Anvisa: médico ou monstro?

A mesma mão que oferece vacina põe mais veneno em sua comida. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sofre de dupla personalidade: sua atuação digna de elogios nos piores momentos da pandemia encobre o seu lado assustador. Não fosse pela entidade, teriam morrido bem mais pessoas de Covid-19 no país; por outro lado, ela é corresponsável pela morte causada por agrotóxicos de um brasileiro a cada dois dias, segundo um relatório recém-publicado pela ONG Friends of the Earth Europe. E, de acordo com a pesquisadora Larissa Bombardi, professora do departamento de Geografia da USP, pela intoxicação de 50 bebês por ano no Brasil. É como na história do médico e o monstro.

A Anvisa “tem por finalidade institucional promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e consumo de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária”. Seguindo à risca o que diz seu estatuto, aprovou as vacinas que salvaram as vidas de milhares de brasileiros, contra recomendações do governo; ao mesmo tempo, tem cumprido ordens que vêm minando nossa saúde lentamente. Cabe à agência não só dar ou negar seu aval a medicamentos, como também a pesticidas. E nunca tantos agrotóxicos foram liberados no Brasil em tão pouco tempo.

Em 2021, 562 novas substâncias foram aprovadas, um recorde absoluto. Até 25 de fevereiro deste ano, quando o atual governo completou 1.158 dias, este número chegou a 1.629 – o que dá uma a incrível média de 1,4 por dia. E a nossa saúde tem se deteriorado com a mesma rapidez. “Os números me chocaram, pois só aumentaram. Pela média, são 15 pessoas intoxicadas por ano. No antigo levantamento, eram 10. Entre os bebês de 0 a 1 ano, a média de intoxicações passou de 43 para 50. Essa alta tem se mantido para todos os recortes que tenho feito”, diz Larissa Bombardi, que ora prepara a versão atualizada do “Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia”.

A cientista publicou o primeiro relatório em 2017. Nele, constavam dados de 2007 a 2014, compilados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde. A atualização traz dados de 2010 a 2019. Notificações de intoxicação desse tipo são obrigatórias no Brasil desde 2011; mas como isso nem sempre acontece, é razoável supor que os números devem ser ainda mais assustadores. O texto foi publicado em 2020 na Europa, onde causou escândalo – uma grande rede escandinava de supermercados chegou a boicotar produtos brasileiros. Larissa foi ameaçada e teve que deixar o país.

O lado monstro da Anvisa gosta de vida mansa – e isso o torna ainda mais perigoso. Há quase três anos não sabemos o risco que corremos quando nos sentamos à mesa. O Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos foi criado em 2011. A última vez que um resultado veio à luz, foi em 2019, com análises de amostras recolhidas em 2017 e 2018. Ou seja, desde que começou o atual governo, o recordista em lançamento de pesticidas, não temos a menor ideia da quantidade de veneno que estamos ingerindo. Melhor dizendo, temos uma leve noção: 42% das goiabas, 39% das cenouras, 35% dos tomates e oito a cada dez pimentões analisados na safra 2017-2018 estavam contaminados.

A agência também está empurrando com a barriga a decisão de proibir o uso do carbendazim no país. O agrotóxico foi banido dos Estados Unidos e da Europa; suspeita-se que leve à malformação de fetos e cause câncer. Em 2015, a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer já alertava para os perigos do glifosato, da diazinona e da malationa, usados como água por aqui. O Instituto Nacional de Câncer calcula 625 mil novos casos da doença por ano entre 2020 e 2022 – contra 600 mil em 2018 e 2019. Segundo a Organização Internacional do Trabalho, os agrotóxicos são responsáveis por 70 mil mortes por ano no mundo; e 20% das vítimas no Brasil são crianças e jovens de até 19 anos.

Hoje, o país responde por 20% do mercado mundial de agrotóxicos, com US$ 10 bilhões por ano. Caso a sociedade não reaja, a tendência é piorar. O médico/monstro ainda pode ser obrigado a lavar as mãos. O Projeto de Lei 6.299/2002, mais conhecido como PL do Veneno, que ora tramita ameaçadoramente no Congresso, não só flexibiliza ainda mais as regras de aprovação e comercialização de agrotóxicos: também transfere essa atribuição da Anvisa para o Ministério da Agricultura. Em nome de quê?

