Pesquisador da UENF responde questões levantadas a partir da leitura da entrevista do Prof. Paulo César Rosman à BBC

Após ler com mais atenção a entrevista que o professor Paulo Cesar Rosman do COPPETEC/UFRJ concedeu à BBC sobre o incidente da Mineradora Samarco (Vale+BHP Billiton) no município de Mariana (MG), este blog conduziu uma entrevista com o Prof. Carlos Eduardo Rezende, professor titular e chefe do Laboratório de Ciências Ambientais (LCA) da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf).  Além disso, o Prof. Carlos Rezende é um expert na dinâmica de poluentes metálicos, nutrientes, composição elementar e isotópica da matéria orgânica, e biomarcadores na interface dos ecossistemas terrestres e aquáticos, e tem atuado com intensidade na área de Ecologia Aplicada desde que chegou à Uenf em 1993.

carlos rezende

Além de prestar essa entrevista ao blog, o Prof. Carlos Rezende disponibilizou o seu telefone de contato na Uenf para que sejam feitos contatos diretos acerca dos pontos que ele levanta em sua entrevista. O número de contato do Prof. Carlos Rezende é 22-2748-6080.

Blog do Pedlowski (BP): Em sua entrevista à BBC, o Prof. Paulo César Rosman declarou que “embora especialistas tenham divulgado previsões de danos catastróficos, que incluiriam danos à reserva marinha de Abrolhos, no sul da Bahia, e um espalhamento da lama por até 10 mil m²”. “Além disso, o Prof. Rosman afirmou que os efeitos no mar serão “desprezíveis”, que o material se espalhará por no máximo 9 km e que em poucos dias a coloração barrenta deve se dissipar.” Como o senhor vê essas declarações do Prof. Rosman?

Carlos Eduardo Rezende (CER): Eu notei que o Professor Rosman informou que os efeitos serão desprezíveis, mas não fez qualquer tipo de avaliação quanto ao que é ou não desprezível. O que eu poderia responder sobre isto é que com a redução na penetração da luz teremos certamente uma drástica redução na produção primária, ou seja, fixação de carbono com consequência na cadeia alimentar costeira. Outra coisa, o que é considerado desprezível, a morte de espécies fluviais e marinhas? Não quero sequer entrar na questão socioeconômica em toda região. Bom, quanto ao modelo que ele usou, não vi qualquer informação, e hoje por imagem de satélite já se pode chegar a uma conclusão. Neste momento, precisamos de informações precisas e não foram apresentados números para contestar as afirmações de outros grupos. Este momento é muito delicado e a comunidade acadêmica deve se manifestar, a meu ver, com mais precisão nas suas avaliações técnicas.

BP: O Professor Rosman também declarou á BBC que “para ele, a sociedade e os governos mineiro e federal precisam cobrar de Vale e BHP Billington, donas da Samarco, o processo de reflorestamento e reconstrução ambiental, de custo “insignificante” para as empresas.”.

CER: Custo insignificante em que termos? E os serviços ambientais que foram totalmente alterados ou comprometidos com o TsuLama que foi liberado pelo rompimento da barragem da Samarco? Eu diria que o reflorestamento e a reconstrução ambiental se forem feitos como se deve, precisaríamos de um acompanhamento ao longo de alguns anos para avaliar quando os serviços ambientais serão recuperados (ex.: A recarga das águas subterrâneas foi ou não comprometida?). Eu penso que não se pode tratar a questão ambiental varrendo coisas para debaixo do tapete e a população precisa de readquirir confiança na empresa e nos órgãos ambientais. Este momento deve ser usado como exemplo de pior hipótese, visto que o problema poderá ser repetido se mantivermos a precariedade na fiscalização, pois existem 765 barragens no estado de Minas Gerais, e poucos fiscais realizando este serviço.

BP: O Prof. Rosman declarou ainda que “no caso da ciência as coisas são mais factuais, quantitativas, mais numéricas. No caso do indígena, ele constata e sofre com a “morte” do rio. A diferença é que o rio está morto neste momento, é verdade, mas ressuscitará muito rapidamente, e eles vão poder comprovar isso.” O que o senhor tem a dizer sobre essa previsão de ressurreição que o Prof. Rosman fez?

CER: A minha resposta a esta afirmação é muito simples. Para quem afirma que ciência é quantitativa e mais numérica, precisamos de números, e estes não foram apresentados, mas foram realizadas afirmativas que deveriam vir respaldadas com maiores detalhes. Ao afirmar que em 5 meses tudo estará normalizado, seria fundamental saber o que realmente tínhamos neste sistema antes da passagem dos rejeitos e sabemos que as informações, neste exato momento, são insuficientes.

BP: O Professor Rosman também afirmou que “há muitos exemplos de acidentes muito mais graves e mais sérios do que este da barragem de Mariana. Veja a erupção vulcânica do monte Santa Helena, nos Estados Unidos (em 1980). Foi tudo devastado e destruído, numa área imensamente maior. Você vai lá hoje e vê que os animais voltaram e a mata voltou.” Como o senhor responde a estas afirmações?

