Desde que a barragem da Mineradora Samarco (Vale + BHP Billiton) explodiu no dia 05 de Novembro, dediquei uma atenção quase integral a expor as diferentes mazelas envolvendo as causas do incidente. A repercussão ao drama causado pela liberação de pelo menos 35 milhões de metros cúbicos de resíduos de produção da mineração tem sido forte. E não poderia ser diferente, pois o nível do estrago causado sobre a sociedade e o ambiente deverá ter repercussões por um longo período de tempo.
Mas duas matérias que acabo de ler expõe outra faceta ainda pouco tocada na cobertura que a mídia corporativa sobre o incidente causado pela Mineradora Samarco (Vale + BHP Billiton) . A primeira é da Folha de São Paulo (Aqui!) e se concentrou em mostrar quão precário era o “Plano de Emergência” preparado pela Samarco, onde inexistia qualquer menção de que os moradores da região de entorno das barragens seriam comunicados em momentos de desastres como o que ocorreu. Além disso, outras questões básicas como a colocação dos telefones de contato dos técnicos responsáveis por dar respostas emergenciais foi bem feita. E é claro que os avisos sonoros que deveriam ser colocados para avisar a população de problemas graves nas áreas de mineração só foram instalados depois que os rejeitos já tinham soterrado o subdistrito de Bento Rodrigues!
A segunda matéria foi publicada pelo jornal O Tempo, um dos poucos que já vem cobrindo regularmente os problemas socioambientais relacionados à mineração em Minas Gerais (Aqui!). Nessa matéria, os jornalistas Luciene Câmara e Gustavo Lameira mostram que os problemas com a Samarco já vinham sido notados desde 2011, com notificações e multas (irrisórias e que ainda não foram pagas). Mesmo assim, e contrariando parecer do Ministério Público, o governo de Minas Gerais renovou as licenças ambientais da Mineradora Samarco (Vale + BHP Billiton) em 2013!
Como é que a situação descrita nas duas reportagens foi possível? Essa pergunta certamente deveria estar orientando jornalistas investigativos sérios a começarem a cavar na lama de Mariana, pois daria uma daquelas reportagens clássicas merecedoras de prêmios jornalísticos. Mas posso adiantar que a receita para o desastre começa com o sucateamento do já frágil sistema de regulação ambiental criado ainda no regime militar em 1972 para retirar o Brasil da condição de pária mundial na área da proteção ambiental. Esse sistema que nunca foi muito levado a sério por governos e corporações, hoje se encontra vitimizado em todos as esferas de governo ao ser rotulado como um impedimento para o “desenvolvimento”.
Exemplos disso são abundantes, mas agora se sabe que em Minas Gerais existem apenas quatro (isso mesmo quatro!) fiscais para acompanhar a situação de 735 barragens de rejeitos, muitas delas localizadas em áreas urbanas e próximas dos mananciais de onde é retirada a água de abastecimento da população. E pasmemos todos, o governador Fernando Pimentel do neoPT possui um projeto de lei em tramitação que irá flexibilizar ainda mais o processo de licenciamento para os empreendimentos da mineração! É como se toda a desconstrução do sistema ambiental de Minas Gerais que foi conduzido nas gestões de Aécio Neves e Antonio Anastasia, ambos do PSDB, não tivesse sido suficiente.
Mas para quem acha que os problemas envolvendo o sistema ambiental se resume a Minas Gerais, eu diria que bastaria se perguntar sobre como anda a coisa em seu próprio estado. No Rio de Janeiro, por exemplo, tudo o que se está vendo acontecer com a fragilização do processo de licenciamento ambiental em Minas Gerais já foi feito também. Por isso, já perguntei aqui neste blog sobre a existência de um plano de emergência para o Porto do Açu, especialmente após o início da prometida chegada dos superpetroleiros que a Prumo Logística agora diz ser o novo futuro do empreendimento.
O fato é que graças às modificações feitas a partir do primeiro mandato do governo Lula foi aceso um estopim para destruir, ou pelo menos fragilizar fortemente, o sistema de licenciamento ambiental no Brasil. Assim, o que já não era bom, ficou péssimo. Diante disso, me arrisco a dizer que os problemas que começaram em Mariana e estão chegando á foz do Rio Doce em Redenção no Espírito Santo podem ser apenas a ponta do iceberg, pois outras bombas relógio estão com a sua contagem em curso. Entender isso será fundamental para que não apenas não se banalize o que aconteceu em Mariana, mas também para que não se tenha a mesma atitude blasé frente aos inevitáveis problemas que virão.
Mas uma coisa é certa: se depender dos governos e dos partidos majoritários, (i.e., PT, PSDB e PMDB) muitos pontos do território brasileiro estão destinados a se transformarem em zonas de sacrifício para a sanha de lucro das corporações, sejam elas mineradoras ou de outra natureza. Assim, continuar informando e se informando sobre o que está acontecendo em Minas Gerais e no Espírito Santo é a primeira forma de contribuir para que minhas análises e projeções não se confirmem.
Quero notar mais uma dessas aberrações que marcam todo o incidente da Samarco em Mariana. Segundo o jornal Estado de Minas, no show realizado pelo grupo de rock estadunidense “Pearl Jam” (Aqui!), o vocalista Eddie Vedder teria dito o seguinte sobre o que aconteceu em Mariana:
“É duro quando grandes empresas usam e abusam de terras apenas para lucrar sem nenhum respeito pelo meio ambiente. Acidentes tiram vidas, destroem rios e, ainda assim, eles conseguem lucrar. Esperamos que eles sejam punidos, duramente punidos e cada vez mais punidos para que nunca esqueçam o triste desastre causado por eles”.
E qual é aberração dessa fala? É que tendo o Brasil líderes ambientalistas conhecidaos e pelo dois partidos com programas supostamente voltados para a proteção ambiental (o Partido Verde e a Rede de Marina Silva) foi preciso vir o vocalista de uma banda estrangeira dizer o óbvio ululante como diria Nelson Rodrigues. É ou não é uma aberração?
