Um dos aspectos inquietantes que sempre rondam a minha mente é de como os brasileiros, mesmo após passadas as marcas de 1 milhão de infectados e de pelo menos 50 mil mortos pela COVID-19, ainda se arriscam às ruas como se nada de especial estivesse acontecendo. Aos olhos do resto do mundo, essa situação causa profunda estranheza, pois a letalidade da pandemia já é algo mais do que estabelecido.
Como tenho assistido a muitos programas de TVs estrangeiras, me arrisco a dizer que parte do problema está na forma pela qual a pandemia da COVID-19 está sendo apresentada aos brasileiros pela mídia corporativa, especialmente pelas redes de TV. É que, apesar de buscarem mostrar um suposto compromisso jornalístico de apresentar a verdade à população, a cobertura que está sendo feita omite as cenas mais explícitas da letalidade da pandemia, especialmente entre os mais pobres. A cobertura aqui, como em tantos outros casos, tem sido superficial e fragmentada, sendo um dos elementos indutores de uma espécie de letargia que torna as infecções e mortes causadas pela coronavírus, algo que é distante do cotidiano das pessoas; uma espécie de filme que só passa na TV do vizinho.
Vejamos por exemplo, uma matéria que foi ar neste domingo na Alemanha via o canal de TV ZDE, um canal de televisão público e um dos maiores da Europa, que faz uma síntese bastante efetiva de todos os ângulos que a pandemia da COVID-19 assumiu no Brasil, e isto tudo em menos de 2 minutos. E o interessante é que nem se precisa entender alemão para seguir o fio da meada da reportagem que mostra cenas que a mídia brasileira vem omitindo da maioria da população.
Entre outras coisas, o que fica apontado na matéria é que no Brasil, os números da COVID-19 continuam a subir, sendo que o nosso país tem o segundo maior número de casos e a terceira maior mortalidade no mundo. E as causas da expansão da pandemia são relacionados à falta de testagem, inexistência de infraestrutura hospitalar, e a ação do presidente Jair Bolsonaro que é mostrado naquela infame cena em que ele chegou à cavalo em uma manifestação em que seus apoiadores pediam o fechamento do congresso nacional e do Supremo Tribunal Federal há umas semanas atrás.
Mas o que deve impressionar a audiência alemã são as condições caóticas em que corpos estão sendo retirados em comunidades pobres e a multiplicação de valas coletivas em diferentes partes do território brasileiro. Essas cenas certamente estão chocando uma audiência que atravessou e perdeu duas grandes guerras mundiais, pois os alemães sabem que só em condições de degradação extrema do funcionamento do Estado é que as Nações devem lançar mão de valas coletivas.
Mas volto a dizer, parte da distância que se está criando entre a maioria da população e os resultados da pandemia da COVID-19 é fruto exatamente da falta de informação sobre o que, de fato, está acontecendo. E não me parece que a culpa por isso seja só do governo Bolsonaro que, como a reportagem da ZDE mostra, tem se esforçado para minimizar a gravidade da pandemia.