Estou vendo e lendo uma reação quase de orgasmo dos apoiadores do governo Dilma Rousseff sobre o andamento da COPA FIFA. Eu que nunca vi a questão do movimento “Não vai ter copa” como algo que tivesse como objetivo final a realização do megaevento da multinacional do futebol, penso que tanta celebração é apenas um elemento a mais na degeneração ideológica do PT e seus neoapoiadores. Digo isso porque não vejo e nunca vi os atrasos nas obras como o real problema da preparação deste megaevento. Afinal, quando estive em Londres em 2012, vi o mesmo tipo de problema acontecendo.
O problema real e que será uma das muitas heranças malditas desta COPA foi a remoção de milhares de famílias pobres para regiões periféricas das cidades-sede, apenas para beneficiar os ganhos já bilionários das empreiteiras e incorporadores imobiliárias. Além disso, o o superfaturamento das obras e o custo final dos estádios contribui de forma direta para a persistência, e quiçá o aprofundamento, do imenso fosso social existente no Brasil.
Além disso, há que se lembrar que qualquer tentativa de manifestação pública para denunciar os malfeitos deste megaevento está sendo duramente reprimida por uma mistura de tropas federais, estaduais e municipais. As graves violações de direitos constitucionais, com agressões e prisões arbitrárias de manifestantes e jornalistas, são uma expressão evidente de uma disposição de negar que seja dado voz aos que mais estão perdendo com todas as intervenções que foram feitas para realizar a terraplanagem social para viabilizar que os ricos possam maximizar seus lucros com a COPA FIFA.
Ao não fazerem o devido balanço do megaevento da FIFA, os seus apoiadores jogam para debaixo do tapete todas as suas questões em nome de um ufanismo sobre a capacidade do Brasil realizar algo cuja repercussão final será banal. Enquanto isso, muitos estádios continuarão sendo a expressão acabada de uma sociedade ancorada na segregação social e, também, espacial.
Finalmente, tenho que refletir sobre os aeroportos que foram turbinados para serem entregues à iniciativa privada, como é o caso do Aeroporto Internacional do Galeão. Como passei por vários deles ao longo de 2014, penso que muitos correm o mesmo risco da “Arenal Pantanal” e da “Arena Amazônia”, que é o de virarem elefantes brancos que, cedo ou tarde, serão retornados para a administração pública, já que o empresariado brasileiro gosta mesmo é de lucro fácil e, sim, de imensos e generosos subsídios estatais.
Por incrível que pareça , o Google está mais avançado do que muita gente dentro do Brasil que fica repetindo que devemos esquecer os roubos, os superfaturamentos, os estádios que nunca mais serão usados depois do final da COPA FIFA. É que hoje quem for fazer uso do Google para fazer buscas, vai ver uma lembrança das favelas que continuam a ser a expressão mais óbvia e ululante do profundo fosso social que separa ricos e pobres no Brasil. O interessante é que o artista que produziu este “doodle”, Matt Cruickshank, usou como referência a Favela da Rocinha, onde foi assassinado o pedreiro Amarildo cujo corpo se encontra desaparecido até hoje.
Que belo gol de placa do Google, e que vergonha para os comentaristas que nos querem empurrar o conformismo em relação aos gastos escandalosos que foram feitos e às milhares de famílias que foram removidas em prol da especulação imobiliária.
A expulsão de milhares de pessoas de suas casas por causa das obras de preparação da Copa do Mundo foi um dos assuntos que mais suscitaram polêmica nos últimos meses. A questão chegou a ser tema de uma campanha da Anistia Internacional no Brasil e esteve no centro de debates em Paris. Mas para especialistas ouvidos pela RFI, as expropriações camuflam uma situação muito mais complexa, na qual a especulação imobiliária tem um papel fundamental.
Dois dias antes do pontapé inicial da Copa do Mundo, as associações francesas Autres Brésils e Ritimo organizaram em Paris a projeção dos filmes Jeux de pouvoir, de Susanna Lira, e A caminho da Copa, de Carolina Caffé e Florence Rodrigues. O evento tinha como objetivo discutir a questão do direito à moradia no Brasil, levando em consideração as denúncias de remoção forçada de milhares de moradores de suas casas nos meses que antecederam o mundial.
