Caçando Jeffrey Beall para calar a incomoda verdade sobre as revistas predatórias

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Até o início de 2017 era um leitor assíduo do blog que o Professor Jeffrey Beall da University of Colorado-Denver possuía na plataforma WordPRess, e lamentei que repentinamente ele tenha interrompido postagens e removido todo o material que havia depositado, principalmente os relacionados às editoras e jornais predatórios (ou como chamo pessoalmente de reprodutores de lixo científico).  Entretanto, graças a um par de artigos publicados pelo “Times of Higher Education” pude finalmente entender as razões que levaram ao professor Beall a tomar uma medida tão drástica e que literalmente deixou a incontáveis membros da comunidade internacional órfãos da valiosa informação sobre os editores predatórios e suas estratégias de venda e publicação de lixo científico [1 e 2]

Agora, já sei que Jeffrey Beall encerrou seu blog por pressões diretas da sua própria instituição e pelo medo de ser demitido do cargo que ali ocupa.  E isso já foi até explicitado num artigo publicado por Beall na revista “Biochemia Medica” em um artigo publicado em Maio deste ano [3]. Mas a leitura do artigo de um dos artigos da “Times of Higher Education” também elucida uma das fontes principais dos ataques feitos contra a lista preparada por Jeffrey Beall. E surpreendentemente, Beall aponta o dedo para seus próprios pares em outras bibliotecas universitárias, os quais estariam focados demais na rejeição às revistas publicadas pelas grandes editoras científicas mundiais para se deter de forma cuidadosa nos riscos que estão sendo criados pela disseminação do lixo científico publicado por jornais predatórios.

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O fato  é que não é preciso ir longe para verificar que muitos dos que se concentraram em atacar o trabalho voluntário de Jeffrey Beall,  de forma até virulenta, não mostram a mínima disposição para sequer falar dos riscos que estão sendo criados pela disseminação de um incontável número de revistas de acesso aberto cujo valor científico é praticamente nenhum.  Um dos resultados disso é o fato de que muitos pesquisadores estão se tornando vítimas de esquemas criminosos que são utilizados para ludibriar incautos em nome da velocidade de publicação.

Neste caso, me interessaria saber quantas novas “editoras” e revistas predatórias foram lançadas após o encerramento do blog do Professor Beall. Como ele mesmo descreve todo tipo de tentativas de coação para que ele interrompesse a publicação de sua lista, imagino que este crescimento esteja sendo exponencial em 2017. 

Uma coisa é certa: o problema causado pela proliferação de revistas (se é possível de chamá-las assim) científicas predatórias representa um grave risco à credibilidade da ciência, o que é particularmente grave num contexto histórico onde as forças mais reacionárias da sociedade vem escolhendo os cientistas como alvos específicos da sua fúria anti tudo o que pareça ser socialmente progressivo. Um exemplo disso é o presidente dos EUA, Donald Trump, que vem desmantelando toda a infraestrutura científica que foi construída na principal economia do planeta, de modo a impedir que sejam formulados alertas sobre o grave cenário ambiental em que estamos envolvidos.

Alguns poderão dizer que os cientistas que escolhem publicar em revistas predatórias são igualmente culpados pelo problema.  O problema é que as pressões feitas sobre os pesquisadores para que publiquem ou desapareçam acabam contribuindo para que a régua da escolha de onde publicar esteja sendo usada de forma muito frouxa.  Além disso, como ainda inexistem mecanismos para substituir a Beall´s List, aumentou-se consideravelmente o fosso da ignorância sobre quais e onde estão as revistas predatórias, o que nos coloca numa situação objetiva de “faroeste caboclo” onde é cada um por si mesmo.

Um aspecto final que precisa ser ressaltado é que parece prevalecer dentro da comunidade científica internacional (e na brasileira isso se dá de forma marcante) um silêncio em relação às revistas predatórias que normalmente se esperaria se encontrar em favelas dominadas por narcotraficantes ou milicias.  E como estamos no meio de uma profunda crise econômica nota-se muito pouca disposição para sequer tocar nesse assunto. E isto é lamentável, já que a consequência imediata disso será um aumento ainda maior na proliferação das revistas predatórias.


[1https://www.timeshighereducation.com/news/journals-blacklist-creator-blames-university-website-closure;

[2https://www.timeshighereducation.com/news/beall-social-justice-warrior-librarians-betraying-academy.

[3] Para baixar o artigo do professor Beall na Biochemia Medica, basta clicar [Aqui!]

4 comentários sobre “Caçando Jeffrey Beall para calar a incomoda verdade sobre as revistas predatórias

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  2. Professor Marcos, sem desmerecer o trabalho do professor Jeffrey (e quem sou eu para isso), mas confiar a uma pessoa para policiar sozinha, cerca de 30.000 jornais do STM usando seus próprios critérios nunca foi uma boa idéia (falo isso pois muitos amigos meus falam que o trabalho do Prof. Jeffrey “cheirava” a xenofobia, principalmente em relação a quem não pertencia ao eixo EUA – UE). Mas não estou surpreso com isso pois a tal “liberdade acadêmica”, mesmo lá fora, é um mito, sem contar que o prof. Jeffrey criou muitos inimigos (não me espantaria se entre estes encontra-se-mos doadores da Universidade do Colorado). E convenhamos quem “pesa mais” : um doador milionário ou um professor universitário? Lamento o fim da lista do Professor Jeffrey e muitos amigos meus estão falando do aumento incrível no número de spam predatórios em suas caixas de entradas. Coincidência com o fim do blog do Professor Jeffrey????
    Professor Marcos o senhor não achou estranho que os reais motivos tenham sido divulgados em um jornal oficial da Sociedade Croata de Bioquímica Médica e Medicina de Laboratório? Pergunto isso tendo em vista a pouca combatividade (protestos) demonstrada por seus seguidores em solo americano ou de língua inglesa…

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    • Marco Antônio, acho que você foi na mosca. É que como eu mesmo disse há um silêncio sepulcral em torno das revistas predatórias dentro da própria comunidade científica. É que tem muita gente ganhando dinheiro com a produção de lixo científico. Sobre as acusações de xenofobia, penso que quem usa esse argumento está escondendo seus reais motivos. É que o debate que o Prof. Beall vem levantando se centra mais na qualidade do que é publicado do que na origem. Eu o entrevistei aqui no blog e ele deixou isso bem claro.

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  3. Professor Marcos esclareço que reconheço a importância e o pioneirismo do trabalho do Professor Jeffrey. Escrevo isso pois após a publicação e releitura do comentário acima, fiquei com a impressão de que os leitores e/ou o senhor pensariam que estou criticando e desmerecendo o trabalho do Professor Jeffrey. Apenas acho que é um “trabalho sobre-humano” e que o Professor Jeffrey merecia um apoio muito maior… é isso.

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