Entrevista no Jornal O Diário sobre a crise na UENF e os problemas no Porto do Açu

Uenf com a ‘alma’ comprometida

Por Keylla Thederich

Isaías Fernandes
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Em voga sempre que o assunto tem a ver com a Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), o professor Marcos Pedlowski analisa a atual situação da instituição que está assolada em uma crise, fala sobre o presente e o futuro da universidade, sobre a política ‘antiuniversidade’ do governo Pezão e sobre a importância da universidade para o desenvolvimento da região. Ele fala também sobre o corte de R$ 19 milhões no orçamento da Uenf para este ano, que pode agravar a situação de atraso em pelo menos três meses no pagamento das contas. Pedlowski também fala sobre a salinização e a erosão que ocorrem no município de São João da Barra, principalmente, com a construção do Porto do Açu.

O Diário (OD) – A Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) atualmente enfrenta uma de suas piores crises. As contas estão atrasadas, as bolsas não foram repassadas e houve corte no orçamento. Qual é o problema mais grave da Uenf, hoje?

Marcos Pedlowski (MP) – A Uenf simplesmente não tem dinheiro para funcionar. Os problemas são muitos e emergenciais. Hoje, se eu quiser dar uma prova, tenho que comprar cartucho para a impressora, comprar papel, não tem combustível para os alunos fazerem trabalho de campo. As coisas só continuam a funcionar porque temos a verba dos projetos. Estamos vivendo uma situação caótica.

OD – O senhor se lembra de a universidade ter passado por uma crise dessas?

MP – Estou aqui desde 1997. A situação de endividamento da universidade, como está ocorrendo agora, só vi situação parecida no último ano do Governo Marcelo Alencar, em 1998. A última fase áurea da Uenf ocorreu no Governo de Garotinho (1999/2002), que tirou a universidade de uma forte crise.

OD – Hoje, quanto a Uenf custa ao Governo do Estado do Rio de Janeiro?

MP – Hoje, a Uenf custa para o Governo do Estado menos de R$ 13 milhões por mês. Está muito barata. Para termos uma universidade em condições e expandir, como deveria ser, custaria R$ 300 milhões e isso não é nada se compararmos aos orçamentos das universidades de São Paulo, que são bilionários, de primeiro mundo.

OD – O governo cortou R$ 19 milhões do orçamento da universidade para este ano. Isso agrava muito a situação?

MP – Nos últimos oito anos, o orçamento encolheu. Para este ano, o orçamento estipulado era de R$ 173 milhões e passou para R$ 154 milhões, sendo que cerca de R$ 104 milhões serão destinados para pagamento de salários, R$ 10 milhões para as bolsas e sobram R$ 40 milhões para pagar as contas de 12 meses de água, luz, telefone, serviços de limpeza, segurança, entre outros. O governo fez um verdadeiro arrocho nas universidades.

OD – Como o senhor mencionou, o governo “arrochou” as universidades. É um problema só de corte orçamentário?

MP – O PMDB não tem uma visão de desenvolvimento científico e tecnológico. Desde o Governo Sérgio Cabral, houve uma sucessão de secretários que não têm o perfil tecnológico. É uma política que incentiva anomalias e distorções. Eles (Cabral/Pezão) têm uma visão “antiuniversidade”, bem diferente do que Darcy Ribeiro tinha em mente quando criou a Uenf. No Rio de Janeiro, as universidades estão funcionando de maneira caótica e não era pra ser assim, pois somente na Região Metropolitana Fluminense temos a maior concentração de universidades do país. Não estão valorizando esse potencial. A universidade não é um bem de um governante ou partido político, mas sim da população.

OD – O senhor citou o professor Darcy Ribeiro. Pode-se afirmar que a Uenf cumpriu ou cumpre o seu papel, o que foi idealizado há 22 anos quando foi criada?

MP – Cumpriu, mas temo que não cumprirá mais se a situação continuar desse jeito. A Uenf foi criada a partir de um abaixo-assinado da população e idealizada para promover o desenvolvimento político e social do Norte/Noroeste Fluminense e Região dos Lagos. A Uenf foi criada para ser modelo de geração de conhecimento e retorno social. Não pode perder sua visão, o elemento da reprodução intelectual porque senão passa a ser uma fábrica de diplomas, perde sua alma, sua essência. A ciência é a rotina da universidade. Se você asfixia a universidade, acaba produzindo lixo acadêmico. É preciso revisitar a visão de Darcy, não da forma idealista, mas de forma a conceber o desenvolvimento.

OD – A Uenf corre esse risco?

MP – Muitos de nossos alunos estão hoje trabalhando em grandes empresas ou atuando em universidades federais. A Uenf tem produtividade científica, é a melhor do Estado do Rio de Janeiro e a 11ª do Brasil. O que estamos vivendo agora, por exemplo, com os alunos bolsistas que estão fechando a porta da universidade para protestar um direito que lhes é garantido, é o que tem que acontecer quando alguma coisa está errada. A universidade tem que ter capacidade de criticar, tem que ter pensamento crítico, senão não pode ter o título de universidade.

OD – Mesmo com essas dificuldades, a Uenf tem uma importância fundamental para a região. De alguma forma isso pode se perder? Como o senhor vê o futuro da Uenf?