A professora brasileira Teresa Peixoto Faria, da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF), participou de uma mesa-redonda organizada logo após a projeção na capital francesa. Para ela, essas “remoções são práticas que já existiam anteriormente, sobretudo no período militar”. No entanto, a pesquisadora, especialista em estudos urbanos, lembra que com a “desculpa da Copa”, o fenômeno tem se acentuado. Ela chama a atenção para os interesses especulativos camuflados por essas expulsões. “Essas populações já estavam há muito tempo e alguns assentamentos já existiam há mais de 30 anos, mas o grande interesse surge quando esses terrenos estão em áreas que hoje estão sendo valorizadas”.
Renata Neder, assessora de direitos humanos da Anistia Internacional Brasil e coordenadora da campanha “Basta de remoções forçadas!”, comenta essa valorização ligada aos grandes eventos esportivos. Baseada em um estudo feito pelo arquiteto Lucas Faulhaber, que traçou um mapa das remoções cariocas, ela explica que “no Rio de Janeiro, as pessoas estão sendo removidas do início da zona norte, do centro, da zona sul e da Barra da Tijuca, que são as zonas mais nobres da cidade, para serem reassentadas nas áreas periféricas da zona oeste, que são muito distantes e controladas pelas milícias”.
Segundo ela, os estudos levam a crer que “existe um padrão de relocalização das famílias mais pobres nas regiões mais afastadas da cidade, mesmo se há terrenos públicos em áreas centrais do Rio de Janeiro que poderiam recebê-los”. Para ela, esse é um dos fatores que contribuem para a especulação imobiliária e o aumento dos preços dos imóveis. “Um prédio em Copacabana que está ao lado de uma favela vale menos que um prédio que não está ao lado de uma favela”.
Mas a representante da Anistia ressalta que a bolha imobiliária atinge todos, inclusive aqueles que não oficialmente expulsos de seus lares. Além disso, ela explica que esse fenômeno não é novo e também não é uma exclusividade do Brasil. “Remoção, encarecimento do custo da moradia a o processo e ‘gentrificação’ já foram documentados em outros países. Em cidades como Pequim, por exemplo, isso levou a mobilidade de quase um milhão de pessoas. É como se existisse um padrão do impacto negativo da realização dos megaeventos esportivos. O lamentável é que os governos não estejam atentos para isso e não tomem medidas para prevenir”.
Quatro ônibus foram incendiados neste sábado em Niterói. / AGÊNCIA O GLOBO
Não é notícia que no Rio do Janeiro os principais indicadores de segurança tenham piorado de forma alarmante no último ano. Mas é notícia que os moradores das favelas, cansados de pagarem a conta das intervenções policiais indiscriminadas contra as quadrilhas de traficantes e das tristemente populares balas perdidas, tenham decidido romper o silêncio e encarar um Estado que historicamente os trata como cidadãos de segunda. Uma imagem que vem sendo habitual nos últimos meses é a de grupos de moradores de diferentes favelas cariocas interrompendo o tráfego de ruas e avenidas, incendiando ônibus e veículos públicos, montando barricadas ou recebendo a polícia a pedradas. As fotos são muito claras: nelas se observam mulheres e homens de idade avançada, mães e jovens sem armas de fogo que, estimulados pelas permanentes manifestações que se estendem pelo Brasil, lançam agora um grito de cansaço desesperado, contido durante décadas.
