preciso impor a disciplina sem disfarçá-la. E está sendo executado não por um troglodita, como Bolsonaro – mas por uma tecnocracia de punhos de renda. Nestes aspectos reside seu caráter espantoso e revelador.

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A decisão de submeter o Equador à ditadura dos mercados fica transparente quando se comparam dois momentos, Primeiro, junho de 2009. Num mundo em que a aristocracia financeira ainda se debatia com a grande crise financeira aberta no ano anterior, uma renegociação forçada da dívida de Quito foi vista como um sucesso. “Estratégia vitoriosa do Equador”, considerou um artigo da revista Economist, ao analisar o processo que Rafael Correa acabava de concluir, em tempo recorde.

Seis meses antes, após uma auditoria, ele considerara ilegítimos parte dos débitos externos do país. Mas por não ter forças para simplesmente repudiá-los, decidiu submetê-los a leilão. Os credores foram convidados a oferecer propostas para redução do que supostamente lhes era devido. Ao final do processo, 91% deles aceitaram descontar 65% de seus créditos – um claro sinal de que têm muita gordura a cortar. O Equador resgatou, por US$ 900 milhões, uma suposta dívida de US$ 2,9 bi. Pagou em dinheiro.

O corte da dívida e, em especial, do pagamento de juros, foi parte essencial da “Revolução Cidadã” de Correa. A redução do desembolso aos credores permitiu multiplicar o gasto social – que saltou de 560 milhões de dólares, em 2000, para US$ 4,3 bi, em 2011 – um crescimento de 410%. Todos os indicadores sociais e econômicos melhoraram. Entre 2007 e 2015, o PIB per capita avançou 35% – de US$ 4500 para US$ 6100. O desemprego encolheu de 10,6% para 4,1%. Em 1999, 80% dos equatorianos estavam abaixo da chamada “linha de pobreza”. Em 2012, este percentual caíra para 30%.

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O segundo momento é o que se segue à posse de Lenin Moreno, em maio de 2017. Vice de Rafael Correa em seus dois mandatos, mas personagem político discreto, ele elegeu-se impulsionado pela popularidade de seu antecessor. Mas, poucos meses depois de chegar ao Palácio Carondelet, executou uma guinada radical, cujas motivações exatas ainda resta investigar – mas cujo sentido é claro: obediência, em marcha batida, ao novo programa das elites globais.

Em janeiro de 2018, Moreno adere à perseguição a Julian Assange, exilado na embaixada equatoriana em Londres. O processo terminaria por entregar, às autoridades do Reino Unido e dos EUA, o dissidente político que revelou a vigilância global e os crimes de guerra praticados por Washington. No mesmo ano, tenta encarcerar Rafael Correa, seu antecessor e padrinho político – que se exila na Bélgica. Em março de 2019, retira o Equador da Unasul, embrião de possível unidade dos países sul americanos. Em outubro, anuncia que deixará a OPEP, união dos exportadores de petróleo. Todos os passos interessam aos Estados Unidos.

Mas de todas, a medida mais bizarra é provavelmente o acordo com o FMI. O empréstimo oferecido pelo Fundo é pífio – apenas 4,2 bilhões de dólares, Ainda mais estranho: o país não necessita de resgate algum, como demonstra o economista Andres Araus, do Centro de Pesquisas Econômicas e Políticas, de Washington: o balanço de pagamentos é superavitário, a economia não está em crise, não há fuga de capitais; a dívida externa foi fortemente reduzida, na renegociação forçada de 2009; exportador de petróleo, o Equador não corre, sequer, o risco de ser ameaçado, numa eventual alta dos preços do combustível, vista por muitos economistas como provável, em futuro breve.

O compromisso expressa, muito mais, um conluio entre a elite equatoriana e a aristocracia financeira internacional. Cada uma delas terá seu quinhão, no botim produzido pelos retrocessos que virão. O povo equatoriano pagará a conta – e o aumento dos preços dos combustíveis, embora chamativo, é talvez a medida menos relevante.