CER: Aqui, mais uma vez, há uma tentativa de naturalização do problema ao usar um evento extremo e natural e compará-lo com um que poderia ter sido minimizado com medidas que deveriam estar sendo cumpridas. Para um profissional da área, o Prof. Rosman me parece estar negligenciando um ponto importante na engenharia de reservatórios e de segurança. Além disso, o evento de Itajaí precisa ser detalhado, pois muitas pessoas não conhecem. Os números precisam ser apresentados, e não basta, a meu ver, afirmar que foi maior, sem estabelecer claramente as diferenças entre os eventos.

BP: Na sua entrevista, o Prof. Rosman afirmou também que as fortes chuvas entre novembro e abril “lavarão” o rio Doce, num processo natural. Como o senhor vê essa previsão?

CER: O fato concreto é que parece ter sido esquecido que estamos sobre o efeito do El Niño, e que este fenômeno gera um déficit pluviométrico na região Sudeste, onde os dois estados atingidos pelo derrame da Mineradora Samarco estão inseridos, e que há 3 anos estamos passando por secas prolongadas.

BP: O Prof. Rosman também afirmou que “para se ter uma ideia, a água transparente do mar, costeira, tem tipicamente 5 mg/l de sedimentos em suspensão. A água dentro de uma baía tem tipicamente entre 50 mg/l a 100 mg/l de sedimentos em suspensão. A água de um rio com cor barrenta tem em torno de 500 mg/l de sedimentos de suspensão, são todos dados naturais.”. Nesse caso, há alguma coisa que o senhor gostaria de apontar?

CER: A região estuarina ou marinha do rio Doce não está diretamente associada a uma baía, muito pelo contrário é aberta e ligada diretamente ao oceano, assim 50 a 100 mg/L não é um valor baixo, inclusive estando dentro da faixa encontrada para rios (ex.: rio Paraíba do Sul). Inclusive, para considerarmos legalmente algumas questões, devemos observar a Resolução CONAMA 357/2005 e confirmar se as águas estão em conformidade com os padrões estabelecidos para a Classe I, pois a região é usada para recreação e, portanto, contato primário.

BP: Um aspecto final que eu gostaria de perguntar ao senhor se refere às responsabilidades pelo incidente em Mariana.  No tocante à isto, o Prof. Rosman disso o seguinte “Olha, irresponsabilidade é quando você tem consciência do fato e não faz nada. Tudo é óbvio depois que você já sabe o que aconteceu.”.  Como é que o senhor vê a questão das responsabilidades sobre o incidente que ocorreu em Bento Rodrigues com o rompimento da barragem Fundão da Mineradora Samarco?

CER: Creio que nesta resposta em particular, não houve uma resposta concreta, pois existem informações conflitantes sobre as condições deste e de outros reservatórios segundo informações publicadas em diferentes órgãos de imprensa nacional e internacional. Dai quando ocorrer algum outro rompimento de barragem de rejeitos, haverá ou não responsáveis? Parece-me que sim.

5 comentários sobre “Pesquisador da UENF responde questões levantadas a partir da leitura da entrevista do Prof. Paulo César Rosman à BBC

  1. É difícil de acreditar que pessoas com, tamanho conhecimento saia afirmando as coisas na base do achismo, ainda mais quando se fala de um professor universitário e pesquisador.

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  2. Especialistas
    Luis Vieira
    Em entrevista a um jornal de São Paulo, um engenheiro de renomada instituição federal nos traz a boa notícia de que os efeitos do desastre “natural*” de Mariana se dissiparão até janeiro. É claro que ele se refere à lama, os peixes demorarão um pouco mais, 5 meses. Quanto aos supostos resíduos tóxicos, há controvérsias, porque ouviu falar de geólogos que os teores são muito baixos. O pesquisador compara o acidente com a mortandade peixes na Lagoa Rodrigo de Freitas (que uma vez ele pretendeu acabar), no Rio de Janeiro e com um desbarrancamento em Itajaí, em Santa Catarina. Nenhuma palavra sobre a ecologia ou a biologia que têm uma visão bem mais complexa do que seja uma bacia hidrográfica. Oriunda da mesma instituição, a ministra do Meio Ambiente não demonstra preocupação com a repercussão do acidente na iminente Conferência sobre o Clima, porque se trata de um assunto diferente, causado por atividade econômica… Mas não é exatamente sobre os impactos das atividades econômicas que a COP21 vai ser realizada? E pode-se ignorar os efeitos sobre o clima, da contaminação de mares e rios? Nem um pouco, se tomarmos como referência, as declarações do Ministro da Economia que suspendeu o pagamento do seguro defeso, liberando, portanto, a pesca nesse período, sob a alegação de que matar vacas nunca representou sua extinção. Em tempo, o ministro também é oriundo da mesma instituição.

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  3. Muito bom. Eu mesmo que não sou especialista, já havia comentado que 8 ou 9 toneladas de peixes que estavam retidos (encalhados) nas margens e foram retirados podem ser 1%, 5%, ou 10 % dos peixes mortos! Como saber o correto? As aves que estão lá na foz comendo os peixes mortos que descem flutuando na lama, me parece que estão aparecendo mortas. Como explicar sem admitir que existe uma toxidade?
    Outra coisa, cada vez que chover forte, mais lama será incorporada à agua, visto que ficou muita lama retida nas margens e novos eventos de desoxigenação devem ser esperados.

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