Nas imediações da favela do Caramujo, em Niterói, os moradores interromperam uma rodovia nesta sexta-feira e atearam fogo a quatro ônibus e três carros em resposta a duas mortes registradas nas últimas horas na mesma região. Pouco depois de deixar a igreja de Nossa Senhora de Nazaré, Anderson Santos Silva, de 21 anos, se viu encurralado em um fogo cruzado entre narcotraficantes e policiais que pretendiam reprimir um baile funk que acontecia naquela noite na favela. Ao tentar proteger a seus familiares do tiroteio, Anderson recebeu um disparo e morreu horas depois. Sua irmã também ficou ferida. O jovem Emanoel Gomes circulava de moto pelo mesmo subúrbio quando foi atropelado por um blindado do Batalhão de Choque da Polícia Militar. Ambas as mortes levaram um nutrido grupo de moradores a tomar a justiça nas próprias mãos, incendiando ônibus e carros e interrompendo o trânsito. Protestavam contra uma polícia que parece retornar aos velhos hábitos de perseguição e destruição dos traficantes, geralmente agindo sem muitos melindres com a população local.
A ONG Rio de Paz resumiu as estatísticas publicadas durante os últimos oito anos (2007-2014) pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) do Rio do Janeiro. E os números são alarmantes: no Estado de Rio, foram registados neste período 35.879 homicídios dolosos, 285 lesões corporais seguidas de morte, 1.169 roubos seguidos de morte, 5.677 mortes derivadas de intervenções policiais, 155 policiais militares e civis mortos em ato de serviço. Total: 43.165 falecidos. Ou seja, mais de 500 mortes por mês provocadas por uma violência desmedida. Esses números não levam em conta os mais de 38.000 desaparecidos nem as mais de 31.000 tentativas de homicídio.
No Complexo da Maré, recém-ocupado pelo Exército brasileiro, também foram registrados nos últimos dias duas mortes de civis suspeitos de trabalharem para o narcotráfico. O fato gerou uma onda de indignação entre os moradores do complexo, que não entendem como uma ocupação militar com fins pacificadores pode começar causando vítimas mortais desde o primeiro momento. Claudia Silva Ferreira, a mulher de 38 anos que no último dia 16 de março morreu vítima de balas perdidas numa favela da zona norte do Rio e que, para maior escárnio, foi arrastada ao longo de 250 metros por um veículo da Polícia Militar que a levava para ser atendida em um hospital, se tornou outro dos ícones dos últimos tempos contra a violência policial. A morte de Claudia também desatou a ira dos moradores e uma enxurrada de críticas à polícia nas redes sociais.
No começo de abril, um grupo de moradores da favela do Cantagalo, no rico bairro de Ipanema, desceu do morro, interrompeu as ruas e incendiou caçambas de lixo depois que dois dos seus moradores ficaram feridos a tiros. Nas imediações da favela de Vila Kennedy, outro grupo de cidadãos interrompeu no fim de fevereiro a movimentada Avenida Brasil. A morte de um morador em um confronto armado entre policiais e narcotraficantes foi igualmente o estopim da fúria coletiva. Dias depois, o Batalhão de Operações Especiais ocupava a mesma comunidade para sua futura pacificação.
Mas o caso que mais rios de tinta e mais protestos gerou foi o do ajudante de pedreiro Amarildo de Souza, torturado até a morte e desaparecido por um grupo de policiais pacificadores na favela da Rocinha. A pressão gerada pelos constantes protestos e mobilizações organizados pelos moradores da maior favela do Rio conseguiu algo inédito até hoje: que os responsáveis tenham sido identificados e estejam respondendo perante a Justiça. Enquanto isso, as operações policiais continuam ocorrendo nas favelas do Rio, a menos de dois meses do início da Copa do Mundo. Nelas, registram-se mortos e feridos, mas raramente a polícia se responsabiliza por eles.
Astrid Prange, da redação brasileira da Deustche Welle (Voz da Alemanha)
Era bom demais para ser verdade. Quando em dezembro de 2008, policiais e soldados ocuparam a primeira favela do Rio de Janeiro, sequer um único tiro foi disparado. De lá para cá, cerca de 40 das 300 favelas cariocas foram “pacificadas”. Traficantes de drogas tiveram que se mudar e procurar novos pontos de venda.
Mas, a menos de 50 dias da Copa do Mundo, o milagre parece estar se esfacelando perante a realidade. A aproximação do torneio de futebol parece atiçar os conflitos que estavam há tempos latentes dentro da sociedade brasileira. As recentes batalhas de rua em Copacabana mostram claramente que ficou para trás o tempo em que no Brasil as questões sociais eram simplesmente “resolvidas” com violência policial.