No plano interno, haverá uma contrarreforma trabalhista, não submetida ao Congresso. Ela inclui permissão de jornadas de até 12 horas, sem pagamento de extras; extensão do período de “experiência” (no qual há menos direitos) de 3 meses para… 3 anos!; fim dos acréscimos salariais para contratações por tempo limitado; eliminação dos “fundos de contingência” (uma espécie de abono) e da participação dos trabalhadores no lucro das empresas; redução nos salários dos servidores públicos: demissão dos funcionários contratados temporariamente; elevação (de 12% para 16%) do imposto sobre consumo, semelhante ao ICMS brasileiro, com reflexos diretos sobre os preços de todos os produtos e serviços.

Às megacorporações globais, será permitido apoderar-se dos setores cruciais da economia, a preços aviltados. Haverá privatização geral, inclusive do maior banco do país e da operadora nacional de telecomunicações; venda das hidrelétricas ao setor privado; volta da “autonomia” do Banco Central; proibição de financiamentos de bancos equatorianos ao setor público, obrigado a recorrer a financiamentos externos.

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Um texto de Sérgio Halimi e Pierre Rimbert, publicado ontem por Outras Palavras, agrega mais uma peça ao quebra-cabeças que vai aos poucos desvendando o áspero cenário internacional surgido nesta década. A ascensão do protofascismo – os Trump, Bolsonaro, Salvini, Le Pen, Duterte, Orbán e tantos outros – não deve ser vista como resultado da maquinação de personagens como Steven Bannon. Tais tipos são oportunistas espertos, mas totalmente secundários. O grande fenômeno a observar é o imenso espaço político que se abriu, a partir da crise global de 2008. A aristocracia financeira e a quase totalidade dos governos responderam de maneira cínica. As maiorias empobreceram dramaticamente. As classes médias começaram a se desfazer, aceleradamente. Os serviços públicos foram sucateados. Enquanto isso, os Estados transferiram rios de dinheiro aos bancos.

O ressentimento era inevitável. Mas como a esquerda não apresentou alternativas, em quase parte alguma, este sentimento foi capturado por políticos que tiveram farto espaço para uma manobra grotesca. Eles atribuíram a desigualdade abissal que surgiu não ao domínio do capital financeiro, mas a uma suposta ditadura intelectual. Dos que tiveram a oportunidade de estudar. Dos que desejam olhar para o outro – o imigrante, o refugiado, o indígena. Dos que veem gênero e sexo além da genética. Dos que enxergam as religiões como construções simbólicas, não como portadoras de verdades divinas.

Esta “nova” ultradireita irrompeu tão inesperadamente, e provoca danos tão dramáticos, que muitas vezes somos tentados a vê-la como a causa dos grandes dramas contemporâneos. Na verdade, mostram Halimi e Rimbert, ela é sintoma. Prova eloquente é que tanto a “nova” corrente quanto os neoliberais são partidários de um único dogma econômico: a supremacia dos mercados sobre as sociedades – defendida indistintamente por Trump e Emmanuel Macron; Bolsonaro e Paulo Guedes; Steven Bannon e George Soros.

O desastre equatoriano parece demonstrar que não basta reagir aos Bolsonaros – a devastação virá igualmente pelas mãos de Christine Lagarde, a charmosa diretora-gerente do FMI. Falta um projeto de esquerda renovado, capaz de aparecer, às sociedades, como alternativa nítida. Por enquanto, ele existe apenas como pedras, atiradas contra a cavalaria, as balas e o Estado de Emergência de Lenin Moreno. É preciso dar-lhe a forma das ideias perigosas.

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Este artigo foi originalmente publicado no site “Outras Palavras” [Aqui!].

O povo equatoriano enfrenta nas ruas as reformas neoliberais do presidente Lenin Moreno

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Revolta popular contra reformas neoliberais coloca em risco governo de Lenin Moreno no Equador

Ao contrário de países como Brasil e Argentina onde reformas ultraneoliberais estão sendo executadas sem grande revolta popular, o Equador está sendo sacudido por uma poderosa revolta popular contra as primeiras medidas adotadas pelo presidente Lenin Moreno para receber uma “ajuda” financeira do Fundo Monetário Internacional (FMI) (ver vídeo abaixo).

