Glifosato na mira

Herbicida mais vendido no Brasil e no mundo é classificado como provavelmente cancerígeno para humanos pela Organização Mundial da Saúde. O tema é destaque da coluna de Jean Remy Guimarães, que critica a falta de divulgação da notícia na imprensa nacional.

Por: Jean Remy Davée Guimarães

Glifosato na mira

O glifosato, presente em cerca de 750 herbicidas, foi classificado como provavelmente cancerígeno, com base em estudos que mostram aumento da taxa de câncer entre agricultores e jardineiros expostos. (foto: Austin Valley/ Flickr – CC BY 2.0)

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estabelece recomendações e sugere normas para a exposição a milhares de substâncias diferentes. Esse é um processo contínuo, uma vez que novos compostos continuam chegando ao mercado, assim como são publicados novos dados ecotoxicológicos sobre compostos já em uso. O processo é longo, caro e complexo e, entre outros resultados, fornece classificações de risco.

Conforme a quantidade e contundência das evidências científicas, temperadas pela ‘insistência técnica’ de eventuais lobbies corporativos interessados em influir no resultado, um composto ou produto pode ser classificado como cancerígeno para humanos ou provavelmente cancerígeno para humanos. Há também a categoria ‘possivelmente’, e a ‘não sei’. É comum que um composto passe da segunda (provável) para a primeira categoria, mas não se tem conhecimento de exemplo na direção contrária.

O tempo entre o surgimento das evidências de um risco e a emissão de uma norma para domá-lo costuma ser dolorosamente longo, especialmente para os que têm o privilégio duvidoso de terem sido suas primeiras vítimas documentadas.

O tempo entre o surgimento das evidências de um risco e a emissão de uma norma para domá-lo costuma ser dolorosamente longo

As sugestões da OMS têm autoridade moral, mas não legal, e podem ser adotadas pelos seus países-membros, ou não.

Para facilitar a navegação pelo mar revolto de estudos in vitro, in vivo, com bactérias, animais e plantas, somados aos poucos estudos epidemiológicos em humanos, a OMS adotou há cerca de 40 anos a saudável prática de convocar regularmente grupos de especialistas para avaliar e reavaliar a toxicidade e o potencial carcinogênico de determinados compostos. O critério para a escolha dos especialistas é rigoroso: devem aliar alta credibilidade científica com total ausência de conflito de interesse na matéria.

Os especialistas não chegam para as reuniões de jaleco e pipetador na mão, pois não vão fazer nenhum novo estudo. A missão é compilar, avaliar e discutir os estudos existentes na literatura até aquele momento e confirmar ou alterar as classificações de risco existentes. Observadores da indústria e/ou de outras agências de classificação de risco sanitário ou ambiental podem assistir aos debates. Só assistir.

Glifosato, OGMs e câncer

Um dos mais importantes grupos avaliadores da OMS é a Agência Internacional para a Pesquisa sobre o Câncer (IARC, na sigla em inglês). E, em 20 de março de 2015, a IARC publicou on-line na prestigiosa The Lancet Oncology os resultados de uma avaliação que seria rotineira se não se referisse, entre outros pesticidas, ao carro-chefe da linha de produtos da Monsanto (companhia multinacional de agricultura e biotecnologia): o glifosato, princípio ativo do herbicida Roundup e de muitas outras formulações de mesma finalidade.

Roundup
O glifosato é o princípio ativo do herbicida Roundup, carro-chefe da linha de produtos da multinacional Monsanto, e de muitas outras formulações com a mesma finalidade. (foto: London Permaculture/ Flickr – CC BY-NC-SA 2.0)

Campeão mundial de vendas, o glifosato está presente em cerca de 750 produtos diferentes usados como herbicidas na agricultura, silvicultura, jardinagem doméstica e urbana.

O pulo do gato da estratégia comercial da Monsanto é o desenvolvimento de cultivares geneticamente modificados para resistir ao Roundup, enquanto as demais plantas definham sob o mesmo. São os chamados OGMs ‘Roundup-ready’. Previsivelmente, o consumo de Roundup aumenta com a ampliação da superfície plantada com transgênicos. Também aumenta com a crescente resistência das ervas daninhas ao herbicida, mas isso é outra história.