Ironia do destino, exatamente o governo do PT é que começa a sentir a revolta popular. Seus programas sociais tiraram nos últimos anos milhões de pessoas da pobreza. No entanto, o avanço social foi acompanhado por uma grande desilusão, pois muitos brasileiros logo se deram conta que o crescimento da renda não vem automaticamente acompanhado por mais direitos civis. A revolução da justiça social proclamada pelo PT se volta, paradoxalmente, contra seus próprios criadores.
A diferença entre sonho e realidade é enorme. Mesmo se hotéis de luxo são inaugurados em favelas com vista para o mar, o contraste há séculos existente entre as comunidades negligenciadas e as partes privilegiadas da cidade não foi superado. Moradores das favelas continuam tendo que se contentar com escolas deficitárias, empregos mal remunerados e um sistema de saúde sucateado. Os progressos muitas vezes permanecem longe das expectativas.
E mais: quem mora na favela ainda é considerado como um potencial traficante ou assaltante. A última vítima desse preconceito implacável foi o ajudante de pedreiro Amarildo de Souza, desaparecido desde o ano passado, após ser detido “por engano”, confundido com um traficante por policiais da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Rocinha. Testemunhas afirmam que ele foi torturado até a morte. Dez policiais militares envolvidos no incidente estão presos.
O caso Amarildo enterrou para sempre a esperança de uma polícia nova e realmente pacífica. O desejo inicial de moradores de favelas de, finalmente, serem tratados com respeito pela polícia se transformou numa rejeição generalizada ao novo conceito de polícia pacificadora, deixando patente a certeza de que a tortura ainda é um método usado pela polícia brasileira quase 30 anos após o fim da ditadura militar.
Ainda não foi esclarecido se o dançarino Douglas Rafael da Silva Pereira, encontrado morto na terça-feira na favela Pavão-Pavãozinho, foi mais uma vítima dessa violência policial arbitrária. A guerra diária entre polícia e traficantes de drogas pode custar a vida de mais outros inocentes, como Amarildo. A história de sucesso da polícia pacificadora precisa de um milagre para virar realidade.
Vejam a imagem abaixo e me digam se a mesma não expressa a verdadeira natureza dessa operação de guerra contra milhares de famílias pobres, de maioria negra. E isso tudo para quê mesmo? Proteger a população me parece a mais improvável das alternativas.
A matéria abaixo, produzida pelo jornal “ESTADO DE SÃO PAULO” e repercutido pelo site UOL desnuda de forma indireta uma verdade que teima em aparecer, qual seja, a falência do arremedo de política de segurança (ou seria insegurança?) pública que ficou conhecida como Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). É que vendo o esfarelamento da farsa da pacificação, o (des) governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, agora quer que as forças armadas façam o trabalho que a PM do RJ claramente não está conseguindo fazer.
Agora, que ninguém se engane, Sèrgio Cabral não está preocupado com a situação da segurança dentro e fora das áreas pobres do Rio de Janeiro, A sua verdadeira preocupação reside no fato de que o seu já cambaleante candidato nas eleições de outubro de 2014, o vice (des) governador Luiz Fernando Pezão veja suas chances (minguadas a este ponto) de se tornar (des) governador definitivamente para a lata do lixo da história.
O mais perigoso nisso tudo é que a presença das forças armadas em atividades de manutenção da ordem já se provou um convite à tomada do controle do Estado. Pelo jeito, tem muita gente no governo de Dilma Rousseff que não sabe nada de história.
Cabral quer Forças Armadas no Rio até o fim do ano
O governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), chegou à reunião com a presidente Dilma Rousseff, na sexta-feira (21), no Palácio do Planalto, com um pedido, no mínimo, inusitado, que deixou as Forças Armadas numa verdadeira “saia-justa”: que as tropas federais entrem, imediatamente, no patrulhamento das áreas mais sensíveis da capital fluminense e só saiam de lá apenas no fim de 2014, depois não só da realização da Copa do Mundo, como também do primeiro e segundo turno das eleições.
