Agrotóxicos, câncer, padrões duplos, e o que a Bayer tem a ver com os incêndios na floresta amazônica

AVIÃOFoto: Rafi Bablan, CC BY 2.5

Por Christian Russau, ativista de Direitos Humanos e membro do conselho da Ethical Shareholders da Alemanha

Como a Bayer se aproveita das novas leis de participação acionária alemãs em tempos de distanciamento social da Corona, para nós, que somos ativistas de direitos humanos, este ano não é possível participar ativamente da AGM da Bayer para criticar a diretoria da Bayer  diretamente como fizemos nas últimas décadas. Mas, no entanto, a nossa crítica é mais importante do que nunca. Então, aqui vamos nós.

A Bayer vende agrotóxicos no Brasil que são proibidos na União Europeia (UE). Fiz duas investigações, uma em 2016 e a segunda em 2019.

A investigação em 2016 mostrou que a Bayer estava vendendo oito substâncias ativas de agrotóxicos no Brasil em 2016 que não são autorizadas a nível da UE, como afirma o Banco de Dados de Agrotóxicos da UE. Em 2016, as substâncias proibidas na UE que eram vendidas no Brasil eram as seguintes:

  • Carbendazim
  • Ciclanilida
  • Dissulfotom
  • Etiprol
  • Etoxissulfuron
  • Ioxinil
  • Thidiazuron
  • Tiodicarbe

Mas em 2019, o número havia aumentado para 12, como uma nova investigação em 2019 mostrou:

  • Carbendazim
  • Ciclanilida
  • Etiprol
  • Etoxissulfuron
  • Fenamidona
  • Indaziflam
  • Ioxinil
  • Oxadiazam
  • Propinebe
  • Thidiazuron
  • Tiodicarbe
  • Tirame

Isso significa que, entre 2016 e 2019, houve um aumento de 50% nas vendas de produtos agroquímicos da Bayer no Brasil, proibidas na UE.

Isso me lembrou do ano de 1988, quando o então CEO da Bayer, Hermann J. Strenger, se recusou a admitir que a Bayer estava usando padrões duplos. Strenger disse na época: “Nós fazemos os mesmos requisitos de nossos investimentos no Brasil ou na Índia, nos EUA ou no Japão, como [na Alemanha].” Mas ele admitiu: “De fato, no Brasil, por exemplo, não tem leis como na República Federal da Alemanha”.

Então, 32 anos depois, a Bayer ainda vende no Brasil alguns herbicidas, inseticidas e fungicidas com ingredientes ativos que são proibidos na Europa. Então, como seria possível não falar de padrões duplos?

Por que estamos focando no Brasil?

Por que colocamos nosso foco no Brasil? Porque o Brasil está no centro do interesse de crescimento da Bayer. O CEO da Bayer, Werner Baumann, disse na Assembleia Geral Anual de 2018 que o interesse da Bayer em adquirir a Monsanto seria no setor de sementes e no crescimento desse setor: vamos analisar mais de perto esse tipo de crescimento da empresa. O tipo de semente da Bayer (e agora também a antiga Monsanto ”) geralmente é geneticamente modificado, e isso acompanha o crescimento de venenos agrícolas. Se juntarmos essas três variáveis ​​- sementes geneticamente modificadas, venenos agrícolas e crescimento – juntas, apenas um denominador comum pode ser encontrado em todo o mundo: o Brasil. Essa ainda é a triste realidade, e com um governo de extrema direita como o de Jair Bolsonaro está ficando cada vez pior. Somente em 2019, em um ano de governo, o governo de direita em Brasília liberou mais 503 agrotóxicos

Nos EUA, vemos os processos legais em andamento contra a Bayer/Monsanto, na Europa as pessoas estão cada vez mais querendo se livrar da Glyphosate & Co, na Índia, mais e mais estados estão se declarando “livres de agrotóxicos”, e a China está mostrando preocupação com a contaminação por agrotóxicos. Então: para a Bayer, só resta o Brasil. E há uma razão para isso: “503 novos agrotóxicos, o que significa – como um cientista conhecido  da FIOCRUZ colocou: “O Brasil se tornará um paraíso para os venenos agrícolas”. Já é.

