Ciência brasileira em crise: o buraco é definitivamente mais embaixo

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Alertado pelo jornalista Maurício Tuffani em sua página no Facebook, me deparei com dois artigos que discutem a raiz da crise que assola atualmente a comunidade brasileira (Aqui! e Aqui!). Apesar de achar as duas análises interessantes, creio que perdem o essencial da questão.

Mas vamos por partes. Como passei algum tempo vivenciando o sistema universitário estadunidense, creio que relacionar os problemas de gestão que temos nas universidades brasileira à crise quantitativa e qualitativa que temos no nosso sistema universitário à uma suposta falta de profissionalização dos dirigentes é equivocado. É que as universidades estadunidenses passam por problemas sérios nas suas relações internas por uma distância objetiva que existe entre gestores e geridos. Além disso, a superposição de uma lógica mercadológica sobre as questões acadêmicas tem servido para reprimir o pleno desenvolvimento de novas gerações de pesquisadores, além de criar um sistema ainda mais injusto nas relações de trabalho. 

Assim, se olharmos de perto e sem olhos colonizados, veremos que o sistema estadunidense enfrenta uma crise que nasce justamente da negação da autonomia para a produção de conhecimento científico que não esteja sendo produzido apenas para encher ainda mais a empada das corporações. Desta forma, apesar de ainda lideraram os diferentes rankings de universidades no mundo, a pressão pró-mercado tem sido apontado como um poderoso elemento de asfixia na capacidade de gerar conhecimento científico, e até mesmo de gerar bons quadros para a iniciativa privada. 

Ainda nesse tópico, há que se lembrar que muitos dos problemas vividos pelas universidades brasileiras ainda decorrem da herança maldita que foi deixada pela ditadura militar de 1964, que privou nosso jovem sistema universitário de lideranças capazes de apoiar o desenvolvimento de um modelo universitário que estivesse atento aos problemas reais da nossa sociedade.  E isso foi feito não apenas pelas aposentadorias forçadas e exílio de muitos intelectuais, mas também pela ascensão de uma classe de dirigentes totalmente servis ao regime de exceção. Desta forma, essas lideranças institucionais acabaram atrelando as nossas universidades às vontades políticas dos ocupantes de plantão dos diferentes palácios de governo, um fato que se mantém até hoje. Em suma, em minha opinião, o problema que enfrentamos nas universidades brasileiras não é de capacidade de gerir sob o ponto de vista administrativo, mas político.

O segundo aspecto abordado nas reflexões que o jornalista Maurício Tuffani divulgou é que a falta de conhecimento da população sobre a importância da ciência e das instituições que a produzem acabaria fragilizando a posição que as mesmas ocupam na sociedade e, por extensão, nas disputas que eventualmente ocorrem por orçamentos encolhidos. Creio que a primeira questão aqui é relacionada ao que eu disse no item anterior. É que se não produzimos uma ciência antenada com as necessidades mais estratégicas do país, e nos contentamos em produzir ciência de segunda mão, dificilmente teremos o devido reconhecimento de nossa importância para o desenvolvimento nacional. E olha que eu acho que as universidades, a Universidade Estadual do Norte Fluminense é um bom exemplo disso, ainda recebem muito crédito da população, muito mais pelo que poderiam ser, e não que efetivamente são.

Em suma, o nosso problema não é falta de divulgação, mas ausência de um entendimento de que ciência, especialmente aquela produzida num país de economia periférica como o Brasil, não pode ser algo que sirva apenas para o engrandecimento de currículos pessoais.  O buraco é muito mais embaixo, pois não apenas persistem problemas básicos e profundamente graves, mas porque abrir caminho para um efetivo processo de desenvolvimento deveria ser encarado como uma tarefa coletiva de todos os que militam profissionalmente em nosso ainda jovem sistema universitário. Mas não é o que se vê, aliás, muito pelo contrário, já que estamos vivendo um período de grande obscurantismo, onde um mínimo de aceno para reflexões críticas sobre a universidade são rotuladas com adjetivos perversos, seja pela esquerda ou pela direita.

Outro aspecto que deveria servir como elemento de discussão se refere à verdadeira bagunça que foi criada pela implantação de uma visão de quantidade sem qualidade, e que resultou numa euforia inebriante por muitos dirigentes de nossas agências de fomento e das próprias universidades. Em função disso, por quase uma década, vivemos uma espécie de “milagre brasileiro” onde se difundiu a idéia de que havíamos nos tornado uma potência científica mundial.

Agora que a cortina de fumaça está baixando e a dura realidade do “trash science” como “modus operandi” de turbinamento de CVs Lattes aparece nos horizonte, podemos ver que no quesito da produção científica estamos deparados com um verdadeiro tigre de papel, pois, em nome de uma súbita aceleração no número de mestres e doutores, acabamos criando um sistema sórdido de confecção em massa de dissertações e teses baseadas em pesquisas pouco rigorosas que, além de não resistir a uma análise minimamente rigorosa, ainda estão servindo para a erupção de um número incrível de fraudes acadêmicas.

Por último, é preciso ressaltar que a política de financiamento adotada pela maioria dos governos civis que sucederam ao regime de 1964 tem sido na direção das instituições privadas de ensino, onde efetivamente não há qualquer produção científica que merece essa nome. No caso do governo de Dilma Rousseff temos assistido, até de forma inaceitável, a aplicação de bilhões de reais em políticas que servem apenas para robustecer a produção de vagas de graduação, enquanto turbinam as contas bancárias dos donos das empresas de ensino.  Essa decisão do governo federal evidencia não apenas a opção preferencial pelas corporações privadas de ensino, mas também, e principalmente, o abandono das instituições públicas, onde se concentra a produção científica.

Essa opção preferencial pelo ensino privado é revelador de algo ainda mais crucial, o do abandono de um projeto nacional para a ciência. E frente a esse fato é que deveríamos estar nos posicionando, o que não está ocorrendo, pois a maioria das análises se concentra em elementos, me desculpem, periféricos e secundários. 

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