Um observador astuto da política de Campos dos Goytacazes me enviou uma reportagem que mostrava que o nosso município foi um dos que deu mais votos proporcionalmente para Jair Bolsonaro no primeiro turno das eleições presidenciais de 2022 (impressionantes 58,01%). Há ainda que se celebrar que no primeiro turno de 2018, Bolsonaro havia obtido 55,19% dos votos, o que mostra um notável padrão de consistência.
Para olhos menos atentos, esse resultado soa como surreal, já que temos aqui dados igualmente impressionantes no tocante à pobreza extrema e de famílias passando fome. Analisados pela ótica da necessidade em relação ao voto, os resultados deste ano aparecem como em contradição com a realidade objetiva, carecendo ainda algum tipo de explicação.
A primeira observação óbvia é que resultados eleitorais muitas vezes têm pouco a ver com a realidade das pessoas pobres. O que geralmente explica este tipo de resultado tem mais a ver com a capacidade de organização dos principais candidatos, o arco de alianças em plano local, e, não raramente, o uso de meios ilegais para captação de votos (um caso exemplar disso é a uma animada cerveja realizada em uma praça recém-reformada pela Prefeitura de Campos no Distrito de Travessão, em um ponto bem próximo das urnas eleitorais. Tudo isso enquanto os eleitores ainda estavam na fila tentando votar).
Nesse aspecto, o fato de que as duas famílias que hoje dominam a cena política campista (i.e., os clãs Bacellar e Garotinho) apoiaram de forma vigorosa a candidatura de Jair Bolsonaro, deixando de lado as brigas locais para se concentrar no plano nacional, já serviria como parte da explicação. Por outro lado, há que se considerar o fato de que o Partido dos Trabalhadores (PT) vem no plano municipal se arrastando em estado de morbidez desde sempre. Para piorar a coisa, alguns dos quadros tradicionais do partido hoje não podem nem ocupar a mesma esquina da cidade sob pena de ocorrer algum estranhamento. Nesse sentido, os caciques municipais do petismo continuam fazendo exatamente o contrário do que os Bacellar e Garotinhos fizeram para juntos ajudar a Jair Bolsonaro a vencer de forma dominante.
Há ainda que se dizer que ao contrário dos Bacellar e Garotinhos que não são “bolsonaristas raiz”, a cidade de Campos dos Goytacazes tem uma história antiga de presença da extrema-direita, tendo sido um dos quartéis generais da famigerada Tradição, Família e Propriedade (TFP). Essa extrema-direita agora tem Jair Bolsonaro como uma espécie de farol para implantar seu projeto conservador de sociedade. Tanto isso é verdade que já estão espalhadas faixas anônimas cobrando o prefeito Wladimir Garotinho que deixe de ser uma espécie de “bolsonarista Nutella” para assumir uma face mais “raiz” (ver imagem abaixo).
Mas no meio desse caos político, centenas de pessoas continuam labutando em semáforos e esquinas para obter algum tipo de “ganha pão” que minimize o profundo sofrimento a que são submetidas pelas políticas ultraneoliberais de Jair Bolsonaro, aquele mesmo que obteve os acachapantes 58% mencionados no primeiro parágrafo deste texto. Esta realidade tão irracional na aparência apenas serve para mostrar que se nada for feito para alterar o equilíbrio de forças, candidatos como Jair Bolsonaro continuarão tendo votações expressivas em Campos. É que já está mais do que demonstrado que a miséria e fome não geram consciência política, mas apenas desprezo pelo processo político e submissão aos políticos que manipulam melhor o desespero alheio.
Felizmente, as eleições de 2022 trouxeram um raio de luz nessa escuridão toda por meio das votações expressivas de Zé Maria (PT) e Professora Natália Soares (PSOL). Com jeito distintos de fazer campanha e com propostas distintas, os dois mostraram que há sim espaço para a esquerda em Campos dos Goytacazes. O problema é que para haver alguma viabilidade eleitoral, a esquerda local vai ter que arregaçar as mangas e começar a trabalhar de forma tão diligente quanto fazem os Garotinhos e os Bacellar.
O Bolsonaro se foi,mas a extrema direita sob a alcunha do Bolsonarismo é ainda mais nociva e está cada vez mais enraizada na sociedade Campista.
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