Cláusula da precaução incluída pela União Europeia deverá atingir em cheio as exportações da soja brasileira que é geneticamente modificada, rica em resíduos de agrotóxicos e produzida em áreas desmatadas.
O acordo de livre comércio que agora de ser concluído pela União Europeia e pelo Mercosul certamente deve ter servido como motivos para celebração dentro do poderoso agronegócio brasileiro dado o volume potencial de negócios em que as commodities agrícolas brasileiras estarão envolvidas nas próximas décadas.
Mas o que em um primeiro instante foi motivo de júbilo rapidamente passou para o rol das preocupações por causa da chamada “Cláusula de Precaução” (que mais uma espécie de cláusla da preocupação) que a União Europeia (EU) inseriu no acordo com o Mercosul para impedir que os consumidores europeus sejam expostos a produtos contaminados por agrotóxicos que já foram banidos ou que estejam acima dos níveis de resíduos permitidos pela Europa. Outro componente significativo dessa cláusula é a restrição a produtos originados de áreas desmatadas.
Com base na “cláusula da precaução” a EU poderá recusar a compra de produção originada de áreas desmatadas.
Como já abordei neste blog, esta cláusula traz em si o risco de ser “para inglês ver” na medida em que apenas com pressão social organizada no Brasil e na Europa ela terá algum efeito prático efetivo. O problema, para o latifúndio agro-exportador brasileiro, é que seus líderes sabem que há o risco real de que pressionada pelos seus habitantes, a EU passe a efetivamente cobrar das exportações vindas do Mercosul o mesmo tipo de restrição sanitária que cobra dos agricultores europeus. E aí é que o bicho pega, pois o chamado agronegócio brasileiro vem tomando o sentido contrário de qualquer preocupação ambiental ao conseguir apenas nos primeiros 6 meses do governo Bolsonaro a liberação recorde de 239 agrotóxicos (30% deles banidos na União Europa) e o aumento explosivo do desmatamento na Amazônia e no Cerrado.
O interessante é que já venho alertando há algum tempo sobre o risco real de que o Brasil passasse a sofrer uma espécie de isolamento sanitário por causa do uso excessivo de agrotóxicos em suas exportações. Agora, com esse acordo com a EU, o risco não só aumenta como o Brasil explicitamente aceitou para si a tarefa de aplicar as regras sanitárias vigentes na Europa.
Como de bobos nada tem, os representantes do agronegócio já estão sendo citados como preocupados com a inclusão do princípio de precaução do capítulo sanitário, que é visto como sendo “um absurdo” e com potencial de causar “dano enorme” ao Brasil.
Mas as preocupações com a inclusão das preocupações ambientais não deverão ficar apenas no seio dos latifundiários, visto que neste momento o governo Bolsonaro está envolvido num virtual desmanche da governança ambiental criada a partir da década de 1970, e o ministro (ou seria antiministro?) do Meio Ambiente, Ricardo Salles, estaria se preparando para alterar ou extinguir dezenas de unidades de conservação e alterar o Sistema Nacional de Unidade de Conservação (SNUC). O problema aqui é que a EU certamente já sabe disso e terá nesse desmanche um ótimo motivo para apertar o garrote nas exportações brasileiras.
Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, e Tereza Cristina, o da Agricultura, durante visita à terra indígena no estado do Mato Grosso onde soja é cultivada ilegalmente.
Como já disse, a efetiva aplicação da “cláusula da precaução” só se dará com a ação organizada no Brasil e nos países que compõe a União Europeia. Mas, mesmo assim, não deixa de ser divertido ver o latifúndio agro-exportador esperneando. Mais engraçado será acompanhar as explicações dadas pelo presidente Jair Bolsonaro para ceder em um item tão cara a um dos segmentos que o apoiaram eleitoralmente para tomar o caminho justamente o contrário do que está agora acordado com a EU.
Finalmente, para quem desejar ler uma avaliação crítica da capacidade (ou disposição) da EU de aplicar a cláusula de precaução, sugiro a leitura do relatório preparado pela rede “Bilaterals” [Aqui!].