O ministro da Educação, Mendonça Filho, não deve ter medido bem as consequências da sua manifestação intempestiva contra o oferecimento da disciplina “o golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil”[1] pelo professor Luiz Felipe Miguel do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (Ipol/UnB).
É que num raro movimento de resistência acadêmica nas últimas décadas, várias universidades públicas (federais e estaduais) brasileiras estão presenciando a replicação da mesma disciplina e com o mesmo conteúdo. Já verifiquei que isto já foi publicizado na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), na Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e na Universidade Federal da Bahia (UFBA) [2, 3 e 4 ].
No caso da UFBA, a disciplina será oferecida pelo Departamento de História (FFCH-UFBA) e disponibilizada de forma eletiva para todos os departamentos e pós-graduações da UFBA. E apesar de estar lotada no Departamento de História, a disciplina deverá ser ministrada por um grupo de professores de História, Sociologia, Economia, Psicologia, Educação, Estudos de gênero, Ciência Política e Direito. Um detalhe adicional, e que deverá deixar Mendonça Filho ainda mais irritada, é o fato de que o oferecimento da disciplina será aberto à população, e os interessados de fora da universidade poderão cursá-la como ouvintes.
Esse é um desdobramento inesperado e, adiciono, tardio por parte dos professores das universidades públicas à crescente ingerência didática e financeira que o governo “de facto” de Michel Temer vem realizando pelas mãos de Mendonça Filho à frente do MEC.
A minha expectativa é que a polêmica despertada por Mendonça Filho em relação a uma disciplina que o professor Luiz Felipe Miguel classificou como sendo “corriqueira” sirva para que haja uma reação de inteligência nacional ao processo de desmanche do sistema de ciência e tecnologia nacional. O fato é que até agora toda os ataques realizados pelo governo Temer enfrentaram reações pontuais e timidas por parte dos professores e dirigentes universitários das instituições públicas de ensino superior. Até as manifestações tímidas vindas da Academia Brasileira de Ciência (ABC) e da Sociedade Brasileira para o Progresso para a Ciência (SBPC) soaram como meramente protocolares, não levando a nenhum tipo de reação organizada para deter, inclusive, os crescentes ataques à liberdade de Cátedra.
E se ocorrer mesmo uma massificação do oferecimento dessa disciplina, espero que os envolvidos no seu oferecimento não apenas cumpram a ementa proposta por professor Luiz Felipe Miguel, mas que aproveitem o ensejo para aprofundar a discussão em torno do processo político que possibilitou o golpe de 2016, e de como as universidades públicas pouco ou nada fizeram até agora oferecer um processo organizado de reflexão sobre as profundas implicações políticas e sociais que as reformas ultraneoliberais estão tendo, especialmente sobre os segmentos mais pobres da população brasileira.
[1] https://blogdopedlowski.com/2018/02/22/mendonca-filho-quer-instalar-estado-de-sitio-academico-na-unb/.
[3] https://jornalggn.com.br/noticia/unicamp-tambem-ministrara-disciplina-sobre-o-golpe
[4] http://www.tribunadoamazonas.com.br/2018/02/professor-da-ufam-tambem-ofertara-disciplina-sobre-o-golpe-de-2016/
Cada um com seu Mendonça…
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