Se existe um espaço social onde as dramáticas mudanças que vão ocorrer no mundo do trabalho no Brasil por força das contra-reformas impostas pelo governo “de facto” de Michel Temer é, contraditoriamente, aquele formado pelas universidades. Ainda que não seja possível dizer que ninguém está discutindo como essas mudanças vão afetar o esforço que é realizado cotidianamente nas melhores universidades brasileiras para inseri-las nos principais rankings internacionais, a verdade é que a maioria dos professores universitários continua acreditando que o problema é apenas dos descamisados.
A carta pública emitida pela professora doutora Isabel Cristina de Moura Carvalho, e que segue logo abaixo, é um exemplo objetivo de que a precarização do mundo do trabalho vai atingir a todos, inclusive aqueles dotados de ainda raros títulos de doutor. E mais ainda, vai atingir inclusive aqueles que galgaram os mais altos postos da ciência brasileira, como é o caso da professora Isabel Carvalho
Mas usando de uma tragédia pessoal, como intelectual que já comprovou ser ao longo de sua trajetória na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS), a carta/testemunho da professora Isabel Carvalho vai além dela mesma e do sentimento de injustiça que transparece no que ela escreve. O fato é que ela nos oferece uma reflexão mais abrangente do que está se fazendo com o Brasil quando são cassados direitos trabalhistas de todos os trabalhadores, independente do grau de formação e tempo de dedicação às empresas onde trabalham.
Além disso, como bem nota, a professora Isabel Carvalho, no caso do sistema universitário brasileiro, o que está sendo desmantelado não é pouco. Seja se negando verbas que são despejadas para comprar deputados, ou demitindo docentes sob desculpas estapafúrdias, o que está sendo executado é o mínimo de projeto de Nação que este país tão desigual já logrou estabelecer.
“Reflexões sobre os sentidos ético-políticos de uma demissão
Por Isabel Cristina de Moura Carvalho, Pesquisadora CNPq, https://www.researchgate.net/profile/Isabel_Carvalho17, isacrismoura@gmail.com
Este ano finalizei 04 anos de coordenação do Programa de Pós-Graduação em Educação da PUCRS, nota 06, onde administrei recursos do Programa de Excelência, da CAPES, o PROEX. Em 12/07, dei o último clic no botão enviar na Plataforma Sucupira, encerrando a prestação de contas do quadriênio. No mesmo dia fechei as notas das duas disciplinas que ministrei este semestre na graduação e de uma na Pós-Graduação. Respirei aliviada.
Em 13/07, recebi a notícia de minha demissão: “Você não vai continuar na PUCRS porque não há carga horária na graduação para você”. Isto me causou profunda tristeza. Sinto que o que está sendo rompido, neste destrato, sob a alegação de uma contabilidade administrativa de horas aulas na graduação, é o compromisso institucional com o projeto de excelência acadêmica no qual muitos professores, como eu, apostamos. A universidade não pertence exclusivamente aos seus administradores. Ela é feita de cada um de nós – professores, pesquisadores, técnicos administrativos e estudantes – que empenhamos nossas vidas num projeto comum. É deste lugar que me pergunto: que universidade é esta onde trabalhei a última década?
Tenho a consciência tranquila de ter dado o meu melhor e contribuído efetivamente para a excelência acadêmica da PUCRS. No último quadriênio, o Programa que coordenei apresentou indicadores de produção e internacionalização para manter ou aumentar sua nota na atual avaliação da CAPES. A função de coordenadora do Programa não me impediu de estar em sala de aula na graduação e Pós-Graduação. Sou líder do Grupo de Pesquisa Interinstitucional no CNPq (SobreNaturezas) e participo de outros dois Grupos, voltados para o tema da Formação e Regulação da Ética na Pesquisa. Sou membro do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) e da Comissão de Gestão Ambiental (CGA). Participo ativamente das atividades do Instituto do Meio Ambiente. Estava em processo de credenciamento num segundo Programa (Ciências Sociais) na Escola de Humanidades.