O fator facilitador é que, como o comando integrado de controle e apoio para a Copa já está em funcionamento no Rio, com generais participando diretamente de tudo, isto facilitará a entrada em operação dos militares. A operação dependerá ainda de um pedido do governo do Estado a Dilma para que ela assine um decreto autorizando a entrada das tropas, por tanto tempo, em tal lugar, com tal objetivo. Tudo ainda é negociado.
Todo o trabalho das Forças Armadas será feito com base na legislação para Garantia da Lei e da Ordem (GLO), que prevê regras de engajamento específicas. Essa operação será semelhante à ocorrida em anos anteriores, nos morros do Alemão e da Penha. Embora não tenha havido definição ainda de número de militares a serem empregados neste tipo de operação, a expectativa é de que seja da ordem de 2400 homens.
Uma das queixas dos militares em missões como esta, quando uma operação das Forças Armadas acontece em conjunto com a Polícia Militar dos estados, é em relação à carga horária de trabalho. Nas PMs, em muitos casos, o regime de trabalho é de 24 horas de trabalho, por 36 ou até 48 horas de folga, dificultando a mobilização de pessoal, o que não acontece nas Forças Armadas.
O jornal americano Washington Post, em sua edição de domingo (26) denunciou as remoções que estão sendo feitas em diversas favelas no Brasil por conta da Copa do Mundo nas cidades onde haverá jogos do mega-evento. A matéria, assinada pela jornalista Donna Bowater, tem como exemplo a capital gaúcha, Porto Alegre, que está promovendo várias remoções em comunidades carentes para dar lugar a obras de infraestrutura.
“Onde antes havia um campo de futebol na cidade do sul do Brasil, há uma auto-estrada. E onde havia casas, agora é um lugar degradado com pilhas de madeira, tijolos e escombros de quem morava lá”, afirma a notícia.
Essas mudanças, segundo a matéria, são por conta da Copa do Mundo, o mega-evento que neste verão, em uma dúzia de cidades brasileiras, está gerando um frenesi de construção de estradas, reformas de aeroportos e outros projetos.
O impacto está sendo sentido mais forte entre os cidadãos mais pobres, diz o texto,incluindo moradores da maior favela de Porto Alegre, que estão vendo o campeonato internacional de futebol como sinônimo de remoções e demolições.
Ativistas entrevistados por Donna Bowater disseram que mais de 250.000 pessoas em todo o país estão ameaçadas de despejo – apesar de alguns desses esforços estarem em curso há anos e poderão se estender além da Copa. O Brasil também está se preparando para sediar as Olimpíadas em 2016.
Algumas autoridades brasileiras, afirma a jornalista do Washington Post, insistem que a maioria dos deslocamentos não estão ligados à preparação para a Copa do Mundo. Pesquisadores independentes, no entanto, dizem que os relatos não deixam dúvidas. Os moradores do bairro de Santa Teresa, em Porto Alegre, como em outras áreas pobres da cidade, dizem que não há dúvida de que os despejos estão em andamento, assim como os vizinhos que se mudam e os espaços que são abertos nas favelas.
“Eles quebram um ciclo de amizade, um ciclo de costume”, disse o morador Antonio Daniel Knevitz de Oliveira , que vive em Santa Teresa, onde ele cresceu e foi um dos entrevistados de Donna Bowater.
“O Brasil é de longe o campeão de remoções forçadas “, disse Christopher Gaffney , professor de geografia da Universidade Federal Fluminense , no Rio de Janeiro. “Esta é claramente a Copa do Mundo de maior impacto já visto, com um monte de projetos ambiciosos “, afirmou ele.
Em algumas das cidades afetadas, segundo a matéria, a Copa do Mundo e as Olimpíadas são as últimas justificativas utilizadas pelas autoridades para limpar as favelas. Caracterizados como assentamentos “irregulares”, onde muitos não têm serviços básicos em suas propriedades, há tempos são feitas tentativas para recuperar essas comunidades, onde mais de 11 milhões de brasileiros vivem.
De acordo com o texto, a pressão adicional de sediar os dois maiores eventos esportivos do mundo tem dado às autoridades o incentivo adicional para agir.