A resposta de Moreno foi a decretação de um estado sítio (ou de exceção como ele está rotulando suas medidas de controle da revolta) e que lança sua presidência em um completo estado de incerteza.

É preciso lembrar que as primeiras medidas do pacote de medidas impopulares adotadas pelo governo do Equador incluíram um aumento de 123% nos preços dos combustíveis, bem ao modelo neoliberal do FMI que foi adotado com sofreguidão por Maurício Macri na Argentina e por Jair Bolsonaro no Brasil.

Desde a Bélgica onde está exilado, o ex-presidente Rafael Correa reuniu-se com correligionários para enviar seu incentivo à revolta popular em curso no Equador cantando uma adaptação da canção antifascista italiana “Bella Ciao”, a qual foi adaptada aos fatos que se desenrolam em seu país e rebatizada para “Lenin ciao” (ver vídeo abaixo).

A principal consequência dos fatos que estão transcorrendo no Equador é apontar para os trabalhadores de outros países sul americanos um caminho bem diferente do que está sendo visto em países em que duras reformas neoliberais estão sendo executadas praticamente sem qualquer oposição partidária ou popular.

Resta ver se a revolta dos equatorianos terá algum tipo de efeito de contágio ou se ficará isolada no interior do país andino. 

Governador Witzel é alvo de protestos em evento cervejeiro no Rio de Janeiro

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O governador Wilson Witzel foi alvo de vaias e gritos durante rápida passagem por um festival de cervejas no Piér Mauá, região portuária da cidade do Rio de Janeiro.

A atual cena política brasileira muitas vezes é apresentada como um momento de hegemonia completa dos governantes ultraconservadores que foram eleitos no Brasil nas eleições de 2018.  A avaliação feita até por intelectuais sérios é de que vivemos uma espécie de inferno de Dante neste momento, onde a maioria das pessoas está paralisada e inerte frente aos ataques inclementes que estão sendo realizados contra direitos sociais e trabalhistas desde o nível federal até o municipal.

Particularmente considero que apesar dos ataques não estarem sendo respondidos com a devida força pela maioria da população que vê seus direitos tolhidos por uma fórmula bastante específica que mistura reformas neoliberais com extrema violência por parte do aparato estatal, há sim um processo de resistência em curso, e que este processo fica explícito sempre que algum governante sai de área de conforto (normalmente gabinetes fechados ou eventos públicos para convertidos).

O vídeo mostra a rápida visita que o governador Wilson Witzel realizou (ou tentou realizar) ao  festival de cervejas Mondial de La Bière que está ocorrendo no Pier Mauá, região portuária da cidade do Rio de Janeiro. A visita foi rápida pela comoção causada pela presença do governador Witzel em função da profunda rejeição que sua figura desperta em amplos segmentos da população fluminense em função de sua política de (in) segurança pública.

Este tipo de reação ao governador Witzel demonstra que nem tudo é tão passivo e inerte quanto se faz parecer, especialmente se as fontes de informação são provenientes da mídia corporativa que parece viver em uma dimensão temporal e espacial muito distinta da que vive a maioria dos brasileiros neste momento.

Em outras palavras, a conjuntura é dura, mas não é tão impossível de ser superada como querem fazer parecer. E o governador Witzel acabou aprendendo isso na prática e, pasmem, em um festival de cervejas onde o público não é necessariamente composto por habitantes das regiões da cidade onde as forças policiais estão agindo com especial violência desde que seu governo começou.

Crônica de uma crise anunciada, breve resenha e reflexões

Finalmente estou tendo o tempo livre necessário para ler o livro “Crônica de uma crise anunciada: Crítica à economia política de Lula e Dilma” de autoria do economista  e professor livre-docente do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE/UNICAMP), Plínio Arruda de Sampaio Junior, e que foi lançada pela SG-Amarante Editorial [1].  A obra reúne uma coletânea de artigos escritos por Sampaio Jr a partir dos anos de 1990, e representa um esforço analítico não apenas sobre ao alinhamento da economia brasileira ao complexo econômico financeiro que domina a economia globalizada, mas também sobre o papel específico ocupado pelos governos dos presidentes Lula e Dilma à adesão do Brasil aos ditames das reformas neoliberais.