Quanto à produção científica e à formação de pesquisadores, nos 09 anos que estive na PUCRS, publiquei 26 artigos em periódicos qualificados, 41 capítulos de livros e organizei 09 coletâneas. Orientei 09 mestrandos, 10 doutorandos, 04 pós-doutorandos PNPD/CAPES, 08 bolsistas de IC. Atualmente tenho 06 orientações em curso. A minha produção foi avaliada e a bolsa de Produtividade do CNPq reclassificada de nível 02 para nível 01. Meus projetos de pesquisa foram contemplados em 01 Edital Ciências Humanas e 02 Editais Universais. O último deles, Universal/CNPq 403008/2016-6 01/2016 – Faixa C – até R$ 120.000,00, foi implementado esta semana.
Para além da universidade, tenho mantido atuação nacional e internacional. Faço parte da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação (ANPED) onde atualmente assessoro a Diretoria no tema da ética na pesquisa. Coordenei recentemente um convênio internacional com a Universidade de Paris V, com a realização de um seminário em Paris que envolveu vários colegas e alunos da PUCRS e resultou na organização de um livro, publicado na França (Hermes Editora, 2017). Este ano fui aceita como professora convidada no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e tive meu projeto de Estágio Sênior para esta inserção internacional aprovado pelo CNPq. O pedido de afastamento da PUCRS, para realização desta atividade, foi respondido com a demissão.
Este acontecimento pessoal, no momento histórico em que vivemos, anuncia para nós, pesquisadores, o desinvestimento na ciência e o esvaziamento da vida intelectual. A dor não é apenas pessoal mas também ético-política. O que está sendo descartado sumariamente é um projeto científico e acadêmico, no qual tantos de nós acreditamos e investimos nossas vidas, dando o melhor de nós.
Porto Alegre, 14 de julho de 2017″
Sinto muito colega.
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Essa realidade reflete o rumo do governo no quesito educação, escancarado ao ouvir indivíduos sem qualquer qualificação com “um tal de Frota”… retornando ao século XIX…
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É realmente lamentável o que está acontecendo no Brasil à nível de Educação… Sem palavras para expressar o repúdio por decisões arbitrárias e inconsequentes de uma Universidade dessa magnitude, que reflete a desvalorização da Ciência e da Educação.
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Isso é lastimável. Eu partilho de uma premissa. ” Nada é por acaso é o tempo dirá tudo”. Diante do cenário atual do nosso Brasil quem sai perdendo são eles. Mais um pesquisador partindo e a pesquisa brasileira ficando órfã.
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A “Pátria Educadora” – que nunca existiu – só ficará pior, tanto no aspecto acadêmico como nos demais.
Enquanto formos reféns de bandidos travestidos de políticos protegidos por suas quadrilhas (não falo do PCC ou do CV) e por leis IMORAIS continuaremos sendo o país do (sem?) futuro.
A mudança do país só é possível com diversas mudanças, que deveriam começar com uma verdadeira reforma política e administrativa pública.
No dia que nossa nação entender que as cadeiras do parlamento NÃO PERTENCEM aos partidos políticos, aos seus afiliados e respectivos suplentes E SIM aos eleitores/cidadãos. O voto não é e nunca será distrital porque é uma mera e conveniente situação que favorece os políticos e desfavorece o povo.
E nenhuma mudança digna será proposta ou aprovada por estes covardes.
Coragem, professora.
Coragem!!!
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Esta reestruturação facista, vem ocorrendo em todas as áreas da PUCRS!.A reitoria assumiu e com a desculpa de uma “REENGENHARIA” vai acabar com as poucas ações de filantropia que a instituição ainda fazia!
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Cláudio, lamentável que isto esteja ocorrendo na PUC/RS, pois sei que ali existem bons programas de pós-graduação e profissionais de excelente qualidade.
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Muito deprimente esse relato. Não sobre o trabalho e carreira da colega docente tão perfeito e descrito de modo profissional e ético. Não me assusta essa posição dos administradores públicos, tão políticos, medíocres e norteados de tanta inveja. Quem perderá senão a própria PUC-RS. A vida nos dá novas oportunidades. Siga seu caminho, colega. Serás mais valorizada. Também sofro calada e humilhada na minha instituição com um Mestrado em Letras que só doutores em História, Geografia etc atuam. É Brasil. É vergonha.