No momento, a questão é que a IARC decidiu classificar o glifosato como provavelmente cancerígeno (categoria 2A). Fez o mesmo com outros pesticidas como diazinon e malathion, mas isso foi marola em comparação com o tsunami da inclusão do glifosato.

Os estudos envolviam casos-controle de exposição ocupacional de agricultores e jardineiros na Suécia, Estados Unidos e Canadá e mostram aumento da taxa de câncer em indivíduos expostos

Os estudos que convenceram os 17 membros da IARC a tomar a decisão tão corajosa não envolviam a população em geral, mas sim casos-controle de exposição ocupacional de agricultores e jardineiros na Suécia, Estados Unidos e Canadá. Os estudos mostram aumento da taxa de câncer – particularmente linfoma não-Hodges – em indivíduos expostos. Em animais, os estudos evidenciaram danos cromossômicos, maior risco de câncer de pele, de rim e de adenomas no pâncreas. Nada mau para um composto apresentado em folhetos coloridos como tão inócuo quanto o sal de cozinha.

No entanto, os dados dos estudos selecionados pela IARC (usando os mesmos critérios que a OMS utiliza para selecionar os próprios membros da IARC) não foram considerados suficientes para estabelecer de forma inequívoca o caráter carcinogênico do glifosato para humanos.

Ainda bem, pois um estudo de 2014 do Serviço Geológico Americano (USGS) publicado na Environmental Toxicology and Chemistry mostrou que, em muitas regiões dos Estados Unidos, o glifosato é detectável em cerca de 75% das amostras de ar e água de chuva analisadas. Ué, esquisito, pois a Wikipedia diz que ele é fortemente fixado nos solos e não deve migrar para os corpos d’agua. Que danadinho desobediente!

Pulverização de herbicida
Estudo realizado em 2014 mostrou que, em muitas regiões dos Estados Unidos, o glifosato é detectável em cerca de 75% das amostras de ar e água de chuva analisadas, embora diga-se que ele se fixa fortemente aos solos e não migra para corpos d’água. (foto: Will Fuller/ Flickr – CC BY-NC-ND 2.0)

Reação instantânea

Como de costume, a Monsanto reagiu rápido à decisão da IARC e, em comunicado de 23/03, desanca a agência, que, segundo a empresa, teria se baseado em “ciência-lixo”. No mesmo dia em que foi divulgado o estudo da The Lancet Oncology, a empresa intimou Margaret Chan, diretora da OMS, em carta que vazou para a imprensa, a retificar a opinião da IARC, aparentemente sem sucesso, até aqui.

Enquanto isso, o glifosato está sob reavaliação pela Comunidade Europeia. Inquirida sobre sua opinião a respeito das conclusões da IARC, a Agência Europeia de Segurança Alimentar (Aesa) esclareceu que a Alemanha é o país-relator dessa matéria e que seu homólogo alemão, o Bundesinstitut für Risikobewertung (BfR), algo como Instituto de Avaliação de Riscos, é o encarregado de fazer a avaliação do glifosato em nome da Europa. Seu veredicto, a ser ainda submetido à Aesa nas próximas semanas, talvez não apoie as conclusões da IARC, pela singela razão de que um terço dos membros do grupo de experts em pesticidas do BfR alemão é composto por assalariados diretos dos gigantes da indústria agroquímica e de biotecnologia.

O herbicida preferido por nove entre 10 estrelas do agronegócio pode causar sérios danos renais, inibir a reprodução normal (cruzes!), promover congestão pulmonar e aumentar a taxa respiratória, tudo isso em humanos

E nos Estados Unidos? Bem, foi em seu país-sede que a Monsanto treinou seu eficiente método de infiltração e cooptação de agências reguladoras, a começar pela Agência de Proteção Ambiental (EPA). O mesmo foi simplesmente replicado depois em escala global. A EPA mantém sua posição de que as evidências de potencial carcinogênico do glifosato em humanos são inadequadas (sic), mas tem planos de considerar (sic) os achados da IARC e talvez tomar alguma atitude no futuro. Enquanto isso, condescende em admitir que o herbicida preferido por nove entre 10 estrelas do agronegócio pode causar sérios danos renais, inibir a reprodução normal (cruzes!), promover congestão pulmonar e aumentar a taxa respiratória, tudo isso em humanos.

