Ao longo de 2015 tratei aqui neste blog do problema do crescimento e validação do “trash science” e de seus efeitos perversos sobre o processo de disseminação de conhecimento científico, bem como da distribuição de verbas estatais para pesquisadores.
Para minha pouca surpresa, a reação inicial que obtive de muitos pesquisadores foi de rejeição à publicização até da existência deste problema. Apesar de não concordar, acho até compreensível que muitos não queiram nem ouvir falar sobre qualquer esforço de separar “o trigo do joio”. Afinal, além de se manterem num Olimpo com pés de barros, esses pesquisadores estão sendo beneficiados pela concessão de verbas pelas principais agências de fomento brasileiras.
O pior é que ao longo do ano passado tive ainda que presenciar a tentativa de linchamento do Professor Jeffrey Beall por causa de uma postagem em seu blog acerca da eficiência da plataforma Scielo em disseminar artigos e revistas ali hospedados. O ultraje que acometeu dezenas de editores de revistas brasileiras só tem paralelo no imenso silêncio que existe acerca do problema e das consequências do “trash science” para a ciência, e especificamente a brasileira.
Agora, já nos primeiros dias de 2016 estou sendo novamente procurado para publicar em revistas predatórias, como mostra a imagem abaixo.

Além de deixar curioso sobre como meu endereço eletrônico institucional foi “fisgado” pelos editores do “International Journal of Environmental and Agriculture Research“, não posso deixar de pensar que se eles estão me alcançando, o mesmo estará ocorrendo com centenas de outros docentes de universidades brasileiras. É que dentro das leis estritas de mercado, raramente há oferta se não houver um mínimo de demanda. Em outras palavras, tem gente que está respondendo positivamente a este pedido de convite.
Mas será por falta de ignorância e excesso de boa fé, combinadas com a necessidade de engordar o CV Lattes, que isto ocorre? A minha resposta é… dificilmente. É que, apesar do incômodo gerado pela “black list” do Professor Beall, quase todo mundo já sabe da sua existência e das formas de acessá-la.
No caso do convite acima, bastou identificar a editora do “International Journal of Environmental and Agriculture Research“, a AD Publications (ver cabeçalho da sua página na internet) e depois acessar a lista do Professor Jeffrey Beall (Aqui!) para saber a resposta.

E não deve ser surpresa que a AD Publications está na Beall´s List of Predatory Publishers. Mas isto também deixar claro que estar listado não é um fator de inibição para os editores que o próprio professor Beall continuam a se reproduzir como cogumelos em pastagens após dias de chuva intensa.

Entretanto, a pergunta que me parece mais relevante é a seguinte: quantos pesquisadores se sentem na obrigação de verificar listas como a formulada pelo Professor Beall? E mais importante ainda: será que o trabalho iniciado pela CAPES para remover jornais “trash” do Qualis Capes vai continuar sem a pressão de jornalistas como Maurício Tuffani que é um dos poucos a tratar do problema de forma aberta na mídia corporativa (Aqui!)?
Eu diria que em tempos de forte restrição financeira e das imensas pressões pela validação meritocrática do trabalho das universidades, deixar de atacar o problema do “trash science” será um tremendo tiro no pé. É que nada melhor para quem justificar cortes orçamentários do que fisgar publicações “trash” para desvalorizar toda a comunidade científica brasileira.
E, sim, continuo esperando uma posição coletiva dos editores de revistas científicas brasileiras sobre o problema, de preferência no mesmo tom de ultraje com que procuraram demonizar o trabalho do Professor Jeffrey Beall. Caso contrário, o ultraje não terá passado de uma tentativa de se assumir responsabilidades.