A escala de remoções no Rio de Janeiro, segundo Donna Bowater, levou a Anistia Internacional a lançar a campanha “Despejos Forçados”, depois de ter encontrado evidências de violações de direitos de habitação na cidade. A matéria afirma ainda que uma rede de ativistas brasileiros que integram a “Coalizão Nacional de Comitês da Copa do Mundo do Povo”, tentou chamar a atenção para o fato no ano passado por meio de um relatório num painel de direitos humanos organizado pela ONU.
Esse grupo, segundo Donna Bowater, disse que até 32 mil pessoas em Porto Alegre poderiam estar em risco de despejo por causa dos projetos da Copa do Mundo, com mais de 1.500 famílias afetadas pelo projeto de ampliação de estradas.
Porto Alegre é 10 ª maior cidade do Brasil, com uma população considerável de imigrantes europeus e uma alta taxa de crescimento econômico. Cerca de 13% dos moradores vivem em favelas , inclusive em Santa Teresa, de onde foram despejados para que uma estrada próxima pudesse ser ampliada para melhorar o fluxo de tráfego em torno do estádio de futebol.
O governo está compensando as famílias removidas, afirma Donna Bowater, mas os programas de reassentamento de são descritos por ativistas como inadequados em um país onde os preços dos imóveis têm sido crescentes.
Segundo dados da Fiocruz, hipertensão, AVC, depressão e até suicídios foram registrados
Cláudia Freitas
As remoções realizadas em comunidades como o Complexo do Alemão, Manguinhos, na Zona Norte, e Rocinha, na Zona Sul, principalmente em função das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo do Estado do Rio, estão causando graves consequências à saúde dos seus moradores. Além disso, os principais objetivos anunciados pelo governo estadual para o PAC também não foram alcançados, nos aspectos da moradia, saneamento básico e mobilidade urbana. As conclusões parciais constam em um relatório de pesquisa desenvolvida pelo Laboratório Territorial de Manguinhos (LTM) da Escola Nacional de Saúde Pública, em parceria com a Fiocruz e o Ministério das Cidades/CNPq, que será entregue até o final de 2014, com recomendações de melhorias nas comunidades estudadas.
O projeto intitulado “Políticas Públicas, Moradia e Saneamento: uma análise participativa do PAC Manguinhos-RJ na perspectiva da Promoção da Saúde e da Justiça Ambiental” é coordenado pelos pesquisadores Marcelo Firpo de Souza Porto e Marize Bastos da Cunha, que há um ano estão avaliando as obras do PAC realizadas nas comunidades, com a participação de entidades sociais e moradores destas áreas. O objetivo do estudo é desenvolver uma matriz diagnóstica dos problemas ocasionados pelo programa do governo no conjunto de favelas e identificar os elementos que os desencadeiam. Os resultados preliminares apontam para um quadro grave e comum nas três comunidades, relacionado ao processo de desapropriação dos moradores que residem nas localidades por onde as obras do PAC vão passar.
“O impacto que essas remoções causam na saúde dos moradores é enorme. Tivemos uma noção desse fato quando entrevistamos moradores e agente de saúde no Complexo do Alemão e Manguinhos. Nos relataram diagnósticos de pessoas que sofreram AVC [Acidente Vascular Cerebral], depressão, hipertensão e até suicídio após passarem pelo drama das desapropriações. Não temos acesso aos dados oficiais, mas com estes relatos já podemos traçar uma relação direta das obras com a saúde das pessoas”, esclareceu Marize Cunha.
Caixa d ‘água construída pelo PAC não é usada. Complexo do Alemão, outubro de 2013
A pesquisadora da Fiocruz descreveu ainda o cenário caótico que encontrou na comunidade da Manguinhos após uma série de remoções iniciadas desde o ano de 2009. “Parece cena de filme de guerra, com casas destruídas, áreas alagadas, esqueletos de imóveis. É desolador. Sem contar as condições precárias daquelas famílias que resistem às intimações do governo e continuam nas suas casas sem o fornecimento dos serviços básicos, cortados pelas empresas públicas, ou seja, sobrevivem sem água e luz”, relatou Marize. Um dos moradores de Manguinhos contou para os pesquisadores que a sua residência foi condenada pelas autoridades após um desabamento e a indenização oferecida não correspondia ao valor de mercado do imóvel e muito menos dava para comprar outra propriedade. “Esta pessoa estava desesperada, estressada. A qualidade de vida cai muito nestes casos”, disse Marize.