Mas, falando em globos e planetas, você viu alguma notinha sobre o palpitante tema na grande imprensa brasileira? Eu também não, e olha que procurei: está só na blogosfera, e em sites de notícias internacionais, como o do Le Monde, entre outros. Intrigado, visitei o site americano da Monsanto e achei o comunicado furibundo já comentado aqui, em inglês, claro. No site brasileiro da empresa, nadica de nada, nem em javanês. E olha que eu descasquei os 104 resultados da busca pelo termo glifosato no site. Já boladão, em desespero de causa, fui aos sites da Associação Nacional de Biossegurança (ANBio) e da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio): mesmo estrondoso silêncio.

Alô, câmbio? Não somos o maior consumidor de pesticidas do planeta desde 2008? O glifosato, em suas muitas formulações, não é o item principal dessa cesta química? Oops, esqueci de checar os sites da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Ministério da Agricultura. Mas não o farei. O texto já está longo. Deixo esse cuidado aos meus leitores.

Afinal, vocês também têm que fazer alguma coisa, não é?

Jean Remy Davée Guimarães é professor do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro

FONTE: http://cienciahoje.uol.com.br/colunas/terra-em-transe/glifosato-na-mira

8 comentários sobre “Glifosato na mira

  1. Entendo a sua frustração em não encontrar nada sobre o glifosato no site da CTNBio ou mesmo da Anbio. O caso é que o órgão que regula os agrotóxicos é a ANVISA. A CTNBio é proibida por lei de se pronunciar. Dê uma lida na lei 11.105 de 2005 e veja que não estou mentindo. Por que a CTNBio não se manifestaria sobre glifosato? Porque ela faz avaliação de risco de OGMs: só os impactos diretos do OGMs no ambiente ou na saúde são seu objeto. O glifosato ou qualquer outro produto de uso “pareado” com o OGM será da alçada do órgão regulador.

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    • Paulo, inicialmente obrigado pelo comentário. Mas eu não sou o autor do artigo, mas apenas o postei a partir do síte da Ciência Hoje. Por outro lado, o ponto levantado pelo autor, Prof. Jean Remy, me parece ser válido. É que o problema não seria a CNTBio se pronunciar sobre a aprovação do glifosato que cabe sim à ANVISA. Entretanto, como a CNTBIO teoricamente cuida da biossegurança, os problemas em torno do glifosato que parecem ser múltiplos e graves demanda um posicionamento tanto da CNTBIO como da Anbio, Se não, para que serviriam então? O problema é que a ANVISA está totalmente pressionada pelas múltiplas tarefas que possui e sob pressão dos ruralistas capitaneados pela atual ministra da Agricultura que querem liberar ainda mais agrotóxicos para serem usados de forma ainda mais intensiva.

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      • O Jean Rémy se equivoca porque a CTNBio não trata de biossegurança em geral, apenas de biossegurança de OGMs (transgênicos). Quando a Comissão avalia um produto para liberação comercial, ela não pode analisar o impacto das tecnologias associadas. É o mesmo caso de quem avalia a segurança de um novo carro: ele não tem que se debruçar sobre os perigos da gasolina (que são muitos e conhecidos).
        Se o uso do glifosato alterasse a biologia da planta transgênica que lhe é tolerante, aí sim, a CTNBio teria que avaliar. Mas não é este o caso.
        Concordo com vocês que a ANVISA é tremendamente pressionada por todos os lados e precisa de muita serenidade para tomar uma decisão baseada em ciência. Já a ANBio poderia, talvez, se posicional, e deve estar trabalhando nisso, mas uma opinião técnica séria não pode ser obtida do dia prá noite. Além disso, de toda forma, a autoridade nacional é a ANVISA,