Ainda que se possa encontrar tensões e contradições na narrativa oferecida pelo Sampaio Jr, é possível reconhecer que ele consegue atacar os principais cânones do sistema de idolatria que cerca a figura do ex-presidente Lula. O fato é que Sampaio Jr logra estabelecer uma série de argumentos que são bastante convincentes acerca da existência de uma linha de continuidade no ritmo das ditas reformas neoliberais que começam com Fernando Collor e chegam até o presidente “de facto” Michel Temer. Nessa construção, os governos de Lula e Dilma, mas principalmente o de Lula, apenas se diferenciam pelo estabelecimento de uma retórica distracionista que é muito útil para cooptar o PT, a CUT e movimentos sociais para uma visão apenas “melhorista” da realidade brasileira que é pautada pelo oferecimento de políticas sociais engendradas pelo Banco Mundial.

Afora esse viés teórico importante, é importante reconhecer que a coletânea de Sampaio Jr nos oferece, ainda que de forma subliminar, é um conjunto tarefas a serem cumpridas para que se abandone a linha de acomodação ao receituário Neoliberal em nome de uma ação estratégica que recoloque a classe trabalhadora brasileira como a principal protagonista da luta de classes no Brasil.  Entretanto, fica evidente que isso só será possível com a superação do tratamento quase messiânico que é dispensado à figura do ex-presidente Lula até por setores da esquerda que não está ligados ao PT. 

Uma pista de que as análise de Sampaio Jr. não estão tão longe o alvo foi dada recentemente pela classe trabalhadora argentina que, rompendo com a apatia da CGT e de segmentos expressivos do peronismo, foi capaz de realizar uma mobilização contra a reforma da previdência proposta pelo governo de Maurício Macri que criou ondas de choque no continente inteiro, as quais certamente terão fortes reverberações no Brasil logo no início de 2018 quando o governo Temer tentar impor aqui a sua versão do confisco previdenciário.

Finalmente, deixo a minha sugestão de leitura e estudo do que esta posto no livro de Sampaio Jr.  É que não venceremos a nuvem ideológica que nos cobre neste momento se não entendermos como a mesma tem sido usada para paralisar e imobilizar a classe trabalhadora brasileira. 


[1] http://www.sg-amarante.com.br/cronica/index.html

 

Pela irritação dos “jornalistas” da Rede Globo, há uma Greve Geral!

teemr aroeira

Acordei cedo para assistir ao que diriam os “jornalistas” da Globo. É que dependendo do grau de irritação eu poderia verificar se temos ou não um dia de greve geral. E rapidamente ficou evidente que sim, temos uma greve geral! É que dos quadros mais inexpressivos do “jornalismo” da Globo até veteranos como Alexandre Garcia, a irritação misturava pasmo com óbvia irritação com a dimensão que o movimento tomou em todo o território nacional.

Mas como a Rede Globo não tem como chegar perto de manifestações que não sejam as manipuladas por grupos de extrema-direita, quem quiser ver o que efetivamente está acontecendo nas maiores cidades do Brasil vai ter que recorrer às redes sociais para ter uma dimensão real do movimento.

Pelo que já vi existem estradas principais fechadas e a suspensão dos sistemas de transporte urbano até em Brasília, incluindo os aeroportos.

Certamente haverá quem reclame do incômodo, mas para os (des) governantes como Michel Temer e Luiz Fernando Pezão vai ficar claro que estamos entrando num outro momento da luta de classes no Brasil, e eles que se cuidem. É que também está ficando evidente que apesar dos entraves colocados pela burocracia sindical para que o movimento fosse geral, os trabalhadores e a juventude estão firmes na luta por dias melhores.

E que os (des) governantes não se surpreendam se brevemente tivermos outros dias de greve geral no Brasil. E a razão é simples: há limite para tudo, inclusive para a paciência da classe trabalhadora!

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