MP – Na verdade, a Uenf não está se dando ao respeito. Não estão respeitando a população que precisa dessa universidade, os professores, os alunos. A Uenf, através de seus organismos, tem que se dar ao respeito para ter o orçamento que merece, para ter o desenvolvimento, para cumprir o seu papel. Eu penso que precisamos fazer alguma coisa agora, para que daqui a 15 anos todo trabalho não se perca, para que não estejamos nos doando, trabalhando à toa, para que essa universidade não consiga cumprir seu destino.

OD – Nesta semana, uma comissão da Uenf em visita à Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), conseguiu apoio de deputados estaduais da região em prol das causas da universidade. O senhor acredita que com esse apoio a situação pode melhorar?

MP – A expectativa da comunidade universitária é de que, ao visitar o campus, os deputados voltem para a Alerj mais bem informados e com mais elementos para trabalhar no sentido de que sejam feitos esforços no legislativo a fim de retirar a universidade da situação crítica em que nos encontramos neste momento. Além disso, como os parlamentares em questão são aqui mesmo da região, creio que essa visita é importante porque nos dá a oportunidade de mostrar o que está sendo feito com o dinheiro público que nos é entregue. Em outras palavras, essa também seria uma oportunidade de fazer um tipo de prestação de contas para aqueles que podem ser nossos aliados dentro do legislativo estadual. A expectativa que essas visitas trazem é sempre positiva. Agora, temos que ter uma espécie de otimismo que não esteja isento de uma postura pró-ativa e responsável em torno da defesa da Uenf, especialmente num momento histórico tão adverso como o que estamos enfrentando por causa do arrocho orçamentário que está sendo imposto pelo governador Luiz Fernando Pezão.

OD- Outra questão em que o senhor atua é quanto aos impactos da instalação do Porto do Açu. Desde que as construções foram iniciadas, problemas como a salinização e erosão nas praias de São João da Barra vêm ocorrendo com maior frequência. Pode-se dizer que esses problemas são uma consequência do Porto?

MP – Não creio que seja uma questão apenas de intensidade, mas sim do Porto do Açu ser a raiz desses problemas. É que tanto no caso da salinização como da erosão costeira, esses processos foram previstos nos Estudos de Impacto Ambiental e descritos nos Relatórios de Impacto Ambientais que foram preparados pelo Grupo EBX para obter as licenças ambientais dos diferentes empreendimentos que foram ali implantados, começando pelo próprio porto. A dispersão da areia é outro fenômeno que só está ocorrendo porque a areia dragada do mar foi depositada no entorno do Porto do Açu.

OD – O senhor acredita que essa situação pode ser revertida?

MP – Em relação a reverter a manifestação desses diversos problemas ambientais, e que têm impactos também sobre a produção agrícola e a saúde humana, eu vejo que um primeiro passo seria uma mudança de postura por parte do Inea (Instituto Estadual do Ambiente) e da Prumo Logística em relação à própria magnitude e persistência dos mesmos. Há que primeiro se sair de uma posição de negação de que os problemas estão ocorrendo para depois para a tomada de decisões sobre as medidas corretivas que devem e podem ser executadas. O fato é que saída técnica existe para a maioria dos problemas, mas enquanto perdurar uma postura de negação que resulta numa omissão prática, não há como começar a propor quaisquer soluções que sejam.

FONTE: http://www.odiariodecampos.com.br/uenf-com-a-alma-comprometida%3Cbr%3E-19708.html

2 comentários sobre “Entrevista no Jornal O Diário sobre a crise na UENF e os problemas no Porto do Açu

  1. Boa tarde professor, primeiro gostaria de parabenizar por sua postura em relação a Uenf, mas hoje ao ler sua entrevista no jornal O Diario fiquei triste, pois talvez o senhor esteja tão preocupado com a situação da mesma que não tenha se dado conta que esse jornaleco só publica aquilo que interessa ao grupo político que o fundou. Sendo assim só fizeram essa entrevista com o senhor porque não estão preocupados com a Uenf, isso pra eles pouco importa, na verdade o que eles querem é difamar o governo do estado. Preciso deixar claro que sou totalmente contra o descaso que o governador trata a nossa universidade, mas o que estou lhe dizendo é que o senhor infelizmente foi usado somente para esse fim, produzir mais uma matéria negativa contra o governador, teria o senhor esse espaço há alguns anos atrás quando a governadora estava no comando?? Querendo defender a Uenf infelizmente o senhor contribuiu com o “menino” revoltado da lapa, que insiste em apontar os erros dos outros mas que quando esteve a frente do governo do estado pouca coisa fez pela nossa universidade e hoje tendo sua esposa a frente da prefeitura menos ainda faz pela educação.
    Abraço forte te admiro muito.

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    • Felipe,

      Inicialmente obrigado pelo comentário. Estou ciente do fato de que quando os veículos de imprensa me procuram, na maioria das vezes procuram um ângulo que favorece sua visão editorial e, de quebra, a quem a mesma favorece ou prejudica. Dito isso, quero dizer que nessa entrevista não houve qualquer alteração de conteúdo do que eu afirmei, o que é positivo para mim. Além disso, como o atual (des) governador tem ainda 3 anos e 9 meses de mandato (salvo impedimentos eventuais que possam ocorrer), ele ainda poderá mudar drasticamente o tratamento que vem dispensando às universidades estaduais, a UENF inclusa. Se fizer isso, eu poderei então elogiá-lo, e certamente aparecerão outros veículos de mídia dispostos a ouvir meus elogios. Abraço, Marcos

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