        Por fim, quero te alertar sobre a falsa ligação entre os transgênicos e os agrotóxicos, que é propagada em muitos sites, mas só tem uma base ideológica. Porque não está apoiada nos fatos? Resumidamente, são estes os argumentos que provam a ausência de ligação entre aumento de transgênicos e aumento de agrotóxicos:
        a) a área plantada com transgênicos cresceu em média 1300% em 10 anos
        b) a área total plantada no Brasil não cresceu nada
        c) a produtividade e a produção cresceram 200%
        d) o uso de agrotóxicos (tudo, desde raticidas urbanos até o glifosato, passando por inseticidas) aumentou os mesmos 200%
        e) a área plantada com transgênicos é de 42 milhões de hectares e a área total agrícola é de 160 milhões de hectares. Em toda ela se usa uma enorme variedade de agrotóxicos (inclusive óleo mineral, que é o segundo mais usado de pois do glifosato).

        Então, é evidente que o enorme aumento no uso dos agrotóxicos é, ainda assim, seis vezes menor que o aumento das áreas plantadas com transgênicos. Fica evidente que a área com transgênicos também representa uma fração menor (1/4) da área total plantada. Por fim, é claro para qualquer um que o uso maior de agrotóxicos tem a ver com a maior intensificação da agricultura(como é feita hoje), o que implica maior adensamento, melhor crescimento das plantas ou melhor produção de frutos. Por isso, se você dividir o que produzimos hoje com o que consumimos de agrotóxicos, a conta vai dar a mesma do que 10 ou 15 anos atrás! Esta conta o pessoal não faz porque não lhe convém.

        Apenas para completar: nestes últimos 10 anos os casos de intoxicação com agrotóxicos estão estáveis, com discreta tendência de queda e os casos de intoxicação alimentar (aguda) nunca passam dos… 10 por ano. Se desejar uma leitura mais completa, sugiro o texto que fiz: http://genpeace.blogspot.com.br/2015/03/agrotoxicos-tamanho-real-do-problema-e.html

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    • Paulo, a minha visita a High Gate foi direcionada à visita ao túmulo de Karl Marx. Contudo, você está correto porque o local hospeda muitos outros personagens históricos importantes. Além claro, de ser um local muito bonito. E nessas visitas é sempre bom e educativo ir onde a maioria não vai. É assim que se conhece realmente a cultura e a história desses países.

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  2. Paulo, vendo essas contas todas, creio que o principal problema é que a “promessa” dos transgênicos era de que diminuiria o consumo de agrotóxicos, o que não aconteceu. Assim, há que se ver quem lançou primeiro a pedra da “ideologia”. Como venho estudando o uso de agrotóxicos por mais de uma década, sei que um dos maiores problemas acerca do processo de contaminação é a sub-notificação no caso dos humanos, e de formas insuficientes de verificação dos impactos sobre o ambiente. Por exemplo, as empresas fazem seus testes com um determinado produto ativo e recebem a liberação. O problema é que em muitos casos, os subprodutos dos agrotóxicos são ainda mais tóxicos. Além disso, no caso do glifosato estudos recentes tem demonstrado que os produtos que compõe a emulsão são mais tóxicos do que o princípio ativo. Em suma, o buraco é bem mais embaixo até do que pregam muitos oponentes leigos dos agrotóxicos. Finalizando, em relação às críticas do Jean Remy, creio que ele não está se atendo aos limites juridcionais de cada um dos órgãos citados, mas sim a inércia que eles têm demonstrado, provavelmente por causa da acomodação a esses mesmos limites.