Existem opções, não se deixe enganar. Não podemos ser obrigados a escolher entre morrer de fome ou de câncer por causa da ganância alheia. Vamos deixar claro nas urnas que queremos uma vida longa, próspera e saudável para nós e para as próximas gerações.


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Este texto foi inicialmente publicado pelo site “Uma gota no oceano” [Aqui!].

Larissa Bombardi caracteriza agrotóxicos no Brasil como um “Bophal” cotidiano

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Forçada a um exílio com duração sem previsões por causa de suas pesquisas sobre agrotóxicos, a professora Larissa Bombardi aproveita a sua estadia na Europa para continuar nos informando sobre a grave crise ambiental e sanitária que o uso amplo, descontrolado e abusivo está impondo sobre a população brasileira.  Para Bombardi, lembrando o grave incidental industrial ocorrido na cidade indiana de Bophal  pela Union Carbide em 1984, o Brasil vive hoje uma espécie de “Bophal cotidiano” (ver vídeo abaixo).

Neste momento, estou compilando a lista de agrotóxicos liberados apenas por 3 atos que totalizam um total de 143 novos produtos liberados para o mercado nacional, muitos proibidos na União Europeia e em outras partes do mundo. A partir desses 3 atos, o governo Bolsonaro chegou a 1.507 agrotóxicos liberados em 35 meses de governo.  Com isso, aumentou a intensidade da nossa “Bophal” cotidiana. 

O mais cruel é que existem alternativas a esse modelo viciado em agrotóxicos que, como mostrei recentemente, está gerando um processo sistêmico de contaminações nos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros.  Por isso, é tão importante prestar muita atenção no que está dizendo Larissa Bombardi e outros pesquisadores que têm denunciado o processo de contaminação causado pelo modelo de agricultura que se orienta para o lucro extremo, mesmo que nos deixe imersos em uma profunda crise sanitária e ambiental.

Live do lançamento do livro “Geografia da Assimetria: o ciclo vicioso dos agrotóxicos e colonialismo entre o Mercosul e a União Europeia” de Larissa Bombardi

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Como anunciado aqui no blog, hoje ocorreu o lançamento no Parlamento Europeu do livro “Geografia da Assimetria: o ciclo vicioso dos agrotóxicos e colonialismo entre o Mercosul e a União Europeia” de autoria da professora Larissa Bombardi, do Departamento de Geografia da USP, e que atualmente se encontra exilada na Bélgica em função de ameaças sofridas por causa da publicação de sua obra anterior, o “Atlas Geográfico do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia“.

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Ainda que o evento de lançamento tenha durado em torno de 2 horas, disponibilizo abaixo dois vídeos que mostram a apresentação feita pela professora Larissa Bombardi do seu novo livro.

Quem desejar baixar a obra “Geografia da Assimetria: o ciclo vicioso dos agrotóxicos e colonialismo entre o Mercosul e a União Europeia” em sua versão em inglês, basta clicar  [Aqui!]

Exilada por causa das suas pesquisas sobre agrotóxicos no Brasil, Larissa Bombardi lança novo livro no Parlamento Europeu

Agrotóxicos e  relações comerciais assimétricas entre a UE e o Mercosul. Pesquisadora exilada discute a circulação de agrotóxicos. Próximos padrões coloniais. Parlamentares de esquerda da UE e ONGs participarão de evento no Parlamento Europeu

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Por Ulrike Bickel para o Amerika21

Bruxelas . Amanhã a professora de geografia brasileira Larissa Bombardi apresentará seu novo estudo sobre política de agrotóxicos nas relações comerciais entre a União Européia (UE) e a aliança econômica Sul-americana Mercado do Sul (Mercosul). No evento organizado pelo grupo de esquerda no Parlamento Europeu, parlamentares e organizações não-governamentais das duas regiões farão comentários sobre a situação. Eles também discutirão abordagens para combater o uso indevido de pesticidas.

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Empresas químicas se beneficiam da redução tarifária planejada de 14 a zero por cento nas exportações de pesticidas para o Mercosul.  FONTE:BILATERAIS

Participantes: Lilian Galán, membro da Frente Amplio do Uruguai, Nilto Tatto,  deputado federal do Partido dos Trabalhadores Brasileiros (PT) e presidente da frente parlamentar ambiental, da Alemanha Peter Clausing da Rede de Ação de Pesticidas (PAN) e da França Arnaud Apoteker da Justice Pesticides e Sara Lickel do Veblen Institute.

