Tsulama de Mariana: acordo multibilionário revela disputa acirrada por dinheiro, desagrada a quase todos e deixa perguntas sem resposta

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Por Maurício Angelo e Ígor Passarini para o “Observatório da Mineração”

Quase nove anos depois do rompimento da barragem de Mariana em Minas Gerais, propriedade de Samarco, Vale e BHP, considerado o maior desastre socioambiental do Brasil e o caso mais complexo tramitando na justiça brasileira por seu ineditismo, número de atores envolvidos e extensão do dano, um acordo no valor de R$ 170 bilhões em números finais para tentar uma solução definitiva foi anunciado hoje.

A possibilidade de que este acordo encerre as disputas envolvendo as consequências do rompimento da barragem do Fundão, no entanto, são questionáveis. Os valores multibilionários chamam a atenção e revelam os números superlativos que sempre envolveram o caso.

Dos R$ 170 bilhões, R$ 100 bilhões seria “dinheiro novo”, ou seja, dinheiro extra que as mineradoras se comprometeram a aportar em uma série de ações nas próximas duas décadas. O volume de recursos repartido em várias áreas sob a gestão de diversos órgãos federais e estaduais injetará ainda mais dinheiro na bacia do Rio Doce, em Ministérios, no bolso de advogados, nas contas de assessorias técnicas, de representantes legítimos ou não das pessoas atingidas.

A disputa por essas centenas de bilhões foi e continuará sendo ferrenha. No fim, o acordo desagrada a quase todos, exceto, talvez, o governo federal e as empresas envolvidas, que conseguem encaminhar uma resolução no Brasil para um caso que se arrasta há quase uma década.

São muitas pontas soltas e perguntas sem resposta sobre o acordo anunciado hoje, que começou a ser mediado pelo Conselho Nacional de Justiça em julho de 2021, durante o governo de Jair Bolsonaro. Todo o arcabouço construído ao longo de quase uma década por ações civis, termos de ajustamento de conduta, pactuações e repactuações, incluindo inúmeros questionamentos, devem ser empurrados para debaixo do tapete e celebrados como uma solução aceitável.

Em fevereiro de 2023, por exemplo, o procurador federal Carlos Bruno Ferreira, coordenador da Força-Tarefa responsável pelo Caso Samarco, em entrevista exclusiva ao Observatório da Mineração, afirmou nunca houve auditoria externa e independente dos R$ 36 bilhões que as empresas alegavam ter pagado na época (atualizado para R$ 38 bi no anúncio de hoje do governo), que o Ministério Público Federal não tinha “nenhuma informação” sobre onde estava sendo gasto o dinheiro e que isso não era verificável na prática na bacia do Rio Doce.

Esses valores, no entanto, entraram na conta do “dinheiro velho” já pago dentro do R$ 170 bilhões mesmo sem confirmação e auditoria externa. O release do governo Lula, no entanto, faz um aceno claro ao escrever que esses R$ 38 bi são o que as empresas “alegam já terem desembolsado”. A Ação Civil Pública impetrada pelo MPF em 2018 pedia R$ 155 bilhões, época, porém, em que muitos danos ainda eram desconhecidos e valor que, corrigido, ficaria acima do pactuado agora.

Os termos do acordo de hoje devem encerrar o sistema indenizatório simplificado adotado pelas empresas e Fundação Renova sob orientação do ex-juiz responsável pelo caso, criado no meio da pandemia e que despejou bilhões na bacia do Rio Doce, sobretudo no bolso de advogados de cidades pequenas com práticas suspeitas e questionáveis que ficaram multimilionários da noite para o dia.

Inicialmente tratado como “modelo”, o sistema foi posteriormente considerado ilegítimo, repleto de irregularidades e que padecia de “nulidades absolutas” de acordo com a justiça. Matérias exclusivas deste Observatório da Mineração sobre a atuação do ex-juiz foram preponderantes para o resultado.

O chamado “Novel” será substituído por um “Sistema Indenizatório Final e Definitivo (PID)”, que destinará R$ 10 bilhões para indenizações individuais. As pessoas que não conseguiram comprovar documentalmente terem sido atingidos ao atual sistema de indenização – caso de milhares de pessoas mesmo nove anos depois – receberão R$ 35 mil em uma parcela única.  Pescadores e agricultores atingidos receberão R$ 95 mil, além de R$ 13 mil adicionais referentes ao “dano água”. Estima-se que 300 mil pessoas receberão esses pagamentos.

Não há clareza ainda sobre os rumos da ação por crimes ambientais que de toda forma já prescreveriam em 2024, deixando um rastro de impunidade. Nove anos depois, a ação penal também praticamente não andou, ninguém foi responsabilizado e dezenas de réus já foram inocentados.

Dentre os R$ 100 bilhões de dinheiro novo, R$ 40,73 bilhões serão destinados diretamente aos atingidos, R$ 16,13 bilhões serão aplicados na recuperação ambiental, R$ 17,85 bilhões irão para ações socioambientais que beneficiam indiretamente atingidos e meio ambiente, R$ 15,60 bilhões para saneamento e rodovias, R$ 7,62 bilhões para municípios e R$ 2,06 bilhões para ações institucionais e transparência.

Foto de destaque: Isis Medeiros


Fonte: Observatório da Mineração

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