No Brasil da COVID-19, nem tudo são trevas

mst alimentosA ação de movimentos sociais do campo para fazer chegar alimentos nas periferias pobres das cidades brasileiras é prova que nas trevas do Brasil há luz emergindo

Acompanho com atenção as diferentes narrativas em torno da crescente crise social, política e econômica em que o Brasil se encontra neste momento.  O campo daqueles que mais claramente não “passa pano” para o presidente Jair Bolsonaro e seu não-projeto de Nação, que está concentrado na mídia eletrônica, o tom reinante é de uma denúncia aguda, mas que, raramente, aponta saídas.  Aliás, uma rápida passagem pela maioria de blogs e portais independentes permite verificar que, também, não há uma saída à vista.

Além disso, toda a discussão feita na mídia de oposição está concentrada na desconstrução da figura do presidente Jair Bolsonaro e do seus ministros (ou seriam sinistros). E nas últimas semanas a coisa tem girado na discussão sobre a iminência de um auto-golpe militar que colocaria Bolsonaro em uma condição de Bonaparte acima das instituições para que ele possa impor seu modelo de sociedade de forma mais desenvolta.

Ainda que eu não desconheça os riscos políticos colocados em um momento em que o número de mortos pela COVID-19 já ultrapassou 40 mil, e que o desemprego cresce quase tão rapidamente quanto o contágio pelo coronavírus, eu me arrisco a dizer que a narrativa reinante omite acontecimentos importantes do ponto de vista do que é comumente chamado de “resistência popular”,  e que está acontecendo de diferentes formas nas periferias pobres, justamente as mais atingidas pela pandemia.

Um exemplo que considero marcante deste processo de resistência tem sido a ação dos movimentos sociais do campo, a começar pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e pelo Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), que estão realizando um esforço notável para entregar alimentos na forma de doação nas periferias de muitas cidades brasileiras (ver vídeo abaixo sobre uma ação específica do MST/PR que beneficiou 4 mil famílias pobres nas cidades de Guarapuava e Pinhão, localizadas no centro sul do Paraná.

Mas não são só o MST e o MPA que se puseram em movimento para doar alimentos para os pobres das cidades. Em Rondônia, indígenas da etnia Gavião distribuíram alimentos produzidos na Terra Indígena Igarapé Lourdes na periferia de Ji-Paraná em uma clara demonstração de solidariedade aos que passam fome nas cidades amazônicas.

Em São Paulo, quilombolas e caiçaras da região sul do estado também se organizaram para fazer chegar 15 toneladas alimentos nas periferias de cidades paulista, incluindo nove municípios do Vale do Ribeiro e até na cidade de São Paulo, onde se concentra até agora o maior número de mortos pela COVID-19 no Brasil. 

Estou usando a questão da doação de alimentos por agricultores, indígenas, quilombolas e caiçaras apenas como um ângulo de um amplo processo de resistência que também se dá a partir da ação de movimentos sociais urbanos, e que hoje trabalham para aliviar a fome que se espalha em grandes regiões metropolitanas como a do Rio de Janeiro, por exemplo. É que, sem dúvida, com fome e sem emprego, ainda mais pessoas estarão facilmente postas no caminho do coronavírus. E como já se viu,  não será do governo Bolsonaro e de um número significativo de governos estaduais que a ajuda virá.

Mas o importante aqui é notar que a partir dessa de solidariedade ativa, que está sendo protagonizada por segmentos que têm sido o alvo preferencial do processo de desconstrução das políticas sociais pelo governo, que deverão emergir forças poderosas de mudança no Brasil. Por isso, quando se achar que tudo são trevas no Brasil,  é bom lembrar  que existe luz emergindo delas. É que não há nada mais iluminador do que a ação solidária que coloca em xeque as noções de ultra individualismo que foram disseminadas pela ideologia Neoliberal.

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