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    • Marcos, é bom discutir com você, sustentando o tema de forma tão elegante. Vou acrescentar alguns pontos para que os leitores e nós mesmos possamos meditar.
      a) a promessa de reduzir os agrotóxicos cumpriu-se integralmente em relação aos inseticidas: as plantas transgênicas têm-se mostrado muito eficientes no controle de insetos, salvo algumas exceções (pragas novas, raras vezes insetos resistentes, que é sempre fruto de manejo errado) e houve de fato uma redução brutal de uso de inseticidas em todas as lavouras que usam plantas Bt. Quanto ao aumento do uso de agrotóxicos (herbicidas), as contas que te mostrei indicam que não houve nenhum – se usarmos como denominador a produção. E o aumento de uso por área não foi devido aos transgênicos, e sim à intensificação da agricultura em geral. Assim, no cômputo geral, os transgênicos de fato reduziram o uso de agrotóxicos. Entretanto, eu acho que a promessa de redução podia não se ter cumprido, por várias causas. A proposição das empresas foi uma estratégia de mercado para tentar fazer mais “palatável” ao público um produto que tinha pouco apelo comercial exceto para os agricultores. Foi uma estratégia burra, porque agora os opositores da biotecnologia sempre lembram a promessa que, aos olhos de muitos, não se cumpriu, e a apresentam como mentiras propositais das empresas de biotec.
      b) Concordo com você que a sub-notificação é um problema sério. Este é uma deficiência de todo agravo de notificação compulsória (faz 30 anos venho trabalhando com leishmaniose e doença de Chagas e o problema é parecido). A gente de fato não sabe quantos casos a mais além dos 10 anuais existem, pode ser que 10 X mais. A estimativa que tenho visto dos especialistas é que seriam 8 X mais. Em alguns casos os subprodutos podem até ser mais tóxicos (e isso não acontece no caso das doenças endêmicas que eu citei, ainda bem), mas para o glifosato e os agrotóxicos mais empregados não é o caso.
      c) Acho que a parte submersa do iceberg representa os casos de intoxicação crônica: aí, sim, podem ser milhares de casos. Há protocolos para avaliação disso e aos poucos a gente vai entendendo em que altura vai estar o buraco (e será mais embaixo, concordo com você). Estes casos provavelmente serão gerados por contaminação ocupacional e não por ingestão, porque a exposição é várias ordens de grandeza maior no primeiro caso. E se houver casos alimentares, é provável que venham de frutas, verduras e legumes (o pimentão, o morando e o alface são campeões nisso, tá lá no PARA). Nada destes produtos é transgênico e nunca foi vista uma partilha de milho ou soja no mercado com agrotóxicos acima do permitido ou em não-conformidade (contaminadas com agrotóxicos proibidos para as lavouras de milho ou soja). Aqui, mais uma vez, o problema permeia toda a agricultura e não tem como epicentro os transgênicos, de jeito nenhum. Mesmo sem ter dados concretos, eu acho que a contaminação alimentar com agrotóxicos está enormemente exagerada, sobretudo se você comparar com contaminação bacteriana, que pode ter consequências gravíssimas, e com produtos químicos industriais, que são talvez os mais perigosos.
      d) a formulação pode aumentar a toxicidade porque os emulsificantes e outros aditivos são eles mesmos danosos à saúde. Mas quando se avalia um produto (como o RoundUp) isso já vai embutido. De toda forma, concordo com você: é preciso ter atenção à formulação.
      e) O que o Jean Rémy quer que a CTNBio faça fere a lei. Não há acomodação alguma da Comissão, apenas “cada um no seu quadrado”. Os 52 membros da CTNBio já cortam um dobrado para fazer avaliação de risco dos transgênicos. Se tivessem que meter a colher em agrotóxicos, impactos socio-econômicos, estratégias tecnológicas e muitos outros assuntos para os quais não têm qualquer preparo científico, seria um desastre: nem terminavam o que têm que fazer, nem fariam bem o restante. Neste sentido, eu vejo como órgãos que são dedicados a determinado assunto erram gravemente quando procuram opinar numa área que não lhes é bem conhecida. O CONSEA, por exemplo, quando fala de transgênicos é um desastre. A ABRASCO, quando se posiciona contra os mosquitos transgênicos que a CTNBio aprovou, também erra feio. Por isso, é sábio que a CTNBio não se pronuncie sobre outra coisa que não seja avaliação de risco. E não apenas sábio: é correto porque a opinião técnica final é, de fato, baseada em boa ciência e usa a metodologia adequada, sem os “achismos” que são a maior praga dos generalistas e dos que querem ser holísticos sem ter a dimensão intelectual de um Goethe, de um Humboldt ou de outros de estatura equivalente.

