Clientes fazem fila para entrar da Gucci no shopping The Gallery , depois que um shopping foi aberto durante o surto de COVID -19, em Houston, EUA, 1 de maio de 2020. / Reuters
As cenas de multidões acorrendo os shoppings centers que reabriram ontem em São Paulo são chocantes, ao menos para aqueles que entendem a gravidade da pandemia da COVID-19 que ronda todo o Brasil neste momento. Uma reação de muitos que estão podendo ou desejando se manter socialmente isolados enquanto os pobres acorrem os templos do consumismo às vésperas e no do “Dia dos Namorados” é meio que jogar a toalha para o Brasil e os brasileiros, como se fossemos uma causa perdida, restando apenas o caminho do aeroporto para aqueles que puderem.
Shopping Tatuapé teve fila com mais de 200 pessoas à espera da reabertura nesta quinta-feira, 11 de junho.
Mas alto lá! As cenas de shopping centers e cafés lotados foram comuns em países como França e Espanha, onde a pandemia da COVID-19 matou proporcionalmente muito mais do que deverá no Brasil, apesar dos gigantescos números brasileiros que hoje já somam mais de 40.000 mortos e quase 1 milhão de infectados (com subnotificação e tudo). Isto sem falar dos EUA, onde os shopping centers foram reabertos antes do Brasil.
E não nos esqueçamos que nos anos em que fomos governados pelo ex-presidente Lula, o acesso ao consumo para amplas camadas da população funcionou como uma espécie de pedra filosofal do Neodesenvolvimentismo. Agora que os pobres sentiram o gostinho do consumo e das comodidades dos habitantes assépticos que os shoppings centers (onde o tempo é congelado pela falta proposital de relógios e a violência social é mantida do lado de fora), eu não me sinto em condição de julgá-los.
A questão mais profunda que aparece desde o centro até a periferia do Capitalismo é que o consumo, seja lá do que for, é o principal fetiche pela qual as sociedades são mantidas letárgicas, enquanto o planeta nos emite sinais de que esse modo de vida é insustentável. No Volume 1 do ” O Capital”, Karl Marx chamou esse processo de encantamento com o consumo de o “fetichismo da mercadoria“.
Por outro lado, a pandemia da COVID-19 é uma prova cabal de que o avanço desenfreado do consumo está criando as condições necessárias para o aparecimento de uma sucessão de vírus que são mortais para seres humanos e para os animais que eles colocaram no topo da sua cadeia alimentar, como os porcos e bois.
Como se libertar do fetiche do consumo é uma das questões mais transcendentais que a espécie humana enfrenta em mais de 2 milhões de anos de evolução enquanto espécie. As indicações vindas da Europa é que um modelo de decrescimento está em gestão, e isto afetará forçosamente a intensidade e o tipo de consumo a que determinadas sociedades vão se adequar. Se isso será suficiente para impedir a repetição de pandemias como a COVID-19 é uma questão que fica aberta.
Mas voltando ao Brasil, o mais resultado mais óbvio desse retorno ao consumo intenso em um momento em que a pandemia continua se alastrando como fogo em pasto seco será o aumento inevitável de infectados e mortos. E isso ficará claro daqui a duas semanas quando quem se infectar nessa corrida aos shoppings tiver completado o ciclo mortal da COVID-19.
E nos túmulos que tiverem lápide: morri por quiz consumir, sem medo do coronavírus. Lamentavelmente, para muitos restará apenas as covas coletivas.