No estudo, que estará online em breve, Bombardi explica como o planejado acordo de livre comércio UE-Mercosul aumentará o comércio desigual entre as duas regiões e prejudicará ainda mais o clima e os ecossistemas. Organizações como o Greenpeace já demonstraram que as empresas químicas europeias se beneficiam enormemente das reduções tarifárias planejadas de 14 a zero por cento nas exportações de agrotóxicos para o Mercosul. Algumas delas são substâncias químicas proibidas na UE, como os inseticidas altamente perigosos para as abelhas Fipronil da BASF, Tiametoxam da Syngenta, Clotianidina e Imidaclopride da Bayer.

Continuaram as críticas de que os cortes tarifários sobre produtos agrícolas sul-americanos, como carne bovina e de frango, açúcar e bioetanol, acelerariam o desmatamento e consolidariam o modelo agrícola industrial que depende de monoculturas e safras geneticamente modificadas de alto desempenho. Por sua vez, as empresas químicas se beneficiam disso.

As aplicações corriqueiros de agrotóxicos em enormes plantações por avião também destruíram biomas ricos em espécies florestas e savanas, povos indígenas e agricultores foram deslocados, e os serviços de saúde da população local ficaram sobrecarregados. Com a exportação de produtos agrícolas sul-americanos, as substâncias perigosas voltaram aos pratos dos consumidores europeus: dentro e em restaurantes locais . Além disso, o acordo UE-Mercosul dá continuidade ao papel da América Latina como exportador de commodities agrícolas, como mostram os mapas do estudo da Bombardi.

Em termos puramente monetários, um certo equilíbrio foi estabelecido no comércio. Em 2018, a UE exportou bens no valor de cerca de 41 bilhões de euros para o Mercosul, enquanto os países do bloco sul americano exportaram bens no valor de cerca de 43 bilhões de euros para a UE. A Alemanha domina as importações do Mercosul com uma participação de 20 % das exportações totais, seguida pelos Países Baixos com 17% e França com 14%. O principal exportador do Mercosul para a UE é o Brasil, com mais de 70% do volume total de exportação. A Argentina tem 20%, Paraguai e Uruguai, 5%.

No entanto, segundo Bombardi, a aparente igualdade de valores financeiros das exportações esconde a subordinação dos ecossistemas, dos direitos humanos e das necessidades humanas no Mercosul. Enquanto as principais exportações da UE são produtos processados, como máquinas, veículos, reatores nucleares, produtos farmacêuticos e equipamentos eletrônicos, os principais produtos de exportação do Mercosul permaneceram principalmente matérias-primas, como farelo de soja, ração animal, minérios, grãos, celulose, óleos vegetais, frutas e café.

Oito dos doze produtos mais exportados do Mercosul para a UE vieram do setor agrícola, três da mineração e apenas um era um produto industrial. Por outro lado, dos doze produtos mais exportados da UE para o Mercosul, onze estavam relacionados com tecnologias de alto valor agregado: por exemplo, veículos, máquinas, aparelhos eletrônicos, produtos farmacêuticos e químicos, peças de aeronaves, aço. Apenas a décima segunda categoria de produtos continha matérias-primas.

Segundo Bombardi, isso reproduz o modelo comercial colonial de uma divisão internacional assimétrica do trabalho que as potências coloniais europeias estabeleceram há 500 anos.

Uma aliança de mais de 450 organizações sociais e ambientais da América Latina e da Europa está agora protestando contra o acordo comercial UE-Mercosul . De acordo com um parecer jurídico recente do Greenpeace e Misereor, as melhorias com uma cláusula adicional sobre proteção ambiental e florestal, propostas pelo Comissário de Comércio da UE Dombrovskis, são completamente inadequadas para garantir a sustentabilidade e os direitos humanos.

Quem desejar se inscrever para participar deste evento, basta clicar [Aqui!]

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Este texto foi originalmente escrito em alemão e publicado pelo Amerika21 [Aqui!].

