O que o embate das cruzes em Copacabana nos ensina sobre o Brasil

As cenas do protesto realizado na Praia de Copacabana contra a gestão desastrosa da pandemia da COVID-19 pelo governo Bolsonaro já correm o mundo, como bem mostra o vídeo abaixo mostrado na Alemanha sob o título de “Túmulos em Copacabana“.

O protesto que teria sido apenas mais um foi marcado pela atuação de um apoiador do governo Bolsonaro que, inconformado, se pôs a derrubar todas as cruzes que haviam sido fincadas nas areias de Copacabana para marcar o crescente número de mortos no Rio de Janeiro e no Brasil. Esse ato de completa falta de empatia com o drama que atinge um número crescente de famílias teve como resposta a ação de um pai que perdeu seu filho de 25 anos para a COVID-19 que reagiu colocando as cruzes de pé. Esse embate acabou aparecendo também na mídia internacional, sendo mostrado como parte da corrosão de valores éticos e morais básicos no Brasil.

Pois bem, hoje o site UOL publicou uma pedagógica entrevista realizada pelo jornalista Chico Alves com o taxista Marcio Antonio do Nascimento Silva, o pai que recolocou as cruzes em pé, dando-lhe a oportunidade de explicar porque acabou reagindo da forma que reagiu em relação ao ato do apoiador do governo Bolsonaro.  Em uma retórica bastante objetiva, Márcio Antonio disse que viu um homem viu um homem atacar as cruzes que homenageavam as vítimas da pandemia, e que não hesitou em reagir, pois considerou um desrespeito às vítimas da COVID-19. 

marcio cruzesO taxista Márcio Antonio do Nascimento Silva recoloca cruzes em Copacabana, enquanto ao fundo o apoiador do governo Bolsonaro que as havia arrancado posa com a bandeira do Brasil

Um aspecto que considero como um dos mais marcante da entrevista concedida ao UOL foi quando Márcio Antonio reconheceu que “Não sei nem o que é comunismo, pra falar a verdade, eu não estudo isso. Também não chamo ninguém de fascista, porque eu não sei o que é fascismo, eu não estudo isso. Eu nunca li livros sobre isso. Agora, desrespeito eu sei o que é. Intolerância eu sei o que é“.  Talvez esteja nesta frase a resposta que muitos esperam para desenvolver uma vacina para o vírus da intolerância que possibilita a expansão desenfreada do coronavírus.  É que muitas vezes se menospreza a inteligência coletiva da população ao se procurar dar lições sobre o momento histórico que vivemos quando os enfrentamentos práticos já estão gerando o tipo de consciência que vai nos ajudar a mudar de patamar nos embates que hoje ocorrem no Brasil.

Outra passagem memorável do relato de Márcio Antonio ocorre quando ele diz que “aquele fato (a retirada das cruzes) me fez perguntar até onde chega a desumanidade de não ter empatia com o outro. Esse pessoal parece que procura inimigos o tempo todo. Todos que não pensam como eles são inimigos. Fiquei muito triste com essas pessoas, porque estou vendo isso em amigos próximos. Parece que perderam a razão, não dá nem para você conversar. Parece que não pensam mais. É puro ódio. Tudo para eles é política, mesmo onde não existe. Por isso, o ato simbólico é mais importante.” 

Podem até me chamar de empiricista, mas penso que não vai ser levando o enfrentamento na base dos chavões que vamos obter ganhos significativos na elevação da consciência política da maioria dos brasileiros. Há primeiro que se ouvir pessoas como Márcio Antônio para que se possa desenvolver as formas de diálogo que as pessoas que se dizem apolíticas (quando são na verdade despolitizados) possam abraçar para se colocar em movimento em defesa de seus direitos em uma sociedade que está sendo propositalmente levada à beira do precipício justamente para se permitir o avanço do processo de desconstrução dos poucos direitos sociais que existem no Brasil.

E antes que eu me esqueça, Márcio Antonio também condenou a apatia dos que veem os malfeitos acontecendo e a necessidade de não se ser omisso e covarde quando atos como o do embate ocorrido nas areias de Copacabana acontecem. Márcio Antonio, um pai em luto, sintetizou para quem quiser ouvir, os caminhos para a saída da crise que hoje corrói o Brasil. Que ele possa agora, ao menos, exercer o seu direito ao luto pela perda do seu filho em paz.

Quem desejar ler a íntegra da entrevista de Márcio Antonio do Nascimento Silva, basta clicar [Aqui!].

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