Para entender a extrema-direita é preciso ir além da pós-verdade

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Não devo ser o único que tem visto com algum nível de descrença às cenas bizarras que estão pipocando em diferentes partes do território nacional por parte de brasileiros que discordam do resultado das eleições presidenciais.  Uma hora é gente batendo continência para pneu, outra hora é gente recebendo chuva de bombas de gás rezendo o “Pai Nosso”. Também não faltam marchas diante de quartéis militares demandando, na prática, um golpe militar que já se sabe não irá ocorrer. Até porque o número de militares eleitos para cargos legislativos ou executivos foi grande em 2022, o que diminuiu a necessidade de uma saída autoritária para garantir os privilégios de suas corporações.

A bizarrice fica por conta do fato de que no mundo real, e não aquele em que esses brasileiros vivem suas fantasias autoritárias, as engrenagens já estão se movendo para que o presidente eleito assuma como manda a lei no dia 01 de janeiro de 2023. Se esses brasileiros que marcham em frente de quartéis e que fecharam estradas por quase 4 dias, causando prejuízos humanos e materiais, prestassem um mínimo de atenção, já saberiam que até Silas Malafaia e Edir Macedo já exercitaram o direito de reconhecer o óbvio e passaram a orar pelo sucesso de Lula.

Alguns poderiam dizer que o Brasil do bizarro existe apenas porque há uma poderosa máquina de criar uma pós-verdade onde o presidente cessante é uma espécie de representante da vontade desses brasileiros de verem o mundo por um espectro muito particular, a despeito do que mostram os fatos. Vale lembrar que o cineasta Steve Tesich, um dos primeiros a usar o conceito, definia pós-verdade como sendo “uma espécie de inclinação social em que a verdade não era tão importante quanto o que se imaginava verdadeiro.”. Em outras palavras, que se danem os fatos, pois o que importa é o que quero acreditar que seja verdade é o verdadeiro”. Desta forma, considero que reduzir o problema da extrema-direita no Brasil a um suposto poder mítico das redes sociais é um engano analítico.

Depois de ter travado diversas conversas com apoiadores de Jair Bolsonaro após o último domingo, pude observar que reduzir a raíz das bizarrices que testemunhamos a um seguidismo em torno da figura do presidente é errado. Pelo que pude notar, como outros já o fizeram, Bolsonaro é apenas uma espécie de totem para onde se voltam adeptos de pensamentos que misturam a crença nos valores neoliberais com a defesa do uso da força para impor um mundo desprovido de qualquer tipo de solidariedade.  Aliás, se alguma  engenhosidade existe em Jair Bolsonaro e seu entorno é justamente entender que a extrema-direita é uma espécie de riacho de onde se pode tirar água para beber, mesmo sob pena de ser sacrificado assim que se perde a importância ou uso imediato.

Em outras palavras, o que estamos vendo nessas cenas bizarras é a expressão mais pura do que se convenciona chamar de uma extrema-direita de viés neoliberal. Para esses adeptos da extrema-direita, ao menos pelo que pude notar, não importa se tem gente passando ou se os salários são de fome, pois os culpados são os pobres e sua indisposição de trabalhar, mesmo em um país em que inexistem postos de trabalho para serem ocupados. Por mais que possa ser chocante, é preciso entender que quase quatro décadas de políticas neoliberais fortaleceram um segmento da população que despreza qualquer tipo de solidariedade social, e aposta na imposição autoritária de sua visão de sociedade.

Por tudo o que escrevi até aqui, penso que é muito ingênuo achar que há algum tipo de apaziguamento a ser feito com essa parte da população brasileira, já que seus membros não estão querendo se apaziguar ou serem apaziguados.  E quanto mais rápido se cortar as vias que alimentam o engrossamento do número de pessoas dispostas a abraçar uma visão distópica de sociedade, melhor serão as chances de se colocar a extrema-direita para fora da cena política e da vida social.

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