Parlamento Europeu terá webinar para lançamento de livro sobre “o ciclo vicioso dos agrotóxicos na relação União Europeia X Mercosul”

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11 de maio de 2021 das 17:00 às 19:00 (Horário Bruxelas)

Interpretação FR, ES, PT, EN

As empresas europeias exportam massivamente pesticidas para o Mercosul, destruindo florestas, deslocando povos indígenas e fazendeiros e envenenando as populações locais. Essas substâncias perigosas voltam aos pratos dos consumidores europeus. Felizmente, os cidadãos estão reagindo e pressionando os governos a quebrar esse ciclo. O grupo de Esquerda no Parlamento Europeu convidou a Profa. Larissa Mies Bombardi, da Universidade de São Paulo, para apresentar seu novo estudo “Geografia da Assimetria, Círculo de Venenos e Colonialismo Molecular nas Relações Comerciais entre o Mercosul e a UE”, que ilustra aqueles destrutivos relações que o tratado negociado entre as duas regiões não mudaria, mas sim reforçaria.

Peritos de destaque e vários parlamentares das duas regiões vão reagir à apresentação e comentar suas ações e as novas janelas que se abrem contra o uso abusivo de agrotóxicos.

CLIQUE AQUI PARA SE CADASTRAR

PROGRAMA

Apresentação e discussão do estudo

“ GEOGRAFIA DA ASSIMETRIA,

Ciclo do Veneno e Colonialismo Molecular nas Relações Comerciais entre o Mercosul e a União Européia ”

encomendado pelo grupo The Left no Parlamento Europeu

Palavras de boas-vindas , de  Manon Aubry, co-presidente da Esquerda no Parlamento Europeu

Introdução , por Helmut Scholz, deputado europeu da Esquerda, membro da Comissão para o Comércio Internacional do Parlamento Europeu

Apresentação do estudo  de Larissa Mies Bombardi, autora do Estudo, Prof. da Universidade de São Paulo

Discussão:

– Peter Clausing, PAN-Alemanha

– Nilto Tatto, Deputado Federal do Brasil e presidente da frente ambientalista

– Arnaud Apoteker Justice Pesticide

– Sara Lickel, Institut Veblen

Conclusões:

– Lilian Galán, MP de El Frente Amplio do Uruguai

– Stelios Kouloglou MEP da Esquerda, membro da Delegação do PE para as relações com o Mercosul

Um Comando de Caça aos Cientistas (CCC) age no Brasil para impedir que a comunidade científica exerça o seu papel

Os visitantes estão diante da citação de Martin Niemöller que está em exibição na Exposição Permanente dos Estados Unidos ... [LCID: img4857]

No dia 11 de janeiro, no limiar do governo Bolsonaro, concedi uma entrevista ao jornal português “Diário de Notícias” que recebeu a manchete “A ciência no Brasil está sob ataque do governo Bolsonaro” onde pude tecer uma série de considerações sobre o que aconteceria com a ciência brasileira e, mais especificamente, sobre pesquisadores envolvidos com temas de pesquisa que fossem julgados prejudiciais aos interesses dos novos ocupantes dos palácios em Brasília, e mais principalmente os seus apoiadores. Dentre as minhas previsões inclui o escasseamento dos recursos para a pesquisa e a perseguição política aos pesquisadores que fossem identificados como “trouble makers” (causadores de problemas).

Pedro Hallal, Larissa Bombardi e Lucas Ferrante: três pesquisadores perseguidos por revelaram “verdades inconvenientes” sobre o Brasil sob Bolsonaro e seus aliados preferenciais

Pois bem, passados 26 meses desde aquela entrevista, a comunidade científica brasileira não apenas está completamente asfixiada financeiramente, com seus principais órgãos de fomento (i.e., CNPq e Capes) virtualmente paralisados, mas também com uma crescente onda de ataques judiciais e extra-legais contra pesquisadores que têm se destacado em suas áreas específicas por documentar todos os malefícios que têm decorrido de uma política de “passa boiada” em áreas extremamente sensíveis como a questão da pandemia da COVID-19, o desmatamento acelerado nos biomas da Amazônia e do Cerrado, e o crescimento exponencial na liberação de agrotóxicos altamente perigosos para uso nos grandes monocultivos de commodities voltadas para a exportação.

Dentre todos os casos que emergiram recentemente destaco os do ex-reitor da Universidade Federal de Pelotas, o epidemiologista Pedro Hallal, coordenador do projeto EPICOVID19, que foi alvo de um processo judicial movido pelo deputado federal bolsonarista Bilbo Nunes (PSL/RS) em função de críticas realizadas contra a condução dada pelo presidente Jair Bolsonaro ao combate da pandemia da COVID-19.  Essa tentativa de silenciamento de um dos principais pesquisadores das repercussões sanitárias e sociais da COVID-19 acabou resultando em um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que, em tese, deve sustar o andamento do processo. Entretanto, a mensagem a Hallal já foi dada e ela é no sentido de que ele não se calar, poderá acabar perdendo o seu emprego. Quero aqui frisar se o professor Pedro Hallal vier a ser demitido no futuro, a grande perdedora será a ciência brasileira, pois certamente alguma instituição estrangeira rapidamente dará emprego e guarida a ele.

