Sindicatos de trabalhadores rurais seguem a trilha do trabalho escravo e dos agrotóxicos sob a pressão do lobby agrícola

A Confederação Nacional dos Trabalhadores Assalariados e Assalariadas Rurais (Contar) está tentando descobrir violações da lei trabalhista 

plantationA Contar busca contato com trabalhadores rurais nas plantações, mas isso nem sempre é possível. Foto: imago/photothek/Ute Grabowsky

Por Knut Henkel, em Juazeiro, para o “Neues Deutschland”

O trator da propriedade vizinha puxa atrás de si uma nuvem que se espalha sobre as vinhas. “Cuidado. Mantenha distância. Isso são agrotóxicos”, grita Carlos Eduardo Silva para o pequeno grupo que lidera na fazenda de uvas Dona Maria*, no São Francisco. A planície fluvial no estado brasileiro da Bahia é uma região central de cultivo de uvas e mangas no Brasil. Silva, advogado do sindicato Contar, que trabalha para os trabalhadores rurais, está aqui regularmente. O homem de barba espessa e careca lida com violações dos direitos trabalhistas, mas também distribui folhetos de treinamento para membros potenciais e existentes do sindicato. “Quem não sabe quais são seus direitos está em desvantagem”, ele sussurra.

Não é sempre que Silva, a quem seus colegas chamam de Cadu, tem a chance de visitar uma fazenda de uvas. Muitas empresas são de propriedade de grandes proprietários de terras, que geralmente não são bem-intencionados em relação ao seu sindicato. A relação foi tensa nos últimos anos. “O governo de Jair Bolsonaro  foi hostil aos sindicatos. Discutiu-se até o cerceamento da liberdade sindical”, diz o advogado de 41 anos, que tem escritório na sede da Contar, em Brasília, mas regularmente em estados agrícolas do Brasil, como Bahia, Minas Gerais ou Espírito Santo o processo está sendo encaminhado. Embora não tenha havido ataque a direitos sindicais básicos, como se discutia nos bastidores dos partidos conservadores e do lobby agrícola, os sindicatos estiveram sob constante pressão durante os quatro anos do governo de Jair Bolsonaro.

Isso também pode ser sentido na região de Juazeiro, onde uvas e mangas são cultivadas a granel no solo solto e levemente arenoso da planície do rio. José Manoel dos Santos cresceu aqui, mas o sindicato não é permitido nas grandes fazendas de frutas: “A gente vem de manhã antes do início do turno, fala com os nossos contatos, mas não temos direito de entrar na fazenda local”, explica. Hoje Silva e María Samara de Souza, representante da Contar na Bahia têm a oportunidade de falar aos trabalhadores organizados na fazenda de Dona Maria. No entanto, isso ocorre na presença do proprietário.

“Aí funciona de forma semelhante às inspeções de grandes auditores como Global Gap ou Rainforest Alliance”, explica Silva. Ele critica que não é possível falar com os trabalhadores de forma independente e separada e que muitas vezes as condições de trabalho exploradoras não são reconhecidas. E a exploração é comum na safra de café, laranja ou uva. O último escândalo foi descoberto no início de março. Dezenas de trabalhadores foram libertados de condições extremamente precárias em vinícolas gaúchas. Eles teriam sido forçados a trabalhar nas plantações sob o risco de receberem choques de pistolas elétricas.

Esses não são casos isolados. No Brasil, 2.575 pessoas foram libertadas de trabalhos análogos à escravidão em 2022. É o maior número desde 2013, escreve Leonardo Sakamoto, diretor do Repórter Brasil. A organização não governamental, que utiliza estudos, documentação e relações públicas para chamar a atenção para a legislação trabalhista e violações de direitos humanos, aponta que os números reais podem ser significativamente maiores. »O orçamento da ouvidoria dos direitos fundamentais foi drasticamente reduzido. O Ministério do Trabalho em nível nacional também foi interrompido e as inspeções em cidades remotas às vezes falhavam devido à falta de combustível”, explica Sakamoto.

Assim como o advogado de Contar, Silva,  Sakamoto espera uma melhora na situação com o novo governo, que tem prometido isso. Diante da magnitude do problema, isso também é necessário, diz Silva: »Entre 1995 e 2022, 77 mil pessoas foram libertadas da condição análoga ao trabalho escravo no Brasil.«

No entanto, o governo e os sindicatos enfrentam forte oposição. Porque o lobby agrícola do Brasil, que produz soja, café, concentrado de suco de laranja, manga e muito mais nos supermercados da Europa, está bem conectado no parlamento. Liderada por produtores de soja, esse lobby financiou duas vezes a campanha eleitoral de Jair Bolsonaro. Bolsonaro, por sua vez, reduziu os controles destinados a erradicar a escravidão moderna no setor agrícola. O lobby agrícola é poderoso e vai tentar desacelerar os planos do novo governo, que pede mais sustentabilidade na agricultura e declarou o fim do desmatamento ilegal na região amazônica até 2030.