Avaliando as desapropriações no conjunto do Alemão, Marize citou outro aspecto que leva ao adoecimento: o rompimento dos laços familiares. “Muitas famílias são separadas pelo processo de desocupação e são levadas pelo governo para locais bem distantes, tendo a sua rotina completamente modificada e com graves transtornos nos relacionamentos sociais. Isso também é causa de sofrimento e doenças”, disse ela.
Rachadura em moradia de Manguinhos. Março de 2013
Apesar do conteúdo do relatório ainda estar em fase de produção, os estudos indicam que o maior problema vivenciado pela comunidade de Manguinhos diz respeito à moradia, enquanto no Alemão a deficiência está no sistema de saneamento básico e, na Rocinha, na mobilidade urbana. Segundo Marize, a questão do saneamento no Alemão é histórica e tem a ver com as políticas públicas ineficientes. A questão do acúmulo de lixo se apresenta em toda a cidade, mas na favela esse ponto é tratado de forma diferenciada, pois precisa de um critério para o seu despejo, exigindo do morador que ele se desloque até um determinado ponto. Já a água representa outro problema, pois a sua ausência nas torneiras virou um processo natural e corriqueiro, ao passo que o produto é essencial e deve ser fornecido diariamente e com qualidade, o que não acontece nos locais pesquisados.
“Durante o PAC várias caixas d´água foram construídas no Alemão, mas estão fora de uso por problemas técnicos”, disse Marize. Segundo ela, os investimentos públicos para manter regular o abastecimento de água são altos, mas fundamentais do ponto de vista social e da saúde . “O que observamos é que quando o governo abre licitação para esse serviço as grandes empresas entram na concorrência, mas oferecendo valores que não competem com a obra. E nessa linha de execução, são realizadas as obras mais caras, como a construção das caixas d´água e depois as empresas solicitam os aditivos para continuidade do investimento, o que nem sempre é concedido e o projeto fica abandonado. Muitas vezes, a obra é registrada como pronta pelos dados do governo e a população nem tem noção desse processo. Mais tarde, fica complicado conseguir recursos públicos para a finalização destas obras”, esclareceu a pesquisadora.
Na Rocinha, os pesquisadores detectaram o problema da mobilidade urbana, agravado com os protestos dos moradores contra a construção do teleférico. “Pelo projeto do PAC e experiência comprovada no Alemão, é fácil perceber que o teleférico não acompanha a lógica do território, com seus becos, ruas principais, acessos e pontos mais altos. Ou seja, não vai ajudar no deslocamento da população. Além disso, o sistema que movimenta as gôndolas não permite elas pararem nas estações para o acesso das pessoas com deficiência ou portando bolsas de compras. Essa é outra reclamação dos moradores. É um investimento alto, que causa impacto no orçamento e que poderia ser utilizado com as obras mais necessárias ou sistema de transporte alternativo, que é mais apropriado para a região”, relatou a pesquisadora.
Nas três comunidades muitos moradores tiveram os seus imóveis interditados em função de rachaduras provenientes das trepidações das máquinas utilizadas nas obras do PAC. Na comunidade Matinha, no Alemão, as casas ao redor da caixa d´água apresentaram rachaduras em diversos cômodos e estão em processo de desapropriação. Os moradores que procuraram a prefeitura para fazer o cadastro e receber a indenização, estão sendo realocados num conjunto habitacional no bairro de Santa Cruz, na Zona Oeste. Para Marize, os desabamentos no Complexo do Alemão provocados pelas fortes chuvas que caíram na cidade nos últimos dias é consequência de fatores desencadeados com má administração das políticas públicas na comunidade, como a falta de planejamento, a ausência de diálogo com a população e precarização das moradias.
