Ao longo deste ano tive a oportunidade de falar para diferentes audiências sobre o problema das revistas científicas predatórias e de seus impactos não apenas na qualidade das publicações, mas também na distribuição de verbas por agências de fomento, e também no processo de avaliação da qualidade do trabalho dos professores e da progressão funcional dos mesmos. A reação que venho tendo é um misto de inquietação e letargia. Essa postura é para um reflexo de uma situação de deterioração da cultura que cercava a produção científica, onde publicar alguma coisa tinha normalmente como pré-requisito a existência de algo meritório de ser mostrado ao resto da comunidade de cientistas.
No caso brasileiro, a aceitação do engordamento de currículos via a colocação de trabalhos em revistas predatórias possui um efeito especialmente pernicioso que é de atrasar um processo de desenvolvimento científico no qual o nosso país já embarcou de forma tardia. É que ao aceitarmos a penetração do “ethos” do “trash science” acabamos por investir recursos escassos e preciosos em publicações que efetivamente apenas objetivam recolher dinheiro, sem medir a qualidade do acaba sendo publicado.
Mas como já observei em várias ocasiões, o problema da expansão exponencial do “trash science” não se resume ao Brasil. Pelo contrário, o crescimento de publicações predatórias só é possível porque existe um amplo mercado a ser ocupado em escala global. O problema é que a expansão deste mercado acabou por criar graves deformações na forma de avaliar e valorar a produção científica.
Felizmente, existem vozes que estão soando o alarme sobre os impactos da expansão do “trash science“, e uma delas é o professor Jeffrey Beall da Universidade do Colorado-Denver que considero ser um dos pioneiros no alerta sobre os impactos prejudiciais das revistas predatórias sobre a qualidade das publicações científicas. O Prof. Beall é o criador do que é provável a mais ampla listagem de editoras e revistas predatórias, e que se transformou num instrumento bastante útil a todos aqueles que querem evitar cair na armadilha dos “trash publishers” (Aqui!).
Agora, o Prof. Beall acaba de publicar uma análise na revista “Information Development” que eu considero ser um ótimo ponto de partida para todos que querem entender melhor as modificações trazidas, bem como os desafios que isto criou, para a cultura científica. O artigo cujo título é “Predatory journal and the breakdown of research cultures” pode ser baixado de forma gratuita (Aqui!).
Aliás, o que gostaria de ver é como reagem aquelas dezenas de editores de revistas científicas brasileiras que recentemente embarcaram numa espécie de “vendetta” coletiva contra o Prof. Beall por causa de uma postagem em que ele questionava a capacidade da plataforma Scielo de tornar conhecida o conteúdo das revistas que são ali hospedadas. É que passada aquela verdadeira tempestade num copo d´água, o Prof. Beall continua tocando na ferida exposta das revistas predatórias, as quais, interessantemente, ocupam principalmente o espaço de publicações de acesso aberto que procuram preencher.
E agora, será que teremos alguma reação aos comentários que estão contidos na peça produzida pelo Prof. Beall ou vamos ter que continuar assistindo a caçada impiedosa ao mensageiro, enquanto o “trash science” se expande a um custo financeiro altíssimo? A ver!