São objetivos que os sindicatos também apoiam. “Claro que é do interesse dos trabalhadores”, explica a presidente da Contar para o estado da Bahia, María Samara de Souza. Até quatro anos atrás, a jovem de 32 anos, com longos cabelos negros e óculos espelhados, que junto com um boné de beisebol deveriam protegê-la do sol alto, trabalhava ela mesma nas vinhas altas. “Os frutos pequenos ainda precisam de três ou quatro meses para serem colhidos”, estima.

»Ao contrário de outras zonas vitivinícolas, estamos bem posicionados nesta região e temos uma taxa de sindicalização de quase 50%. A mulher tem um papel importante nisso.” Samara de Souza é a primeira mulher a presidir o sindicato da Contar na Bahia. Tem que se afirmar não só contra as estruturas patriarcais, mas também contra a polarização do país: nos campos de Bolsonaro e Lula. “Aqui na Bahia, o Partido dos Trabalhadores venceu por pouco, mas definitivamente temos apoiadores de Bolsonaro no sindicato também”, diz ela.

Ela precisa de diplomacia e assertividade para moderar o realinhamento do sindicato para rumos mais sustentáveis ​​do governo. O mesmo se aplica às negociações sobre um novo acordo coletivo com empregadores como Dona María. Ela fica feliz por ter parceiros de negociação confiáveis ​​nas negociações coletivas, diz a empresária. “Isso garante uma convivência tranquila entre mim, o corpo diretivo e os cerca de 50 trabalhadores da plantação de 17 hectares.” Porém, ela reclama, ainda não sabe como vai lidar com o reajuste mensal de R$ 1.302, o equivalente a 235 euros, para 1.420 reais, o que está sendo exigido pela Contar nas negociações salariais em andamento. “Então eu tenho que fechar”, ela avisa sucintamente.

Trabalho rural no Brasil: na trilha do trabalho escravo

A reação da proprieitária rural é típica de muitos empresários no Brasil, onde a maior parte da área cultivada, mas também depósitos bancários e imóveis, está nas mãos de um estrato relativamente pequeno. O Brasil possui a maior concentração de terras e renda de toda a América Latina. Essa desigualdade se agravou no governo de Jair Bolsonaro, argumentam ONGs como a Reporter Brasil.

Para que os trabalhadores da safra consigam um bom resultado salarial, eles também esperam o apoio de grandes importadores da Alemanha. “São as redes de supermercados e os grandes importadores de frutas que precisam se adequar à lei da cadeia produtiva que vigora por lá desde 1º de janeiro”, diz Silva. Ele espera que a lei ajude a proteger os direitos dos trabalhadores rurais. »Temos algumas expectativas«, ele diz e espera que uma lei semelhante da União Europeia surja este ano: »A pressão internacional para proteger os direitos trabalhistas no Brasil é expressamente desejada.«

A verificação de resíduos de agrotóxicos nos alimentos também pode ter um efeito positivo nas condições de trabalho. No caso do café, a qualidade orgânica entregue já foi devolvida porque a carga continha resíduos de agrotóxicos. Isso também pode acontecer com uvas e mangas, que, segundo o sindicato, usam até 36agrotóxicos diferentes em seu cultivo. Cada vez mais aplicações de agrotóxicos estão sendo feitas, diz Samara de Souza. “No Brasil, são permitidos agrotóxicos que são proibidos na Europa. Isso pode se tornar um problema na exportação de manga e uva”, acredita a sindicalista. É bem possível que cargas inteiras de mangas e uvas sejam devolvidas devido a resíduos de agrotóxicos.

Isso seria um desastre para os produtores de frutas no Brasil e uma consequência direta dos anos de Jair Bolsonarojá que seu governo aprovou várias dezenas de novos agrotóxicos com diferentes ingredientes ativos. Isso agora pode se tornar um bumerangue. A redução nos agrotóxicos Isso seria desejável para os catadores, concordam Silva e Samara de Souza. Afinal, eles estariam menos expostos a substãncias tóxicas.

*Nome alterado pelos editores


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Este texto escrito originalmente em alemão foi publicado pelo jornal “Neues Deutschland” [Aqui!].

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