Faixas da floresta tropical atingiram o ponto de inflexão, conclui pesquisa de cientistas e organizações indígenas
Fumaça sobe de uma queimada ilegal em uma reserva de floresta tropical ao sul de Novo Progresso, no estado do Pará, Brasil. Fotografia: Carl de Souza/AFP/Getty Images
Por André Downie para o “The Guardian”
A destruição ambiental em partes da Amazônia é tão completa que faixas da floresta tropical atingiram o ponto de inflexão e podem nunca mais se recuperar, descobriu um grande estudo realizado por cientistas e organizações indígenas.
“O ponto de inflexão não é um cenário futuro, mas uma etapa já presente em algumas áreas da região”, conclui o relatório. “Brasil e Bolívia concentram 90% de todo desmatamento e degradação combinados. Como resultado, a savanização já está ocorrendo em ambos os países.”
Cientistas da Rede Amazônica de Informações Socioambientais Georreferenciadas (RAISG) trabalharam com a Coordenadoria de Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (Coica) para produzir o estudo Amazônia Contra o Relógio, um dos maiores até agora, abrangendo todos os nove as nações que contêm partes da Amazônia.
Descobriu-se que apenas dois dos nove, o minúsculo Suriname e a Guiana Francesa, têm pelo menos metade de suas florestas ainda intactas.
Organizações indígenas da Amazônia representando 511 nações e aliados estão pedindo um pacto global para a proteção permanente de 80% da Amazônia até 2025.
A meta de 80% é um grande desafio, uma vez que apenas 74% da floresta original permanece. Ações urgentes são necessárias não apenas para proteger a floresta ainda em pé, mas também para restaurar as terras degradadas e voltar a esse nível de 80%.
“É difícil, mas factível”, disse Alicia Guzmán, cientista equatoriana que coordenou o relatório. “Tudo depende do envolvimento das comunidades indígenas e das pessoas que vivem na floresta. Isso e a dívida.”
Guzmán disse que dar aos grupos indígenas a administração de mais terras – e, crucialmente, fornecer proteção estatal para elas e remover brechas legais que permitem a entrada de indústrias extrativas – é a maneira mais segura de garantir a preservação.
Quase metade da Amazônia foi designada como área protegida ou território indígena, e apenas 14% de todo o desmatamento ocorre lá. Atualmente, cerca de 100 milhões de hectares de terras indígenas estão em disputa ou aguardando reconhecimento formal do governo.
“Ter indígenas no processo de tomada de decisão significa que contamos com o conhecimento de quem mais conhece a floresta”, disse Guzmán. “E eles precisam de orçamentos.”
Eles também precisam que suas terras sejam protegidas de grileiros e indústrias extrativas.
A mineração é uma das ameaças crescentes, com áreas protegidas e terras indígenas entre as áreas mais cobiçadas pelos garimpeiros. Grande parte da mineração é clandestina e ilegal, mas cerca de metade em áreas protegidas é feita legalmente, e os cientistas pediram aos governos que rejeitem ou revoguem as licenças de mineração.
O petróleo é outra ameaça, principalmente no Equador, fonte de 89% de todo o petróleo exportado da região.
Os blocos de petróleo cobrem 9,4% da superfície da Amazônia e 43% deles estão em áreas protegidas e terras indígenas. Mais da metade da Amazônia equatoriana é designada como um bloco de petróleo, segundo o relatório, e as porções no Peru (31%), Bolívia (29%) e Colômbia (28%) também são preocupantes.
De preocupação ainda maior é a agricultura. A agricultura é responsável por 84% do desmatamento, e a quantidade de terras destinadas à agricultura triplicou desde 1985, segundo o relatório. O Brasil é um dos principais exportadores de alimentos do mundo, com soja, carne bovina e grãos alimentando grande parte do mundo e faturando bilhões de dólares a cada ano.
Uma das principais recomendações do estudo é mais colaboração entre governos regionais, instituições financeiras internacionais e empresas de private equity que detêm grande parte da dívida das nações amazônicas.
A América Latina é a região mais endividada do mundo em desenvolvimento e a anulação dessa dívida em troca de compromissos de preservação seria significativa.
“Eles têm uma oportunidade única diante deles de perdoar dívidas existentes em troca de compromissos para acabar com a extração industrial e promover proteções em áreas prioritárias, territórios indígenas e áreas protegidas”, diz o relatório.
Entre as outras 13 “soluções” propostas no relatório estão: a suspensão completa de novos licenciamentos e financiamentos para mineração, petróleo, pecuária, grandes barragens, extração de madeira e outras atividades; maior transparência e responsabilidade ao longo das cadeias de suprimentos; a restauração de terras desmatadas; novos modelos de governança que permitem maior representação e reconhecimento dos povos nativos.
Embora a tarefa seja enorme, há motivos para otimismo e principalmente no Brasil, onde o presidente Jair Bolsonaro enfrenta o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em uma eleição tensa em 2 de outubro.
Lula lidera nas pesquisas. Durante seu tempo no poder nos anos 2000, o desmatamento caiu mais de 80%.
Este texto escrito originalmente em inglês foi publicado pelo jornal “The Guardian” [Aqui!].