O Chile é para muitos defensores das políticas ultraneoliberais (caso do dublê de ministro e banqueiro Paulo Guedes, o “Posto Ipiringa” do presidente Jair Bolsonaro, uma espécie de Nirvana onde repousariam todos os méritos de um estado que funciona para privilegiar os detentores dos meios de produção, enquanto deixa de cumprir funções básicas nas áreas de saúde, educação e previdência social.
A atual Constituição chilena foi promulgada em 1980 em meio ao terror imposto pelo regime de Augusto Pinochet, era até ontem uma espécie de carta magna dos ultraneoliberais e uma espécie de roteiro para a destruição do Estado do bem estar social, ou dos seus resquícios, em países da periferia do capitalismo.
Pois bem, a partir de um plebiscito arrancado pela mobilização social em 2019, o povo chileno decretou ontem por esmagadora maioria que o Chile terá uma nova constituição e que deverá reorientar o funcionamento do estado chileno (ver resultado do plebiscito logo abaixo).
Além de enterrar a Constituição pinochetista, o plebiscito também decidiu que a próxima constituição chilena será escrita por uma assembleia nacional constituinte elevada apenas para essa finalidade, cuja composição de constituintes terá de ser igualmente dividida entre homens e mulheres. A combinação de resultados aponta para a forte possibilidade de que a constituição que emergirá no Chile será muito mais progressista e voltada para tornar o estado mais antenado com as necessidades da maioria da população chilena. Por isso os festejos que se viram ontem nas praças das cidades chilenas não são sem razão, pois essa é a demanda que impulsionou as manifestações massivas que sacudiram o país andino em 2019 (ver vídeo das celebrações ocorridas na noite de ontem em Santiago ao som da canção “El derecho de vivir en paz” de Victor Jara, um dos muitos que foram assassinados no Estádio Nacional de Santiago nos momentos iniciais do golpe militar comandado por Pinochet).
O fato é que a derrubada da constituição deixada pelo regime de Augusto Pinochet deverá enviar um forte sinal de que as mobilizações de rua, por mais reprimidas que sejam pelas forças policiais, são capazes de arrancar concessões que até algum tempo pareciam impossíveis. Esse tipo de precedente é que torna as consequências da aprovação da confecção de uma constituição algo com um valor político incalculável. Afinal, se os chilenos conseguiram a partir das manifestações nas ruas, a população de outros países latino-americanos se sentirão inclinados a usar o mesmo tipo de medicina.