No dia de ontem algumas centenas de apoiadores de Jair Bolsonaro foram às ruas pedir, na prática, a intervenção das forças armadas para corrigir um erro curioso que foi a derrota de seu candidato em uma eleição que ele controlou com mão de ferro, além de ter distribuído bilhões de reais com o objetivo explícito de garantir a sua própria vitória.
Em preparação para uma palestra sobre Darcy Ribeiro que talvez nem ocorra, pude visitar alguns dos elementos teóricos que deram suporte às principais obras do criador, entre outras, da Universidade Estadual do Norte Fluminense. Se estivesse vivo, Darcy certamente reagiria com um misto de alegria e tristeza sobre um mesmo aspecto: a correção de suas análises sobre a natureza da formação e evolução do que chamamos de “povo brasileiro”.
Darcy, como poucos, entendeu a natureza persistente da herança escravocrata que embala parte da nossa população que até hoje permanece inconformada com o fim da escravidão negra que perdurou no Brasil por mais de quatro séculos. É esse sentimento de inconformismo, e que coloca essas pessoas para protestar em frente de quartéis e clamar para que os militares, mais uma vez com já fizeram tantas na história da república brasileira, intervenham para abafar a vontade da maioria.
Há quem diga que todos esses traços que misturam autoritarismo, misoginia, racismo e aporofobia são obra recente de uma extrema-direita empoderada pelas redes sociais. Se olharmos para o que Darcy Ribeiro já escreveu, veremos que esses traços são persistentes e que explicitam a forma pela qual o Brasil foi constituído.
A pergunta que alguns podem se fazer é se estamos condenados a vivermos como um país que não consegue ultrapassar o seu passado escravagista. Novamente olhando para a receita oferecida por Darcy Ribeiro, veremos que existe esperança sim, mas ela não está na classe média iletrada e feliz em se manter em uma estrutura construída sobre a desgraça alheia. A esperança para Darcy Ribeiro sempre esteve justamente naquele segmento do povo brasileiro que resistiu a séculos de opressão para nos dar o que temos de melhor.
Quanto aos perdedores incomodados, para esses não há esperança, restando trabalhar para que eles aceitem a democracia e a vontade da maioria. Não será fácil, pois se há algo que esses indivíduos desgostam com gosto é viver em uma sociedade democrática.