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(Houve n odificação na penultima frase)
Deve receber muita reflexão, o seguinte ponto, citado pela professora:”a universidade (PUCRS) não pertence aos seus administradores”. Instituições de ensino superior, privadas, como a Anhanguera por exemplo, pertencem sim aos seus donos, e eles fazem dela o que querem. A PUCRS, ao contrário, pertencia à sociedade, à C&T, à P&D, ao avanço, à formação de pessoas competentes e éticas. Isso foi até 2017. Quem pensam ser, se não “os donos da PUCRS”, as três ou quatro pessoas que desprezam a visão de excelência e de qualidade, e demitem um profissional com tal perfil? A arbitrariedade excrescente vista no caso da demissão da Dra. Isabel, é a mesma que levou a empossar como Decano de Ciências um professor cujo histórico de incapacidade administrativa é mais vasto e visível do que o seu curriculum vitae (que, por sinal, não chega aos pés do currículo da professora demitida). E é a mesma que afastará os meus filhos, os nossos filhos, deste sistema.
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Isso não reflete apenas uma política de governo alinhada com o neoliberalismo internacional. Reflete o alinhamento de instituições como a PUC, com essa lógica neoliberal. Ano passado, os maristas extinguiram o jornal Mundo Jovem, com matizes de esquerda. Nada me surpreende vindo das megacorporações capitalistas mais antigas do mundo: congregações e ordens religiosas da Igreja, donas de escolas elitizadas, universidades caras e hospitais de luxo. Afinal, devem achar que o avanço neopentecostal e sua ética da prosperidade neoliberal se combate na mesma moeda.
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Suposição: Professora ligada ao meio ambiente, ligada a Fundação Zoobotânica – FZB – em extinção que está sobre uma área valorizada perto da PUC, a PUC tem interesse nesta área, então a PUC se desvincula de disciplinas do meio ambiente para ficar mais digerível a aquisição da área da FZB.
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Antes de qualquer comentário queria ouvir ou ver o posicionamento da Puc RS a respeito. A instituição e particular. Pode contratar e demitir como quiser. Tem gente que se agarra em seus títulos de doutor e nas suas pesquisas que faz pra poder passar por cima dos outros. Vamos tentar conhecer os verdadeiros motivos que levaram a demissão dessa professora. Quem quer estabilidade que vá pra uma organização pública.
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Até que você me apresente provas de que esse é o caso da professora, vou continuar me dando ao direito de divulgar a carta dela. E onde foi que você leu que ela estava demandando algum tipo de estabilidade, pois o cerne da questão foi a demissão sem justificativa cabível para uma profissional altamente qualificada e que deu o seu melhor para a PUC/RS.
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“Na boa” caro Marcos, o Marcelo foi ao ponto que muitos comentários na internet desse caso não estão dando atenção ou não querem dar: a PUC é uma instituição não pública e gerencia seus recursos humanos conforme compreender que é o correto. Chega nas Instituições públicas brasileiras em que temos um típico absurdo: elas devem garantir o direito do salário dos doutores e não a utilização de nossos recursos públicos para o ensino de qualidade.
Pronto, falei o que tantos tem medo de falar!
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Rafael, se você me mostrar onde nas instituições públicas se garante o salário dos doutores e não a utilziação dos recursos públicos para o ensino público de qualidade, eu agradeço. É que orçamentos de pessoal, capital e custeio são aprovados de forma separada, e o pagamento dos salários não explica a ausência de recursos para o ensino de qualidade. Esse tipo de raciocínio não prospera quando examinamos ainda a estrutura do orçamento federal que reserva mais de 50% todos os anos apenas para pagamento da dívida pública. Essa sim é a fonte da falta de recursos para que se tenha educação pública de qualidade em todos os níveis.
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Prezada Profa. Isabel Cristina. Você é maior que a PUC!! Existem lugares mais acolhedores e desenvolvidos para receber a sua pessoa e seus projetos. Veja como uma ótima oportunidade para uma mudança.
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Essa reflexão da Profa. Isabel Cristina mostra a crueldade e o futuro sombrio do nosso país. Acredito fielmente, e a nossa história afirma, que as significativas mudanças e transformações sociais foram resultados de lutas travadas pelos movimentos sociais. Concordo qdo no texto diz: “a verdade é que a maioria dos professores universitários continua acreditando que o problema é apenas dos descamisados.” Vamos com os “Descamisados” às ruas deixemos de lado as nossas salas e saletas, teorias e pesquisas mesmo pq sem luta não teremos direito a isso.
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