      Só prá fechar este longo comentário (esperando que continuemos o diálogo): O Jean Rémi trabalha no mesmo Instituto onde fiz o mestrado e o doutorado, depois da minha graduação em Física na UFRJ. Ele é editor da revista que vi nascer, no laboratório onde eu trabalhava (no fim da década de 70, início dos 80). Acompanhei a luta para converter conhecimentos científicos em linguagem compreensível ao público, quando meus professores e os jornalistas quase iam às vias de fato, mas tudo terminava em vinhos e queijos. A revista Ciência Hoje era impressa e foi uma enorme vitória mantê-la circulando por tanto tempo. Por isso me preocupa um pouco que, no artigo, o Jean não tenha parado na parte científica e tenha enveredado por considerações que foram baseadas em informações incompletas. Assim, não é verdade que o assunto não tenha sido ventilado pela mídia (ao menos pela internet). Também não é correto dizer que a detecção de glifosato em amostras de água de chuva e até de ar implicam que o glifosato não se fixa preferencialmente no solo e que a turma toda errou antes to estudo que ele cita: tudo depende de como são feitas as pulverizações e, sobretudo, como foram coletadas as amostras e a especificidade dos testes. Há outras imprecisões e comentários apressados que não ajudam ao leitor que busca mergulhar na ciência.
      Em minha opinião, isso é prejudicial ao jornalismo científico. Mas posso estar errado.

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      • Paulo, eu tento ser elegante quando as pessoas com quem estou debatendo são elegantes. Creio que a regra da reciprocidade vale ouro. Em relação à sua longa resposta, acho interessante que você tenha passado pelo Instituto de Biofísica da UFRJ, pois também passei por lá, basicamente para “rodar” minhas amostras de chuva na busca de metais pesados. Também conheci o Jean Remy de lá, e sempre o tive como um cara muito sério e preparado. Mas não converso com ele desde que voltei ao Brasil em 1997.
        No que tange à polêmica em relação aos transgênicos, essa não foi a praia que eu escolhi como pesquisador. Tenho uma posição de crítica, não tanto pelo aspecto da contaminação biológica, mas mais pelo controle que as empresas acabam tendo sobre a produção agrícola. Mas só esse aspecto daria pano para manga.
        Em relação aos aspectos relativos aos agrotóxicos, tenho acompanhado o movimento da indústria química e da comercialização de agrotóxicos no Brasil, e não tenho dúvidas de que vamos ver uma curva descendente no consumo daqui um tempo, Mas não tem nada a ver com eficácia ou efetividade desses produtos, mas é porque a indústria está “girando” sua preferência para o controle biológico. Até que isso aconteça, o problema é que teremos países como o Brasil sendo transformados em “zonas de sacrifício” para o consumo de produtos banidos em outras partes do mundo, coisa que já vem ocorrendo com vários produtos disponíveis no mercado brasileiro, mas que já foram banidos até na China. Um exemplo disso é o Paraquat.
        Concordo que o maior problema se dá no campo dos aplicadores do ponto de vista agudo e também crônico. Eu tenho estudado isso, e já encontrei casos gravíssimos de deterioração do aparelho nervoso central em trabalhadores que manejavam agrotóxicos. O problema no tocante à alimentação talvez se dê de forma mais imperceptível e difíceis de diagnosticar como é o caso do desenvolvimento de alergias. De toda forma, me parece fundamental que se continue a monitorar em ambas as pontas do processo, pois ainda estamos engatinhando em termos do conhecimento científico acerca dos efeitos de médio e longo prazo à exposição aos agrotóxicos.
        Finalmente, considero que o montante de evidências em publicações de alta qualidade nos ajudará a equilibrar o debate em torno do que é fato ou versão, seja contra ou à favor. Agora, enquanto isso não se pode aceitar tacitamente que a falta de evidências é prova de que não há evidência a ser encontrada.

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