Destroços das remoções em Manguinhos
Marlize relatou um fato inusitado que aconteceu há poucos dias, durante a realização do projeto popular Circulando, promovido pelo Instituto Raízes em Movimento, no Alemão. Os destroços de uma escada que pertencia a uma casa demolida há quase dois anos foi grafitada pelo artista plástico Mário Brands, que deu ao esqueleto uma alma cultural e foi elogiado pelos moradores pela iniciativa. “Dias depois, agentes da prefeitura estiveram no local e destruíram a nova obra de arte. O impressionante é que aquela escada estava há muito tempo ali como marca de uma violência social, de uma ação cruel e algo que afetava a comunidade. No momento em que ela foi potencializada pela iniciativa cultural, foi arrancada. Um absurdo”, disse Marize.
Estudos são desenvolvidos através de oficinas interativas
A metodologia aplicada na pesquisa visa a realização de oficinas nas comunidades do Alemão, Manguinhos e Rocinha. Já foram realizados dois encontros em cada território desde o início dos trabalhos pelos pesquisados, como a participação de 15 moradores de cada região, selecionados a partir de três aspectos: sexo, local de moradia e idade. Na primeira reunião, realizada no mês de julho, os pesquisadores da Fiocruz apresentaram a linha de estudo e identificaram os eixos dos problemas relatados pelos moradores. Já na segunda oficina, em outubro, os pesquisadores retomaram as questões debatidas fornecendo dados estatísticos, material de vídeo e teórico sobre cada assunto abordado. “A intenção é implementar os temas selecionados pela própria comunidade. É ouvi-los e depois desenvolver a pesquisa com a interação deles”, explicou Marlze Cunha.
Destruição da escada grafitada por artista plástico no Complexo do Alemão
Até o final da pesquisa outras oficinas serão colocadas em prática. No Complexo do Alemão os encontros são produzidos com a colaboração da líder comunitária da favela Matinha, Renata Trajano, e da ONG Instituto Raízes em Movimento, criada para discutir os temas sociais e prestar apoio humanístico e logístico aos moradores do conjunto. “Através dos debates sobre moradia, promoção da saúde, saneamento e mobilidade os participantes vão tomando consciência de como estes fatores interferem na vida pessoal e profissional de cada morador e são, os mesmo tempo, elementos de transformação social. Existe uma convergência entre os temas e nós procuramos demonstrar como esse processo acontece no cotidiano. Quando um local fica tomado pelo lixo, por exemplo, se cair um temporal como aconteceu nos últimos dias, os detritos vão parar nas vias de acesso, fechar as passagens nas portas das casas e interferir diretamente na questão da mobilidade. O governo também precisa fazer o dever de casa e cumprir as promessas. As obras de alargamento da principal via de acesso que corta o Complexo do Alemão, a Avenida Joaquim de Queiroz, não forma realizadas e elas estavam dentre as revindicações propostas pela comunidade às autoridades. Assim, os reparos superficiais feitos na avenida servem apenas como uma maquiagem para encobrir problemas maiores nas suas ruas transversais”, exemplificou a pesquisadora.
Os resultados das oficinas serviram para a elaboração das recomendações ao governo, que constarão na finalização do estudo. O conteúdo vai mesclar conhecimentos científicos sobre os temas abordados, fundamentados em opiniões de especialistas, e os relatos dos moradores das três comunidades. “São visões diferenciadas e igualmente importantes sobre os mesmos assuntos. Esta visão compartilhada de conhecimentos chamamos de Comunidade Ampliada de Pesquisa (CAP), que produz um terceiro conhecimento, que nada mais é do que o produto final do estudo”, explicou Marize. Apesar do prazo de conclusão da pesquisa estar previsto para final de 2014, muitos dados já avaliados pela equipe da Fiocruz estão circulando pelas comunidades cariocas. O acesso dos pesquisadores aos moradores e regiões nos complexos da Rocinha e do Alemão acontece pelas parcerias deles com a TV Tagarela e Instituto Raízes, respectivamente.