A política ambiental do governo Lula para a Amazônia: uma agenda com pontos cegos

Ao construir estradas na Amazônia, o governo brasileiro está contribuindo para a destruição da floresta

Aerial drone view of BR 319 road in Amazon rainforest landscape in the border of Amazonas and Rondônia state, Brazil. Concept of  ecology, conservation, deforestation, environment, global warming.

A rodovia BR-319 entre os estados do Amazonas e Rondônia. Foto: iStock/Paralaxis/Fernando Martinho

Por Norman Suchanek para o “Neues Deutschland”

Pouco antes do Carnaval, o governo Lula apresentou sua “agenda ambiental abrangente”, que será aplicada até 2027 inclusive. Mas isto não é suficiente para evitar uma maior destruição da floresta tropical e impedir  aumento dos danos climáticos resultantes.

“O âmbito da agenda ambiental abrangente reflete a urgência e a complexidade dos problemas ambientais e climáticos”, diz o documento do governo. Para conter em tempo hábil danos irreversíveis aos ecossistemas e às pessoas, não só é necessário que os mais diversos setores integrem de fato a sustentabilidade ecológica em seus processos e políticas públicas, mas também que os esforços sejam coordenados e integrados.

Apesar destas palavras introdutórias que soam bem e das suas 123 páginas, a agenda não aborda as principais causas da destruição das florestas tropicais. Acima de tudo, cientistas como o pesquisador do clima e da Amazônia, Philip Martin Fearnside, criticam a intenção contínua de construir barragens para gerar electricidade e construir estradas na Amazónia. A agenda perde a oportunidade de garantir que medidas eficazes de prevenção de desastres ambientais sejam implementadas pelos estados , escreve o cientista sênior do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) no portal Amazônia Real. “O documento carece completamente de planos para abordar as causas profundas do desmatamento, como a construção de estradas na Amazônia que abrirão vastas novas áreas de floresta tropical para madeireiros invasores”, disse Fearnside.

Porta de entrada para madeireiros

A rodovia federal BR-319 e as estradas secundárias associadas, controversas há anos, são o melhor exemplo disso. No início da década de 1970, a ditadura militar brasileira já havia construído a BR-319 através da floresta tropical paralela aos rios Purus e Madeira, mas desistiu novamente em 1988 por falta de viabilidade econômica. Desde 2015, graças a um “programa de manutenção” do governo, voltou a estar parcialmente acessível durante a estação seca. Se for totalmente restaurada e pavimentada conforme exigido pelo atual Departamento de Transportes e pelos governadores dos estados da Amazônia, a BR-319 e suas estradas secundárias propostas conectariam o infame “arco de desmatamento” do já fortemente desmatado sul da Amazônia com Manaus, no coração da maior região de floresta tropiucal do mundo. Os atores da destruição florestal, como os especuladores de terras, as empresas madeireiras, os criadores de gado e a agricultura industrial, poderiam avançar ao longo da rota asfaltada.

Isto ameaçaria a preservação do último grande bloco intacto de floresta na bacia amazônica brasileira. Além disso, a rodovia federal com seu ramal planejado, a rodovia estadual AM-366, permitirá a realização da exploração de gás e petróleo na bacia do Solimões, a oeste de Manaus.

Mas a floresta tropical intacta na área chamada região Trans-Purus é crucial para manter o abastecimento de água da maior cidade do Brasil, São Paulo, e a agricultura no estado de mesmo nome. O sul do Brasil depende das imensas massas de água que são transportadas pelo vento ao longo de milhares de quilômetros desde as árvores da região central da Amazônia e por meio dos chamados rios voadores. Sem florestas intactas na Amazônia central, no entanto, grandes partes do Brasil ficariam mais quentes e secas.

O Brasil se prejudicaria

O desmatamento na região Trans-Purus também libertaria vastas reservas de carbono da biomassa e dos solos da região, alimentando ainda mais o aquecimento global e neutralizando fatalmente qualquer acção climática governamental bem-intencionada. Conclusão de Fearnside: o próprio Brasil seria uma das maiores vítimas de uma BR-319 asfaltada.

No ano passado, porém, 15 deputados dos estados do Amazonas e Rondônia, em Brasília, lançaram um projeto legislativo (PL 4994/2023) que tornaria a BR-319 de Manaus a Porto Velho, em Rondônia, “indispensável” para a infraestrutura e a segurança nacional de o país país, classificando o projeto prioritário em quaisquer planos nacionais de desenvolvimento ou aceleração económica. E mesmo o fundo Amazônia, que na verdade foi fundado para proteger a floresta tropical e é equipado com dinheiro da Alemanha, entre outras coisas, deveria ajudar a financiar o asfaltamento.


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Este texto escrito originalmente em alemão foi publicado pelo jornal “Neues Deutschland” [Aqui!].

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