E a Bayer continuará participando, talvez mais do que nunca, na venda e distribuição de agroquímicos altamente tóxicos no Brasil. Pode ser algum tipo de tática de sobrevivência suicida diante da aquisição de vários bilhões de dólares da Monsanto, mas a Bayer buscará crescimento a qualquer preço. Qualquer veneno que possa ser vendido será vendido.

O Brasil é o inferno dos agrotóxicos na Terra

O Brasil é o inferno dos agrotóxicos na Terra. Vejamos os fatos: o Brasil é o líder mundial no uso de venenos agrícolas. 7,3 litros de veneno agrícola por cidadão brasileiro por ano representam a média nacional. A província transgênica de Mato Grosso detém o recorde mundial: no estado brasileiro de Mato Grosso são aplicados 13,3% (140 milhões de litros) de todos os agrotóxicos usados ​​no Brasil.  Apenas no pequeno município de Sapezal, no estado de Mato Grosso, em 2012, nove milhões de litros de venenos agrícolas foram utilizados.  Em Sapezal, o uso de per capita de agrotóxicos é de 393 litros, 52 vezes superior à média nacional de 7,3 litros.

Um estudo da Universidade Federal de Mato Grosso constatou que houve 1.442 casos de câncer gástrico, esofágico e pancreático em 13 municípios (64.746 habitantes de acordo com o último censo de 2015), nos quais foram cultivados soja, milho e algodão entre 1992 e 2014. Em comparação, nos 13 municípios comparáveis ​​(219.801 habitantes de acordo com o último censo de 2015), onde o turismo predominou em vez da agricultura, o número de casos de câncer foi de apenas 53. Isso resulta em uma taxa de câncer de 223,65 por 100.000 habitantes em municípios predominantemente agrícolas, enquanto em municípios predominantemente turísticos, há uma taxa de câncer de 24,11 por 100.000 habitantes. Assim, em municípios onde os agrotóxicos são fortemente pulverizados, a taxa de câncer é estatisticamente maior em um fator de 8.

No ano passado, perguntei ao CEO da Bayer Baumann: quanto remédio anticâncer (volume e vendas) sua empresa farmacêutica enviou ao estado de Mato Grosso em 2016 e 2017? Infelizmente, não recebi uma resposta.

Incêndios florestais da Amazônia na floresta tropical

O mundo teve que testemunhar em 2019 uma temporada de incêndios na floresta amazônica com um enorme aumento ano a ano nos incêndios ocorridos na floresta amazônica. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) do Brasil registrou um aumento de 77% ano a ano. No final de agosto, o céu acima da cidade de São Paulo escureceu durante o dia, apesar de estar a milhares de quilômetros da Amazônia. O governo de Bolsonaro fez sua parte no jogo horrível. Mas e a Bayer?

Em setembro de 2019, a Bayer declarou participar da chamada “Coalizão Brasileira de Clima, Floresta e Agricultura”.  A Bayer declarou então: “Estamos adotando uma posição clara para exigir a aplicação de leis de proteção florestal e impulsionar a intensificação sustentável da agricultura”. A Bayer argumenta que o princípio a ser adotado seria: “Quanto mais bem-sucedidos formos em intensificação sustentável, menor pressão sobre novas extensão do uso da terra”. Traduzindo isso para o discurso do mundo real: mais agrotóxicos da Bayer em terras usadas agrícola e, em seguida, a Amazônia seria salva.

Curiosamente, é preciso lembrar que os municípios da Amazônia brasileira com as maiores taxas de desmatamento ilegal são os mesmos com o maior aumento no uso de venenos agrícolas.

Então, Bayer, pare de espalhar besteiras, como uma empresa de ciências como você deveria saber muito melhor … Ou é mais uma decisão estratégica?

No Paraguai, o movimento anti-agrotóxicos e as comunidades indígenas têm um slogan popular: Ñamosêke Monsanto! – É a língua guarani e traduz para “Fora Monsanto!” O mesmo se aplica naturalmente à Bayer.

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Este artigo foi inicialmente publicado em inglês pela Association of Ethical Shareholders [Aqui].

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