Por Maria Cecília Oliveira e Bernardo Jurema para o “Neues Deustchland”
As questões de meio ambiente e mudanças climáticas tiveram papel central na vitoriosa campanha eleitoral de Luís Inácio “Lula” da Silva. Também foram características que marcaram uma clara diferença entre o político do Partido dos Trabalhadores e o ex-presidente Jair Bolsonaro, que foi derrotado em outubro passado. A invasão do Supremo Tribunal Federal, do Congresso Nacional e do palácio presidencial em 8 de janeiro por partidários de Bolsonaro – e as forças por trás deles – destacou onde a agenda ambiental do novo governo encontrará a maior oposição: o agronegócio e os militares.
A política ambiental já era prioridade nos dois primeiros mandatos de Lula, de 2003 a 2010. Sob a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, leis melhoradas e uma moratória no cultivo de soja em terras desmatadas na floresta tropical ajudaram o Brasil a reduzir o desmatamento em 70% de 2005 a 2012 em comparação com a década anterior. Silva também garantiu a introdução de regras de transparência que deram à sociedade civil acesso aos dados sobre desmatamento.
Lidar com o legado desastroso do governo anterior de extrema-direita será uma tarefa enorme para o novo governo. A chave da agenda ambiental é conter a resistência – as políticas que apresentam o desmatamento como o preço inevitável do desenvolvimento, como foi o caso durante os anos Bolsonaro. No entanto, o domínio do agronegócio na política brasileira e o amplo envolvimento ideológico e administrativo das Forças Armadas na Amazônia não serão facilmente contidos.
No momento em que Lula entra em seu terceiro mandato como presidente do Brasil, os problemas em torno do rio Amazonas se destacam. A savanização da floresta tropical já está em pleno andamento. Um relatório recente da Rede de Informações sobre o Desenvolvimento Socioeconômico da Amazônia (RAISG) afirma: “Se a tendência atual de desmatamento continuar, a Amazônia como a conhecemos não viverá até 2025”. O presidente Lula desenvolveu a visão do Brasil como uma “potência ambiental”.
Ele também anunciou uma série de decretos revertendo algumas das ordens do governo Bolsonaro para expandir o acesso a armas, aumentar o desmatamento e dificultar a transparência. A maioria dessas decisões foi tomada durante o primeiro ano e meio da pandemia de COVID-19, quando o governo Bolsonaro aproveitou a situação instável para encobrir o relaxamento das normas ambientais .
Sob Lula, dois ministérios serão responsáveis pela política ambiental: o renomeado Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas e o novo Ministério dos Povos Indígenas. Lula e sua ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, se reaproximaram durante a campanha presidencial após anos de afastamento.
Silva, que na década de 1980 havia trabalhado de perto com Chico Mendes, o seringueiro e líder sindical dos trabalhadores rurais que foi assassinado por fazendeiros em 1988, e foi o primeira seringueiro a ser eleita para o Senado, foi encarregada do Ministério do Meio Ambiente em 2003. Ela renunciou em 2008 devido a divergências durante o segundo mandato de Lula sobre a priorização de projetos de infraestrutura e os interesses do agronegócio amazônico. Em 1º de janeiro, Silva foi nomeada como a nova ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas .
Sonia Guajajara, ativista indígena e ambientalista, foi nomeada primeira ministra dos Povos Indígenas do Brasil. Joênia Wapichana, que se tornou a primeira mulher indígena do Brasil a ser eleita para a Câmara de Deputados em 2018, vai chefiar a agência de assuntos indígenas, a FUNAI. O físico Ricardo Galvão, que Bolsonaro demitiu do cargo de diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, será o novo chefe do Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento (CNPq). Essas indicações reforçam o foco renovado de Lula nas questões ambientais .
O poder político do agronegócio é mais evidente no Congresso Nacional , onde o bloco latifundiário exerce enorme influência na formulação e controle da política. A fim de influenciar o processo legislativo em favor dos grandes proprietários e do setor agrícola, esta facção usa sua influência política para monopolizar as instituições estatais e implementar políticas que atacam diretamente o direito à terra, direitos trabalhistas, saúde pública, direitos indígenas e proteção ambiental.
O lobby agrário no parlamento apoiou lealmente Bolsonaro, ao qual ele respondeu com políticas extremamente amigáveis. Mas a força dos interesses extrativistas e do agronegócio dentro das instituições políticas do Brasil decorre em grande parte da confiança do Executivo na construção de uma coalizão parlamentar para impulsionar sua agenda legislativa e impedir tentativas de impeachment do primeiro-ministro. O novo ministro da Agricultura, senador Carlos Fávaro, é um ferrenho partidário do agronegócio.
Segundo o antropólogo Piero Leirner, os que participaram dos motins em Brasília no início de janeiro tinham motivações diferentes. Mas eles tinham um objetivo em comum: o apelo para que as forças armadas fossem os salvadores que restaurariam o estado de direito. Leirner aponta que muitos reservistas e suas famílias são ativos no movimento golpista. A radicalização de extrema-direita das forças de segurança reflete tendências autoritárias profundamente enraizadas na sociedade brasileira. O agronegócio e os militares – protagonistas dos eventos de 8 de janeiro em Brasília – são espinhos na carne do novo governo Lula.
A base dos contra-ativistas também inclui o agronegócio, que financiou os acampamentos de protesto de extremistas de direita em frente aos quartéis, e as forças de segurança, que os apoiaram e participaram. Não adiantará nada ao governo simplesmente desejar que eles desapareçam. Ao mesmo tempo, enfrentará pressão crescente de ativistas climáticos, comunidades indígenas e outros grupos que pedem ação climática.
A ambiciosa agenda de proteção do clima de Lula contradiz o poder estrutural do setor agrícola no Brasil e é tão inconciliável com o sucesso de sua política de desenvolvimento quanto com a crescente importância dos militares. Para dissociar o crescimento econômico do desrespeito ao meio ambiente, os interesses arraigados devem ser desafiados em vez de satisfeitos. Por seu futuro político e pelo futuro do Brasil, Lula deve abandonar sua postura conciliatória com a qual tenta aplacar ambientalistas e forças de oposição.
Tradução: Peter Steiniger
Este texto foi publicado em alemão pelo jornal “Neues Deutschland” [Aqui!].