Um segundo caso que veio recentemente à tona, não por causa de pressão judicial, mas pelo fato do pesquisador ter sido sequestrado e fisicamente agredido é o do biólogo e pós-doutorando do Instituto de Pesquisas da Amazônia, Lucas Ferrante, que têm se destacado por publicações importantes sobre o avanço do desmatamento na Amazônia, inclusive sobre terras indígenas, e pela situação desastrosa em que se encontra o Amazonas em função do descontrole da pandemia da COVID-19.  Segundo informe pelo site “The Intercept”, Lucas Ferrante foi vítima até uma espécie de sequestro relâmpago seguido de agressões cujo objetivo não era levar seus pertences pessoais, mas obrigá-lo a se calar.

Já no caso da geógrafa Larissa Bombardi, professora do Departamento de Geografia da USP, o motivador de ataques e ameaças foi a exitosa publicação do livro “Atlas Geográfico do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia” que ganhou grande repercussão dentro e fora do Brasil em função da meticulosa documentação da forma pela qual venenos agrícolas altamente tóxicos estão sendo amplamente utilizados no Brasil, o que implica na disseminação de graves riscos à saúde humana e aos ecossistemas naturais.  Após uma série de ataques em redes sociais e até ameaças contra a sua integridade física, Larissa Bombardi decidiu abandonar o país e continuar suas pesquisas na  Universidade Livre Bruxelas. 

Quando colocados em perspectiva, esses casos revelam que ao contrário do período da ditadura militar de 1964 quando agia livre e impunemente o famigerado “Comando de Caça aos Comunistas” (CCC), no momento temos um outro CCC em ação, o Comando de Caça aos Cientistas. E o interessante notar que as faces de alguns membros desse novo CCC são públicas e agem até com a benção de quem deveria defender os cientistas ameaçados.  O mais curioso é que ao forçar o auto-exílio de pesquisadores, fato que já ocorreu no período da ditadura de 1964, os novos “caçadores” podem estar piorando a sua própria situação por vários motivos. O principal deles é que Larissa Bombardi não apenas terá mais recursos para continuar seus estudos enquanto estiver em Bruxelas, mas também, graças à internet, poderá disseminar o conhecimento adquirido com liberdade e mais capacidade de difusão. 

Mas como nem todos poderão ou quererão se auto-exilar, estas perseguições a cientistas engajados em transmitir o conhecimento científico ao principal interessado, o povo brasileiro, não irão cessar com notas de protesto. As associações e sociedades científicas vão ter que agir firmemente para impedir qualquer tentativa de coerção dos membros da comunidade científica. Uma primeira oportunidade seria o engajamento na anulação da Portaria nº 151, de 10 de março de 2021, do ICMBio (Diário Oficial da União de 12/03/2021) que objetivamente criou um sistema de censura dentro do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Essa portaria é para mim é a pedra angular de um sistema que oficializa a perseguição à liberdade de cátedra e autonomia dos cientistas brasileiros e, por isso, deveria ser exemplarmente repudiada até que ela seja anulada.

Aos membros da comunidade científica brasileira que acharem que os problemas de Hallal, Ferrante e Bombardi nunca serão os seus, dedico a citação do pastor luterano alemão Martin Niemöller que testemunhou o holocausto nazista:

“Primeiro, eles vieram atrás dos socialistas e eu não falei abertamente – porque não era socialista.

Aí eles vieram atrás dos sindicalistas e eu não falei – porque não era sindicalista.

Então eles vieram atrás dos judeus, e eu não falei – porque não era judeu.

Então eles vieram atrás de mim – e não havia mais ninguém para falar por mim.”

Aumento no uso agrotóxicos e crescimento do desmatamento na Amazônia: juntos e misturados

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Quando o CEO da rede sueca de mercearias Paradiset, Johannes Cullberg, decidiu lançar o seu boicote contra produtos agrícolas brasileiros, ele o fez por sua oposição ao aumento no uso de agrotóxicos proibidos na União Europa e ao crescimento das taxas de desmatamento na Amazônia (ver vídeo abaixo onde ele envia mensagem aos brasileiros para explicar as razões do seu boicote).

Pois bem, após as recentes controvérsias acerca do papel cumprido pelo governo Bolsonaro na liberação de agrotóxicos altamente venenosos (30% proibidos na União Europeia) e a celeuma causada pelo aumento exponencial das queimadas na Amazônia, as razões levantadas por Cullberg estão sendo confirmadas por pesquisadores que buscam entender as razões pelas quais o Brasil experimentou um crescimento de 25% no uso de agrotóxicos apenas nos últimos cinco anos, uma taxa considerada alta para todos os países do mundo (ver vídeo abaixo postado no canal do jornalista Bob Fernandes no Youtube.

Segundo a professora e pesquisadora do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo, Larissa Bombardi, uma das prováveis razões para o crescimento acentuado no uso de agrotóxicos no Brasil foi justamente o deslocamento do uso de agrotóxicos para estados que formam o chamado “Arco do Desmatamento” (i.e.,  Acre, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia e Tocantins). 

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O arco do desmatamento vem rapidamente se transformando no “arco dos agrotóxicos”, uma combinação que mostra que o agro é tóxico.

Em outras palavras, como havia notado Johannes Cullberg, o aumento exponencial no uso de agrotóxicos proibidos na União Europeia caminha “pari passu” com o desmatamento que em 2019 causou uma quantidade recorde de incêndios, muitos dos quais relacionados à derrubada de florestas nativas na Amazônia.

Imaginem então o que vai acontecer quando essa informação sobre conexão direta entre aumento no uso de agrotóxicos e o crescimento do desmatamento na Amazônia chegar aos segmentos sociais que hoje estão cobrando punições ao Brasil por causa das queimadas ocorrendo em 2019. 

“Brasileiro sofre com problemas crônicos por uso de agrotóxicos”, afirma pesquisadora

No programa Entre Vistas, da TVT, Larissa Bombardi ressaltou os perigos da aplicação intensiva de venenos nas lavouras

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“Mapeei os casos de malformação fetal em SP e é muito assustador. Consegue-se ver no mapa o uso intensivo de agrotóxicos”, diz pesquisadora / Herr stahlhoefer via Wikimedia Commons

Por Redação do jornal Brasil de Fato

Foi exibida nesta quinta-feira (7) na Rede TVT, mais uma edição do programa “Entre Vistas”. Com apresentação de Juca Kfouri. A entrevistada da noite foi Larissa Bombardi. Ela é doutora em geografia pela USP e especialista em agrotóxicos. João Paulo Rodrigues, da Coordenação do MST, e Yamila Goldfarb, da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, fizeram comentários.

Bombardi é autora do Atlas “Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia”, que detalha a extensão do uso e os problemas causados pelos produtos que a bancada ruralista chama de “defensivos agrícolas” dentro do país. Ela iniciou sua intervenção citando exemplos de alimentos importantes na dieta da população que estão altamente contaminados pelos agrotóxicos.

“O Brasil é extremamente permissivo no que diz respeito aos resíduos de agrotóxicos que nós permitimos nos alimentos e na água potável. A gente permite um resíduo do inseticida malationa no feijão quatrocentas vezes maior do que o permitido na União Europeia. Na soja, a gente permite o resíduo de glifosato duzentas vezes maior do que na União Europeia. Isso significa que se uma criança de vinte quilos ingerir cem gramas de soja por dia, ela terá extrapolado em 20% o que seu corpo pode tolerar de glifosato. Na água potável nós toleramos um resíduo de glifosato cinco mil vezes maior do que na União Europeia.

Segundo ela, do ponto de vista da saúde, o brasileiro tem problemas crônicos associados a essa exposição. “Não é só o câncer, temos problemas hormonais severos. Uma médica fez um mestrado na Chapada do Apodi e identificou puberdade precoce associada a agrotóxicos: bebês com dois anos com seios e pêlos pubianos. Eu mapeei os casos de malformação fetal no estado de São Paulo, e é muito assustador, porque a gente consegue enxergar no mapa, o uso intensivo de agrotóxicos”, diz.

Confira abaixo alguns trechos selecionados da entrevista e do debate:

Juca Kforui: Larissa, você apresenta a diferença do que é permitido aqui para o que não é permitido na União Europeia, mas boa parte desses tóxicos todos não é produzida por multinacionais com sede na União Europeia?

Larissa Bombardi: Esse é o maior exemplo da contradição. A gente tem 6 grandes empresas que controlam 70% do comércio de agrotóxicos do mundo, e uma parte delas tem sede na União Europeia. A realidade até 2018 é que as empresas estadounidenses e europeias controlam 70% do mercado de agrotóxicos e muitas dessas substâncias são proibidas nos seus territórios de origem.

Eu quando vejo anúncios do agronegócio pujante, que faz do Brasil líder em uma série de itens, e vejo os aviões passando e pulverizando os campos, fico orgulhoso da nossa tecnologia. Aí fico sabendo, por quem entende do assunto, que isso é proibido na União Europeia há mais de uma década. Para onde vamos, como mudar esse estado de coisas?

João Paulo: Em nossa leitura só é possível segurar isso se o consumidor participar desse debate. Ele compreender do ponto de vista da saúde pública e da sua saúde, o que está por trás dessa maquinaria envenenada chamada agronegócio. Você imagina a riqueza que é a população brasileira. Na Feira Nacional da Reforma Agrária do MST nós trouxemos 1600 produtos das mais diferentes áreas. Por que o Agronegócio quer padronizar a produção? Porque eles querem enfiar goela abaixo que os brasileiros tem que comer quatro produtos: milho, soja, arroz e trigo — e com veneno.

O fato da produção orgânica ser menor leva necessariamente ao produto orgânico ser mais caro?

Larissa Lombardi: Tem essa relação direta, por conta da oferta e da procura. Enquanto o orgânico é raro, é mais caro. E não porque é mais caro de ser produzido.

João Paulo: O custo de produção não é muito mais alto, a diferença é pequena. O que é alta é a especulação do agricultor que produz até chegar [no mercado]. É muito difícil você chegar em um supermercado da periferia e encontrar uma gôndola de orgânicos, você vai achar nas grandes redes, e lá eles organizam o preço.

O programa na íntegra pode ser conferido abaixo:

 


Esta reportagem foi originalmente publicada pelo jornal Brasil de Fato [Aqui!]

Brasil tem 5 mil vezes mais agrotóxicos na água do que países europeus

glifosato

Pesquisa recente da pesquisadora e professora de Geografia Agrária da USP, Larissa Bombardi, sobre o alto índice de agrotóxicos que consumimos no Brasil e os reflexos para a saúde espantam. Mortes por intoxicação e suicídio são alguns dos casos citados pela especialista em seu trabalho mais recente, que resultará no livro Geografia Sobre o Uso de Agrotóxicos no Brasil.

O estudo, em fase de finalização, reúne os dados sobre os venenos agrícolas em uma sequência cartográfica que dá dimensão complexa a um problema pouco debatido no país. São mais de 60 mapas entre os anos de 2007 a 2014. O Brasil é o campeão mundial no uso de agrotóxicos, posto, até a década passada, ocupado pelos EUA.

“O glifosato, herbicida mais vendido no Brasil, e causador de câncer é 5 mil vezes maior na água potável por aqui do que na União Européia. Inclusive em algumas praças e parques públicos, ele é utilizado para capinar. Há muitas prefeituras utilizando também à beira da estrada. Por que é seguro aqui e não é lá fora? 30% dos agrotóxicos que são usados no Brasil são proibidos na União Européia”, alerta ela sobre a permissividade brasileira em relação a outros países.

Projeto de Lei em São Paulo

O cenário é realmente desesperador, contudo, alguns sinais de mudança começam a aparecer. A Câmara dos Vereadores de São Paulo aprovou, na última semana, o PL 891/2013, que proíbe o uso de agrotóxicos que contenham em sua composição 20 tipos diferentes de princípios ativos. Entre os elementos vetados, está o glifosato.

Conforme descrito no artigo 1o da lei, “ficam proibidos na cidade de São Paulo o uso e a comercialização de agrotóxicos que apresentem em sua composição os seguintes princípios ativos: abamectina, acefato, benomil, carbofurano, cihexatina, endossulfam, forato, fosmete, glifosato, heptacloro, lactofem, lindano, metamidofós, monocrotofós, paraquate, parationa metílica, pentaclorofenol, tiram, triclorfom e qualquer substância do grupo químico dos organoclorados e que tenha sido banida em seu país de origem”.

Da Redação Ecoguia, com informações da Agência Brasil